terça-feira, 21 de maio de 2019

O Brasil Nação - v2: § 60 – Incruentas e falhas... - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2




SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 7
as revoluções brasileiras



§ 60 – Incruentas e falhas...





As quatro revoluções que marcam os estágios da evolução nacional passam, todas, como vitórias incruentas, definitivas... e falhas. Como correspondiam às necessidades essenciais e inadiáveis, pronunciaram-se em movimentos desde logo triunfantes, sem possibilidade de resistência efetiva. Nem houve, mesmo, por parte dos conservadores, o pensamento de reagir francamente, imediatamente. Destarte, independência, abdicação, abolição, República foram mudanças irreformáveis e definitivas quanto aos motivos ocasionais e imediatos, como foram vitórias falhas quanto às causas essenciais dos males a curar. 

Não será preciso refazer a história, para repetir a demonstração de como se anularam as duas primeiras dessas revoluções: a carência de 1822 determinou a revolução de 7 de abril, como o falseamento da abdicação produziu todo o subsequente mal-estar, até as crises de 1842-48, e a definitiva deturpação do regime tentado, para que se repetisse em 1889, em forma republicana, o ensaio de 1832. Tudo isto proveio de que a reação, fatal, inevitável, já se deu dentro da realização revolucionária. Como sucede sempre que o corpo dos dirigentes viciados, responsáveis pelos próprios males anteriores, vêm incluir-se entre os revolucionários, esses dirigentes, já situados e senhores do mecanismo governamental, acabam assenhoreando-se das posições, escamoteando a revolução, deturpando-a no vivo do programa, traindo-a nos intuitos reais. É a reação mais eficaz, quer venha em nome de moderados, quer no de adesistas... É o inevitável malogro das revoluções incruentas... 

Das duas últimas revoluções brasileiras, tem lugar à parte, em efeitos especiais, a da Abolição. A par de aspectos políticos, primando sobre eles, esse movimento trazia motivos sociais, bem patentes, um dos quais, mais saliente, imediato – a eliminação da escravidão legal, não podia ser iludida, pois nisto se exprimia a própria vitória da revolução. No mais, a mesma Abolição falhou, tanto nas suas exigências políticas, como nos outros motivos sociais. Seria consequência lógica do abolicionismo vitorioso: a organização do trabalho inteligente e livre; preparo do trabalhador, completado na sua educação política; leis sociais proteção do operariado contra a exploração dos patrões; o seu direito de organização sindical e de greve; a garantia de boa higiene, no esforço e na disposição de locais; organização de seguros de acidentes e velhice etc. O indispensável, em suma, para que o proletário não seja um espoliado; o necessário para que a produção não seja a exploração cruel dos que realmente trabalham. Nada disto se fez; aboliu-se legalmente cativeiro, para que os cativos de ontem, e todos os proletários, ficassem à mercê da ganância patronal, economicamente mais escravos hoje do que o eram dantes. Não se pedia que o abolicionismo resolvesse a inteira questão social; mas, para que a vitória de 13 de maio fosse a redenção efetiva do trabalho, havia que remir efetivamente o trabalhador. Como, no entanto, se continuaram os mesmos dirigentes, que não haviam sabido achar a solução do problema servil, e tornaram, com isto, indispensável o desfecho revolucionário?... É este o aspecto político da questão: 13 de Maio tinha que falhar politicamente, como todas as revoluções brasileiras, e a sua carência política determinou a sua nulidade em todos os consequentes efeitos sociais.

