domingo, 13 de janeiro de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 






AVE! MARIA...
                  


Ave! Maria das Estrelas, Ave! 
Cheia de graça do luar, Maria! 
Harmonia de cântico suave, 
Das harpas celestiais branda harmonia...

Nuvem d’incensos através da nave 
Quando o templo de pompas irradia 
E em prantos o órgão vai plangendo grave 
A profunda e gemente litania...

Seja bendito o fruto do teu ventre, 
Jesus, mais belo dentre os astros e entre 
As mulheres judaicas mais amado...

Ó Luz! Eucaristia da beleza, 
Chama sagrada no Evangelho acesa, 
Maravilha do Amor e do Pecado!





IMPASSÍVEL


Teu coração de mármore não ama 
Nem um dia sequer, nem um só dia. 
Essa inclemente natureza fria 
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama 
Por esse olhar d’estrelas e harmonia, 
Sem uma névoa de melancolia, 
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vê-lo, 
Indiferente às comoções, de gelo 
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas, 
Ou sê antes de pedra, como as santas, 
Mudas e tristes dentro das redomas.





VERÔNICA


Não a face do Cristo, a macilenta 
Face do Cristo, a dolorosa face... 
O martírio da Cruz passou fugace 
E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensanguenta, 
Mais vivo que se o Deus o derramasse; 
Porque esta vã paixão, para que passe, 
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, Visão da Luz, Visão sagrada 
Queres ser a Verônica sonhada, 
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficará no teu sudário 
Não a face do Cristo do Calvário 
Mas a face convulsa da Agonia!



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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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