quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Mário, Livro Segundo - O velho burguês / VII - Regra: Não receber ninguém senão à noite

Victor Hugo - Os Miseráveis

Terceira Parte - Mário

Livro Segundo — O velho burguês

VII - Regra: Não receber ninguém senão à noite
     
      Eis o retrato do senhor Lucas Espírito Gillenormand, a quem não havia caído o cabelo, que tinha mais de grisalho do que de branco, e que ele trazia sempre penteado em forma de orelhas de cão. Mas, em suma, e apesar de tudo, venerável.
     Gillenormand possuía do século dezoito a frivolidade, mas também a grandeza.
     Em 1814, e nos primeiros anos da restauração, Gillenormand, então ainda moço, pois tinha apenas setenta e quatro anos, morava no arrabalde de S. Germano, na rua Servandoni, ao pé da igreja de S. Sulpício. Para o Marais retirara-se depois que deixara o mundo, isto é, muito depois dos oitenta anos completos. Abandonado o mundo, emparedara-se nos seus hábitos e ninguém o tirava deles. O principal, aquele em que era invariável, consistia em ter a porta hermeticamente fechada de dia e não falar a ninguém, fosse quem fosse, e para qualquer negócio que fosse, senão de tarde. Jantava às cinco horas e dessa hora por diante a sua porta estava aberta. Era a moda do seu século e não queria alterá-la. O dia, dizia ele, é um biltre, que não merece senão com a porta na cara. As pessoas de bem costumam acender o espírito, quando a noite acende as estrelas. E o velho entrincheirava-se para toda a gente, para o próprio rei em pessoa, se lá fosse.
     Era a antiga elegância do seu tempo.

continua na página 455...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Mário, Livro Segundo - VII - Regra: Não receber ninguém senão à noite
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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