quarta-feira, 22 de julho de 2020

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLVI - A Piedade

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







A PIEDADE


Ah! Mal de ti, ó Deus das Escrituras,
Se do Calvário no sinistro drama
Não houvesse sentido aquela chama
De amor que se alastrou nas almas puras.

Não! Não te fora o cálix de amarguras
Tão doloroso, tão cruel se o trama
Urdido por Judá contra quem ama
Não existisse de entre as criaturas.

Sim! inda temos um Judá – ainda
Quem ama o bem, a luz, a crença linda,
Sofre contigo, em prol da humanidade.

Ficaste, é certo, inanimado e exangue,
Morreste Deus – mas do teu belo sangue
Nasceu a branca flor da piedade.


                                 1887





AS ONDAS

Ação e reação, as ondas representam,
No movimento insano, divergente
Ação e reação da vida consciente,
No sistema das lutas que sustentam.

Elementos contrários que se enfrentam,
Que se propulsam muito heroicamente;
Embate singular e transcendente
De idéias, de paixões que em nós rebentam.

Ondas do mar, ondas prodigiosas
Às quais em francas vibrações nervosas
Os pensamentos descem como as sondas.

Ondas azuis e verdes e cor de ouro,
Sois para mim como um fetiche mouro.
Por isso eu tiro o meu chapéu às ondas.






O CÃO DO FIDALGO

Quando eu o vejo no salão radioso,
Cabeça aberta, sacudindo os guisos,
Deitado às vezes nos tapetes lisos,
Como um paxá no harém voluptuoso;

Todo embebido no luar de um gozo
Que vem de azuis e estranhos paraísos,
Como que um brilho especial de risos
Doces, leais, no olhar vitorioso;

Lembro essa triste humanidade, aquela
Que dentro em si traz uivo de procela
Com rugidoras fúrias de trovão.

Pasmo e me assombro da ironia ardente
Porque bem sei que existe muita gente
Menos feliz até do que esse cão.


                             1887





CRUZ E SOUSA
- MEUS HERÓIS NEGROS BRASILEIROS







"Se não fosse a educação... o racismo não teria como se reproduzir."

Silvio Almeida



Lethycia Dias:

"Muitos escritores que hoje são reconhecidos, viveram muito mal. Lima Barreto é mais um exemplo. Discriminado por ser negro, pobre e boêmio... Por escrever sobre as pessoas simples, como donas de casa, bêbados, "vagabundos". Existem tantos exemplos de escritores que passaram por dificuldades em vida!"



"Desse tipo de erro ninguém reclama nos livros didáticos"




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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.


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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras


© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799

Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES

Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Formato
14 x 21cm




FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167



S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898

                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)

                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.

                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.

                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1



"A gente só tem saída na política."




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