Há um paradoxo nas nossas revoluções: ou irrompem sem preparo ostensivo, ou tal preparo parece insignificante, em vista dos resultados, pois que, antes, a ideia revolucionária parecia viver numa minoria fraca, e, logo depois, incorpora toda a opinião pública. Assim, em ângulos diferentes, para todas elas. A Independência se concretizou na atitude do príncipe; ora, um mês antes de 7 de setembro, ele escrevia ao pai afirmando submissão. Em março de 1831, não havia moderado que pensasse em afastar D. Pedro I, e, mesmo a 6 de abril houve deles quem pensasse em ir para o Campo impedir a revolução. O coração brasileiro estava, desde sempre, com os cativos, mas em 1887, chefe do Governo, o Barão de Cotegipe, escravocrata irredutível, tem como companheiro, para adiar a solução, o conselheiro Antonio Prado que será figura primacial do ministério libertador de João Alfredo. A campanha abolicionista foi violenta, mas, em verdade, ela só tomou esse caráter para arrebanhar a nação, em 1887. Quanto à República, propaganda que se ensaiou em 1870, só teve voz potente em 1882, e só teve realidade de 1886 em diante. Apesar disto, o chefe do gabinete de 1889, o Visconde de Ouro Preto, julgou-se autorizado a lançar aos republicanos, nas vésperas da revolução, o famoso cresçam e apareçam... No entanto, em todas essas conjunturas, manifestado o movimento, não há tentativa de resistência, assim como na hora da vitória vêm todos para ela, que incorpora, imediatamente, toda a ostensiva opinião pública... Chega a ser monstruoso, mas tem explicação completa nas nossas mesmas condições de formação política, combinada à nefasta herança, com a qualidade mais sensível no nosso caráter coletivo pacífico e bondoso. 

Não temos educação política; nunca tivemos educação para uma tal campanha de opinião. Viemos do mandonismo colonial, herdando um corpo de dirigentes que nunca se substituiu, dirigentes em que se reproduzem, implacavelmente, os mandões primeiros, incapazes, por conseguinte, de levar-nos a esse estado em que as questões têm que ser debatidas para a conquista da opinião, e em que as necessidades gerais de reforma, sentidas nas consciências descortinadoras, são, desde logo, objeto de propaganda. Então, produz-se a contradita efetiva, em torno de doutrinas, e, se a resistência obriga à revolução, haverá necessariamente o corpo de resistência imediato; haverá luta efetiva, para uma vitória radical, em realizações efetivamente revolucionárias. Nada disto era possível, nem o é ainda, talvez, no Brasil. Temos existido, na política das personalidades, com um regime de discussões em torno das mesmas personalidades: As propagandas e campanhas de oposição assim se fazem: ataques a Pedro I e aos seus Paranaguá; ataques a Feijó, ataques a Pedro II e aos seus Paraná, Zacarias, Itaboraí, Soares de Souza, Cotegipes... Há, certamente, necessidades incoercíveis de reformas e transmutações, necessidades mal-definidas que, muitas vezes, acabam impondo-se ao ânimo da nação, já retardadamente, e, assim, irrompem sobre a política corrente, levando-a de vencida. É a vitória da revolução, que, por isso, é francamente aceita. E como não houve sucesso de contradita à ideologia revolucionária, que é, apenas, a voz da instintiva necessidade, os dirigentes de ontem e as mentalidades com eles afinadas, acreditam, sinceramente, poder participar da nova ordem de coisas, e vêm para a revolução que será incruenta, para ser substancialmente falha. 

Em verdade, a realidade de uma revolução depende de um ideal capaz de inflamar, orientando um programa bem concreto, das mutações a fazer, dos processos a seguir e da inevitável substituição do corpo dirigente. Em vista ao progresso, toda legítima revolução, já o dissemos, exige a eliminação da classe onde se incorpora o arcaísmo banido. Tal não seria possível no nosso país. Devido a essas mesmas condições herdadas, os ideais não chegavam a ser clarão sobre as consciências; valiam potentemente, pois que vinham de necessidades profundas, porém, mal se distinguiam na ganga dessas mesmas necessidades. E como nunca tivemos tirocínio de liberdade e de opinião, não eram convenientemente apresentados e definidos. Liberdade, Justiça, República... Que liberdade? Que justiça?... Por isso mesmo, não havia possibilidade de programa razoável, lúcido, fecundo, em novos costumes, nem se sentia a necessidade de outros dirigentes, indispensável para novos costumes como realidade revolucionária. Vida política que se consubstanciava em mandões, a do Brasil não pedia, nem comportava convicções; Carneiro de Campos, e mais Vilela, Hermeto, e todos os que fizeram o Império, podiam ser sinceros, nunca espíritos de convicções. Levavam-nos as formas em que se encontravam aproveitadas para satisfação dos apetites pessoais. Os raros Feijó e José Bonifácio não puderam fazer obra com eles, nem prevaleceram. Toda esta gente que vem dos adesistas à Independência, os moderados de 1831, até os escravocratas, liberais ou conservadores, convertidos em abolicionistas a 13 de maio, mais os adesistas de 1889, acreditava poder, realmente, ser independentista, liberal, abolicionista e republicana... Os mais desabusados não demoravam em refletir incompatibilidades. E, todos, entraram para as revoluções do seu tempo, anulando-as nos efeitos essenciais. 

