segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Émile Zola - Germinal: Terceira Parte - (I.b) Todas as noites

Germinal


Émile Zola

Tradução de Francisco Bittencourt

Terceira Parte

I
continuando.. .

      Todas as noites, pelas nove horas, quando a taberna se esvaziava, Etienne punha-se a conversar com Suvarin. Enquanto bebia sua cerveja aos golinhos, o mecânico fumava um cigarro atrás do outro, os dedos delicados manchados de tabaco. Seus olhos sonhadores de místico seguiam a fumaça que se evolava; sua mão esquerda, hesitante e nervosa, tateava, procurando algo no vazio. E, como era seu hábito, acabava por instalar nos joelhos uma coelha caseira, uma eterna mãe sempre prenhe, que vivia solta pelos quartos. Esta coelha, que ele apelidara de Polônia, adorava-o, farejava-lhe as calças, erguia-se nas patas traseiras, arranhava-o até ele a tomar ao colo, como a uma criança. Depois, aconchegada contra ele, de orelhas caídas, fechava os olhos, enquanto o homem, incansável, alisava a seda acinzentada do seu pelo com um gesto inconsciente, repousado pela maciez tépida e palpitante do animal.

— Sabem? — disse Etienne uma noite — recebi uma carta de Pluchart.

     Apenas Rasseneur estava presente. O último freguês partira para o conjunto habitacional que se preparava para dormir. 

— Sim? — exclamou o taberneiro, em pé diante dos seus dois hóspedes. — E que diz?

     Havia dois meses que Etienne mantinha correspondência assídua com o mecânico de Lille, ao qual tivera a ideia de comunicar que trabalhava em Montsou, e agora o catequizava, impressionado pela propaganda que ele poderia fazer entre os mineiros.

— Diz que a sociedade da qual já falamos vai indo muito bem. Parece que as adesões estão chovendo de toda parte. 
— E tu, que achas dessa sociedade? — perguntou Rasseneur a Suvarin.

      Este, que coçava ternamente a cabeça de Polônia, exalou uma baforada de fumaça e murmurou com seu jeito tranquilo: 

— Mais uma bobagem.

     Etienne, no entanto, estava muito animado. Uma predisposição para a revolta o impelia à luta do trabalho contra o capital, numa primeira ilusão, que era produto da ignorância. Tratava-se da Associação Internacional dos Trabalhadores, da famosa Internacional que acabava de ser criada em Londres. Não havia nisso um esforço maravilhoso, uma campanha onde a justiça ia enfim triunfar? O fim das fronteiras, os trabalhadores do mundo inteiro levantando-se, unindo-se para assegurar ao operário o pão que ganha. E que organização simples e grandiosa! Embaixo a seção que representa a comuna, em seguida a federação que agrupa as seções de uma mesma província, depois a nação e por fim, no topo, a humanidade encarnada num conselho geral onde cada nação está representada por um secretário correspondente. Antes de seis meses a terra seria conquistada e ditar-se-iam as leis aos patrões se eles se fizessem de espertos. 

— Bobagens! — repetiu Suvarin. — Esse Karl Marx de vocês ainda acredita que se deve deixar agir as forças naturais. Nada de política, nada de conspiração, não é isso? Tudo feito abertamente, luta só pela subida dos salários... Não quero ter nada que ver com essa evolução de vocês. Incendeiem as cidades, ceifem os povos, arrasem tudo, e, quando não sobrar mais nada deste mundo podre, talvez nasça outro melhor dos escombros.

     Etienne pôs-se a rir. Nem sempre prestava atenção às palavras do companheiro; essa história de destruição parecia-lhe uma atitude para impressionar. Rasseneur, mais prático, com um bom senso de homem de negócios, nem sequer se zangou. Quis apenas saber em que pé andavam as coisas. 

— Então vais tentar criar uma seção em Montsou?

     Era esse o desejo de Pluchart, que estava de secretário da Federação do Norte. Insistia ele particularmente sobre os serviços que a associação prestaria aos mineiros, se um dia entrassem em greve Etienne, por seu lado, acreditava numa greve iminente: a questão dos revestimentos ia acabar mal; mais uma exigência da companhia e todas as galerias se revoltariam. 

— O problema é a cotização — declarou Rasseneur em tom judicioso. — Cinquenta cêntimos por ano para o fundo comum e dois francos para a seção parece que não são nada, mas aposto que muitos se recusarão a dá-los. 
— Tanto mais — acrescentou Etienne — que se devia criar aqui uma caixa de previdência, que seria transformada em caixa de resistência no momento oportuno. Chegou o momento de pensar nessas coisas. Por mim, estou pronto para acompanhar os outros.

      Houve um silêncio. O candeeiro a querosene fumegava sobre o balcão. Pela porta aberta ouvia-se distintamente a pá de um foguista da Voreux abastecendo uma fornalha da máquina. 

— Está tudo tão caro! — disse a mulher de Rasseneur, que acabava de entrar e escutava com ar sombrio, parecendo mais alta dentro do seu eterno vestido preto. — Vocês não acreditariam se eu dissesse que paguei vinte e dois soldos pelos ovos. A coisa não pode continuar assim, tem de explodir.

