quarta-feira, 22 de maio de 2019

Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (4)

Paulo Freire

Pedagogia do Oprimido - Aprender a dizer a sua palavra (4)




“educação como prática da liberdade”:
alfabetizar é conscientizar 







Prefácio



Aprender a dizer a sua palavra


Professor Ernani Maria Fiori 




continuando...





A intencionalidade transcendental da consciência permite-lhe recuar indefinidamente seus horizontes e, dentro deles, ultrapassar os momentos e as situações, que tentam retê-la e enclausurá - la. Liberta pela força de seu impulso transcendentalizante pode volver reflexivamente sobre tais situações e momentos, para julgá -los e julgar-se. Por isto é capaz de crítica. A reflexividade é a raiz da objetivação. Se a consciência se distancia do mundo e o objetiva, é porque sua intencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde o primeiro momento de sua constituição, ao objetivar seu mundo originário, já é virtualmente reflexiva. É presença e distancia do mundo: a distancia é a condição da presença. Ao distanciar-se do mundo, constituindo- se na objetividade, surpreende- se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha de entendimento, reflexão e mundo, subjetividade e objetividade não se separam: opõem-se, implicando -se dialeticamente. A verdadeira reflexão crítica origina-se e dialetiza-se na interioridade da “práxis” constitutiva do mundo humano – é também “práxis”. 

Distanciando-se de seu mundo vivido, problematizando- o, “descodificando -o” criticamente, no mesmo movimento da consciência o homem se re-descobre como sujeito instaurador desse mundo de sua experiência. Testemunhando objetivamente sua história, mesmo a consciência ingênua acaba por despertar crítica-mente, para identificar-se como personagem que se ignorava e é chamada a assumir seu papel. A consciência do mundo e a consciência de si crescem juntas e em razão direta; uma é a luz interior ida outra, uma comprometida com a outra. Evidencia-se a intrínseca correlação entre conquistar-se, fazer- se mais si mesmo, e conquistar o mundo, faze- lo mais humano. Paulo Freire não inventou o homem; apenas pensa e pratica um método pedagógico que procura dar ao homem a oportunidade de re-descobrir-se através da retomada reflexiva do próprio processo em que vai ele se descobrindo, manifestando e configurando – “método de conscientização”.

Mas ninguém se conscientiza separadamente dos demais. A consciência se constitui como consciência do mundo. Se cada consciência tivesse o seu mundo, as consciências se desencontrariam em mundos diferentes e separados – seriam mônadas incomunicáveis. As consciências não se encontram no vazio de si mesmas, pois a consciência é sempre, radicalmente, consciência do mundo. Seu lugar de encontro necessário é o mundo, que, se não for originariamente comum, não permitirá mais a comunicação. Cada um terá seus próprios caminhos de entrada nesse mundo comum, mas a convergência das intenções que o significam, é a condição de possibilidade das divergências dos que, nele, se comunicam. A não ser assim, os caminhos seriam paralelos e intransponíveis. As consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam- se porque comunicantes. A intersubjetivação das consciências é tão originária quanto sua mundanidade ou sua subjetividade. Radicalizando, poderíamos dizer, em linguagem não mais fenomenológica, que a intersubjetivação das consciências é a progressiva conscientização, no homem, do “parentesco ontológico” dos seres no ser. É o mesmo mistério que nos invade e nos envolve, encobrindo -se e descobrindo-se na ambiguidade de nosso corpo consciente.

O monólogo, enquanto isolamento, é a negação do homem; é fechamento da consciência, uma vez que consciência é abertura. Na solidão, uma consciência que é consciência do mundo, adentra- se em si, adentrando-se mais em seu mundo, que, reflexivamente, faz-se mais lúcida mediação da imediatez intersubjetiva das consciências. A solidão – não o isolamento – só se mantém enquanto renova e revigora as condições do diálogo.

O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e; nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “admiram” um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem- se. Vimos que, assim, a consciência se existência e busca perfazer-se.

O diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização. É ele, pois, o movimento constitutivo da consciência que, abrindo-se para a infinitude, vence intencionalmente as fronteiras da finitude e, incessantemente, busca reencontrar-se além de si mesma. Consciência do mundo, busca-se ela a si mesma num mundo que é comum; porque é comum esse mundo, buscar-se a si mesma é comunicar- se com o outro. O isolamento não personaliza porque não socializa. Intersubjetivando-se mais, mais densidade subjetiva ganha o sujeito.




continua....



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PAULO FREIRE
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
23ª Reimpressão
PAZ E TERRA

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© Paulo Freire, 1970
Capa
Isabel Carballo
Revisão
Maria Luiza Simões e Jonas Pereira dos Santos
(Preparaço pelo Centro de Catalog aço -na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)



Freire, Paulo

F934p      Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987

(O mundo, hoje, v.21)

1.   Alfabetizaço – Métodos 2. Alfabetizaço – Teoria I. Título II. Série

CDD-374.012
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1994

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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido



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