Mesmo em revoluções combatidas, acontece muito que, entre os vencedores e os oportunistas, haja uma grande massa de moderados, afeitos ao regime anterior, prontos a reduzir a crise à simples mudança na letra das instituições, sem lesão efetiva dos privilégios condenados, e, sobretudo, sem a integral substituição de classe dirigente. Abre-se a dissidência, entre radicais e contemporizadores, dissidência que não tarda degenerar em luta ostensiva – Montanha e Girondinos, luta em que a própria revolução se enfraquece, para ser empolgada pelos Bonaparte ou Bernardo de Vasconcelos... Está anulada a revolução, para a volta à fórmula anterior – ao segundo Império, ou à Restauração, enfeixada na Santa Aliança. Não há propriamente responsáveis pelo fracasso, pois que deriva tudo de condições feitas. Já o acentuamos: a realidade de uma mutação revolucionária exige, antes de mais nada, uma concepção lúcida dos seus intuitos. Enquanto se pretende que o êxito se liga à simples conquista do poder em nome da mesma revolução, ele está votado à nulidade. Tem-se que a virtude reformadora se liga a fórmulas abstratas, admite-se que venham para a realização todos que se oferecem, e, com isso, o movimento, é, ao mesmo tempo, submergido e desviado. Dirigentes anteriores, mentalidades feitas no regime condenado: como acreditar que, por esses, tenham realização novos ideais, em formas novas? No encontro dessas mentalidades com a abstração condutora do movimento, não será a abstração, fórmula inerte, que dobrará as mentalidades, senão estas que se dobrarão, forçando, falseando o princípio abstrato, até realizarem aquilo a que estão afeitas. Como esperar que Araújo Lima, Calmon... potentes na nova ordem de coisas, dessem realidade a uma democracia brasileira? Como admitir que a onda dos serviçais do Império, aderentes à revolução de novembro, fizesse a legítima República, impossível, mesmo com os raros escassos republicanos educados na mesma classe de dirigentes?... 

Perdoadas em tudo mais, pelos dirigentes que as exploram e as desnaturam, as revoluções brasileiras têm sido condenadas, porque se fizeram com o apoio ativo e formal das forças armadas... De fato, assim aconteceu. A mesma Independência teve como lance decisivo o movimento das forças brasileiras, a 12 de fevereiro de 1822, forças que, sob o comando de oficiais superiores, também brasileiros, opuseram-se às pretensões dos desordeiros de Avilez, e deram o supremo poder ao príncipe. (11) A abdicação foi o efeito de um movimento popular, quase espontâneo, e a que se juntaram, desde logo, muitos corpos da guarnição, inclusive o batalhão do imperador. A Abolição teve como crise decisiva a recusa das forças do Exército, quando mandadas contra os escravos aquilombados no Cubatão. A República?... Nem será preciso lembrar a intervenção militar. E é, justamente, pelo que houve de ostensivo e impróprio na forma dessa intervenção, que a respectiva proclamação tem sido taxada de levante de quartéis. Foi a incapacidade dos revolucionários republicanos. Temos de fazer referências ao caso; mas, em substância, o apoio explícito e ativo das forças armadas não pode fazer condenar as nossas revoluções. Na realidade, não há revolução, com conquista de poder, sem o apoio de forças armadas; assim como nenhuma pode prevalecer, se as mesmas forças a repelem e combatem. Desde os dias de Cina e Cesar, até o grande triunfo dos revolucionários russos, que se contam revoluções vitoriosas sobre os ombros da tropa.


(11) Os comandantes brasileiros eram José Manoel de Moraes, Antero Ferreira de Brito e José Joaquim de Lima e Silva, o próprio que fora insultado pelo tenente-coronel português, José Maria da Costa. Das forças brasileiras reunidas espontaneamente no Campo, para agir contra Avilez, faziam parte os tradicionais batalhões dos Pardos e dos Henriques. Essa força armada, que deu o poder ao príncipe, acompanhou-o, ainda, no atentado contra a Constituinte.


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."


Cecília Costa Junqueira



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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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