     Desta vez os três homens estiveram de acordo. Cada um disse o que pensava com uma voz desolada e daí pularam para as lamentações. O operário não podia aguentar mais; a revolução só servira para agravar-lhe as misérias; a partir de 89 os burgueses é que se enchiam, e tão vorazmente que nem deixavam um resto no fundo do prato para o trabalhador lamber. Quem poderia demonstrar que os trabalhadores tinham tido um quinhão razoável no extraordinário aumento da riqueza e bem-estar dos últimos cem anos? Zombaram deles ao declará-los livres. Livres para morrerem de fome, isso sim, e do que, aliás, não se privavam. Não dava pão a ninguém votar em malandros que, eleitos, só queriam locupletar-se, pensando tanto nos miseráveis como nas suas botas velhas. Era preciso terminar com isso, de uma maneira ou de outra: ou por bem, por meio de leis, num acordo amigável, ou por mal, como selvagens, queimando tudo e devorando-se uns aos outros. Se isso não fosse feito agora, pela atual geração, seus filhos com certeza o fariam, já que o século não podia terminar sem outra revolução, desta vez a dos operários, uma revolução devastadora que varreria a sociedade de alto a baixo para reconstruí-la mais decente e justa. 

— E preciso haver uma explosão — repetiu energicamente a Sra Rasseneur. 
— Sim, sim — exclamaram os três —, é preciso haver uma explosão.

      Suvarin, afagando as orelhas de Polônia, que estremecia o focinho de prazer, disse a meia voz, olhar vago, como para si mesmo: 

— Aumentar o salário, como? Ele está fixado pela lei de bronze na menor soma indispensável, exatamente no necessário para os operários poderem comer pão seco e fabricar filhos... Se cai muito baixo, os operários morrem e a procura de novos homens faz que ele suba. Se sobe muito alto, o excesso de oferta faz que baixe. É o equilíbrio das barrigas vazias, a condenação perpétua à escravidão da fome.

     Quando o russo começava a discorrer dessa maneira, abordando assuntos de socialista instruído, Etienne e Rasseneur ficavam inquietos, perturbados pelas suas afirmações desoladoras, às quais não sabiam o que responder. 

— Entendem? — continuou ele com sua calma habitual, encarando os. — E preciso destruir tudo para que a fome não renasça. Sim! A anarquia, o nada, a terra banhada em sangue, purificada pelo incêndio! Em seguida veremos o que se pode fazer. 
— O senhor tem razão — declarou a mulher de Rasseneur, que mesmo nas suas violências revolucionárias se mostrava de uma grande polidez.

     Etienne, desesperado com a sua ignorância, não quis continuar a discussão. Levantou-se, dizendo: 

— Vamos dormir. Tudo isso não impede que eu tenha de me levantar às três horas.

     Suvarin cuspiu a ponta de cigarro colada aos lábios, tomou delicadamente a coelha grávida por baixo da barriga, colocando-a no chão, e Rasseneur fechou a casa. Separaram-se em silêncio, com os ouvidos zumbindo e a cabeça cheia de questões graves e excitantes.
     Todas as noites era a mesma coisa, as mesmas conversas na sala vazia, em volta do copo de cerveja que Etienne levava uma hora para esvaziar. Certas ideias obscuras, ainda informes, agitavam-se e tomavam corpo dentro dele. Devorado sobretudo pela ânsia de saber, hesitara por muito tempo em pedir livros emprestados ao seu vizinho, que, infelizmente, quase só possuía obras alemãs e russas. Finalmente conseguira emprestado um livro francês sobre sociedades cooperativas, que, segundo Suvarin, eram outras besteiras, e lia regularmente um jornal que este recebia, Lê Combat, folha anarquista publicada em Genebra. De resto, apesar de suas relações cotidianas, continuava a achá-lo reservado e inacessível, com ar de quem está de passagem pela vida, sem interesse, sentimentos ou bens de qualquer gênero.
     Nos primeiros dias de julho a situação de Etienne começou a melhorar. No meio dessa vida monótona, sempre a mesma, da mina, sobreveio um acidente: as seções do veio Guillaume acabavam de descobrir uma interferência na jazida, uma mudança de matéria na camada hulhífera que certamente prenunciava a aproximação de uma falha. E, com efeito, em breve encontraram essa falha, que os engenheiros, apesar do seu grande conhecimento do terreno, ainda ignoravam. O fato agitou a mina, só se falava do filão desaparecido, que, sem dúvida, continuava do outro lado da falha. Os velhos mineiros já andavam farejando, como bons cães lançados à caça da hulha. Mas, enquanto esperavam, as seções afetadas não podiam permanecer de braços cruzados e a companhia lançou editais anunciando que ia leiloar novas empreitadas.
      Um dia, à saída, Maheu acompanhou Etienne e propôs-lhe o lugar de britador na sua empreitada, em substituição de Levaque, que passara a outra seção. O negócio já fora combinado com o capataz e o engenheiro, que se mostravam muito satisfeitos com o rapaz. Etienne aceitou essa rápida subida de posto, contente com a crescente estima que lhe dedicava Maheu.
      Naquela noite voltaram juntos à mina para tomarem conhecimento dos editais. As seções leiloadas encontravam-se no veio Filonière, na galeria norte da Voreux. Pareciam pouco vantajosas; à medida que o rapaz lia as condições, o mineiro balançava a cabeça.
     Na manhã seguinte, com efeito, quando desceram e foram inspecionar o veio, fez-lhe notar a grande distância da expedição, a natureza movediça do terreno, a pouca espessura e a dureza do carvão. Mas tinham de trabalhar, se queriam comer... Assim, no domingo seguinte, foram ao leilão que tinha lugar no vestiário e ao qual o engenheiro da mina, assistido pelo capataz, presidia, na ausência do engenheiro de divisão. Quinhentos a seiscentos mineiros ali estavam, em frente ao pequeno estrado armado a um canto. E as adjudicações eram feitas tão depressa que se ouvia apenas um surdo tumulto de vozes, de números gritados e logo abafados por outros números.
      Por um momento, Maheu temeu não poder obter uma das quarenta empreitadas oferecidas pela companhia. Todos os concorrentes baixavam os preços, inquietos com os boatos de crise, presas do pânico do desemprego. O engenheiro Négrel não se apressava diante dessa luta encarniçada, deixando descer os lances o mais baixo possível, enquanto Dansaert, desejoso de apressar ainda mais as coisas, mentia sobre a excelência das condições. Para que Maheu obtivesse seus cinquenta metros de avanço, teve que lutar contra um camarada tão obstinado como ele. Cada um por sua vez foi diminuindo um cêntimo por vagonete e, se saiu vencedor, foi por ter baixado a tal ponto o salário que o contramestre Richomme, por trás dele, zangou-se entre dentes, cutucou-o diversas vezes, grunhindo que a esse preço não teria lucro algum.
     Ao saírem, Etienne praguejava, e explodiu diante de Chaval, que voltava dos trigais em companhia de Catherine, flanando enquanto o sogro tratava dos negócios sérios. 

