Alexander Pushkin
Capítulo 2
A velha Condessa olhava seu rosto em frente ao espelho. Aquele retângulo de vidro polido havia testemunhado o passar do tempo e as transformações em sua face. Sabia que, mesmo que se maquiasse e usasse diversos produtos de beleza, a pele não voltaria a ser firme e lisa, mas o simples fato de tratar de seu corpo a fazia se sentir bem. Três empregadas a auxiliavam na tarefa, alcançando o ruge, os prendedores de cabelo e um belo chapéu que a avó de Tomsky usaria naquela manhã.
Quando a Condessa e as empregadas deixaram o quarto, Lizaveta ficou
sozinha, entretida com seu bordado, sentada em frente à janela para aproveitar a luminosidade de prata do dia parcialmente nublado. A janela no andar de cima
do sobrado tinha uma bela vista dos telhados de São Petersburgo. Em uma pausa
para descansar os olhos da tela, a garota desviou seu olhar para a rua. Seu estômago ardeu. Lá embaixo havia um belo rapaz, do outro lado da rua, perto da esqui
na. Ele tinha o rosto voltado para cima e olhava para a janela de Lizaveta. A surpresa de estar sendo observada fez que as bochechas da garota ficassem vermelhas.
Um pouco perturbada, Lizaveta voltou a colocar os olhos no tecido, sem ousar
levantá-los dali. Embora tivesse curiosidade, faltava-lhe coragem para levantar o
rosto de novo e espiar pela janela. Era tímida.
Minutos depois, a Condessa voltava ao quarto:
— Estou pronta, Lizanka [1]. Pode chamar a carruagem.
Lizaveta saiu da janela, mas parecia aérea. Os olhos estavam distantes.
— Qual o problema com você, minha criança? Eu pedi que chamasse a
carruagem!
Em um susto, Lizaveta viu seu estado de concentração desfeito e saiu do
quarto, indo avisar o cocheiro. Quando voltou, a Condessa pediu que a garota
vestisse algo mais adequado. Lizaveta tinha vontade de jogar tudo para o alto e se
aproximar da janela, para ver se o homem ainda estava lá. Se ainda a olhava. Escolheu um vestido bonito. Quando saiu de seu quarto, sentia-se radiante. Pensava
que iria sair de casa e que passaria na frente do desconhecido que lhe interessava
cada vez mais.
A Condessa pôs os olhos no vestido da menina e notou que ela estava mais
bonita do que o habitual:
— Onde você vai com esse vestido? Foi por causa dele que você me fez
esperar? Saiba que o tempo está muito ruim hoje para esse tipo de vestido. Está
ventando muito.
Vestindo chapéu e luvas, Lizaveta se sentia muito bonita para ficar aborrecida com as observações da Condessa.
— Perdão, Condessa, mas o tempo está ótimo hoje — disse o valete [2] recém-entrado na sala.
— Meu caro, você nunca pensa antes de falar, não é mesmo! Abra a janela.
Viu só? Está ventando, temos muitas nuvens e até mesmo um pouco de frio. Pode
recolher os cavalos. Nós não vamos a parte alguma hoje.
— Sim, senhora — disse o valete meio desapontado.
Voltando seu olhar para Lizaveta, a Condessa proferiu:
— Pode mudar de roupa, Lizaveta. Nós não vamos mais sair.
— Ai, que vida a minha! — pensou a garota, enquanto se despia no quarto.
Realmente Lizaveta Ivanovna não era a criatura mais sortuda da Terra. Era
difícil assessorar a Condessa. Ela não era uma pessoa má, mas havia acumulado
tantas manias, tantos caprichos e tantas regras de conduta durante sua vida,
que, muitas vezes, para conviver com ela era preciso uma paciência cavalar. O
assunto beleza incomodava a anciã. Intitulada Vênus moscovita, ela havia sido
extremamente linda na juventude e na idade madura, mas na velhice seu esplendor
havia ido embora. Não suportava ver a jovem Lizaveta bem arrumada dentro de sua
casa ou passeando ao seu lado. A garota certamente iria chamar mais atenção do
que a própria Condessa, e isso era inconcebível. Por isso cancelara o passeio.
Lizaveta era a mártir da casa. Cada vez que a Condessa tinha alguma reclamação de ordem pessoal ou algum tipo de angústia emocional, era a jovem que
sofria. Se a Condessa ordenava um chá, Lizaveta o preparava e o servia, mas o chá
ou tinha muito açúcar ou quase não tinha açúcar ou não estava bem quente ou
estava muito quente. Se a Condessa ordenasse que ela lesse um livro, a história era
ruim, os personagens fracos e a voz de Lizaveta muito baixa. Quando iam passear,
o tempo estava frio, ou o calçamento irregular.
Pelo combinado, Lizaveta deveria receber um salário por suas tarefas, mas
nem sempre a velha Condessa se lembrava de pagá-la. Uma única vez Lizaveta
teve coragem para reclamar e ouviu um grande sermão sobre normas de conduta e honestidade e acabou ficando sem receber, pois a Condessa disse que ela já
havia recebido pelos serviços daquele mês.
Nos bailes a Condessa era uma espécie de decoração viva da sociedade
moscovita. No início do evento, todos iam cumprimentá-la com grande reverência, mas depois ninguém mais reparava em sua presença. Ela era apenas uma
formalidade. Lizaveta a acompanhava por obrigação. Todos sabiam que ela era
empregada da Condessa e, por isso, não interagiam com ela. As mulheres se aproximavam dela apenas no toalete, caso precisassem de ajuda com seus vestidos.
Mesmo sendo muitas vezes mais bonita do que as outras garotas do baile, Lizaveta
não tinha permissão social para tirar os homens para dançar. Eles, por sua vez, somente a tiravam quando seus pares ainda não haviam chegado e, mesmo assim,
para uma dança apenas, pois temiam ser mal-afamados, caso demonstrassem
interesse por uma garota de uma classe social inferior.
Dançar uma música era algo socialmente aceito como normal. Dançar dois
ou mais temas já transferia ao par certa intimidade, um começo de compromisso
que poderia virar namoro. Lizanka gostava muito do começo dos bailes, quando
muitos rapazes ainda estavam sem seus pares e vinham dançar com ela. Porém,
quando a festa já estava completa, ela ficava de canto, sozinha, vendo os jovens
casais sorrindo e bailando, e ela ouvindo as queixas da Condessa.
continua na pág 09...
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Leia também:
Pushkin - A dama de espadas: Cap. 02
Pushkin - A dama de espadas: Cap. 03
________________________[1] LIZANKA: diminutivo de Lizaveta (Elizabete)
[2] VALETE: criado, empregado
[2] VALETE: criado, empregado
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