sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Stanislaw PP - FeBeAPá: O sabiá do almirante

O Festival de Besteira

O Maior Festival de Besteira que já Assolou e voltou Assolar o País


II Parte



O sabiá do almirante




O almirante gostava muito de ir ao cinema na sessão de oito às dez. Era um almirante reformado e muito respeitado na redondeza por ser bravo que só bode no escuro. Naquela noite, quando se preparava para ir pro cinema, a empregada veio correndo lá de dentro, apavorada:

— Patrão, tem um homem no quintal.

Era ladrão. Pobre ladrãozinho. O almirante pegou o .45, que tinha guardado na mesinha de cabeceira, e saiu bufando para o quintal. Lá estava o mulato magricela, encolhido contra o muro, muito mais apavorado que a doméstica acima referida. O almirante encurralou-o e deu o comando com sua voz retumbante:

— Se mexer leva bala, seu safado.

O ladrão tratou de respirar mais menos, sempre na encolha. E o almirante mandou brasa:

— Isto que está apontado para você é um .45. Se eu atirar te faço um furo no peito, seu ordinário. Agora mexe aí para ver só se eu não te mando pro inferno.


O ladrão estava com uma das mãos para trás e o almirante desconfiou:

— Não tente puxar sua arma, que sua cabeça vai pelos ares.

— Não é arma não — respondeu o ladrão com voz tímida: — É o sabiá.

— Ah… um ladrão de passarinho, hem? — vociferou o almirante.

E, de fato, o almirante tinha um sabiá que era o seu orgulho. Passarinho cantador estava ali. Elogiadíssimo pelos amigos e vizinhos. Era um gozo ouvir o bichinho quando dava seus recitais diários.

Vendo que o outro era um covarde, o almirante resolveu humilhá-lo:

— Pois tu vais botar o sabiá na gaiola outra vez, vagabundo. Vai botar o sabiá lá, vai me pedir desculpas por tentar roubá-lo e depois vai me jurar por Deus que nunca mais passa pela porta de minha casa. Aliás, vai jurar que nunca mais passa por esta rua. Tá ouvindo?

O ladrão tava. Sempre de cabeça baixa e meio encolhido, recolocou o sabiá na gaiola. Jurou por Deus que nunca mais passava pela rua e até pelo bairro. O almirante enfiou-lhe o .45 nas costelas e obrigou-o a pedir desculpas a ele e à empregada. Depois ameaçou mais uma vez:

— Agora suma-se, mas lembre-se sempre que esta arma é .45. Eu explodo essa sua cabeça se o vir passando perto de minha casa outra vez. Cai fora.

O ladrão não esperou segunda ordem. Pulou o muro como um raio e sumiu.

O almirante, satisfeito consigo mesmo, guardou a arma e foi pro cinema. Quando voltou, o sabiá tinha desaparecido.





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SÉRGIO PORTO nasceu no Rio de Janeiro em 1923 e morreu na mesma cidade em 1968. Foi cronista, radialista, homem de teatro e TV, compositor. Conhecido nacionalmente por meio do pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, publicou, além de Febeapá, coletâneas de crônicas, textos sobre futebol, entre outros.



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