— Raios os partam! — gritou ele. — Isso é um crime! O que eles querem é que o operário seja o algoz do seu próprio companheiro!

     Chaval exaltou-se; se fosse ele, não teria baixado nunca! E Zacharie, que viera por curiosidade, declarou-se enojado. Etienne, porém, com um gesto de surda violência, fê-los calar. 

— Isso vai terminar. Um dia nós seremos os donos.

     Maheu, que permanecera silencioso desde o fim do leilão, pareceu despertar. Repetiu: 

— Donos disto... Ah! vida desgraçada! Não vejo como.

continua na página 127...
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Terceira Parte - (I.b) Todas as noites
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O pai de Zola tinha 44 anos quando conheceu Émilie-Aurélie Aubert, numa de suas viagens a Paris. Apesar da grande diferença de idade — a moça não chegara aos vinte anos —, acabaram casando — se. O resultado dessa união foi Émile Zola, nascido em 12 de abril de 1840, durante uma estada do casal em Paris. O menino mal conheceu o pai: em 1847, François faleceu. 
As coisas ficaram difíceis. Sozinha e com grandes esforços, a mãe procurou equilibrar o orçamento doméstico e fazer que o filho estudasse. De certa forma, ela teve sucesso: Zola foi aluno do Colégio Notre-Dame e do Colégio de Aix. Quando o rapaz atingiu a maioridade, partiu com Émilie para Paris e, graças a um amigo da família, conseguiu um emprego na Alfândega.
Em dezembro de 1859, concluía sua primeira obra em prosa, Les Grisettes de Provence (As Costureirinhas de Provença). Continuava, porém, desconhecido e insatisfeito. Ele mesmo costumava dizer: "Ser sempre desconhecido é chegar a duvidar de si; nada engrandece os pensamentos de um autor como o sucesso".
Assim, no início de 1866, deixou o emprego para dedicar-se à literatura. 
Abandonou o romantismo de seus anos de adolescência e passou a admirar outros autores: Balzac (1799-1850), Stendhal (1783-1842), Flaubert (1821-1880). Essa guinada para o realismo devia-se principalmente às suas últimas leituras: das teorias evolucionistas de Darwin (1809-1882) até o Tratado da Hereditariedade Natural do Dr. Lucas, passando pela Filosofia da Arte de Taine (1328-1893). No entanto, o que parece tê-lo feito decidir-se pelo realismo foi a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-1878). Essa obra foi importante para o rumo que Zola imprimiria a toda a sua obra: o rigor científico no romance, cujo objetivo, diria ele, é o mesmo das experiências de laboratório, isto é, o conhecimento da realidade. O que Claude Bernard havia feito com o corpo humano Zola faria com as paixões e os meios sociais.
Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar um vagonete por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles têm de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve de operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas. A obra obteve enorme repercussão.
Em 29 de setembro de 1901, em Paris, Émile Zola morre asfixiado pelo gás do aquecedor.

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