Mulheres
Eduardo Galeano
028.
O MÚSCULO SECRETO
Nos últimos anos, a Avó estava se dando muito mal com o próprio corpo.
Seu corpo, corpo de aranhinha cansada, negava-se a segui-la.
– Ainda bem que a mente viaja sem passagem – dizia.
Eu estava longe, no exílio. Em Montevidéu, a Avó sentiu que tinha chegado
a hora de morrer. Antes de morrer, quis visitar a minha casa com corpo e tudo.
Chegou de avião, acompanhada pela minha tia Emma. Viajou entre as
nuvens, entre as ondas, convencida de que estava indo de barco; e quando o avião
atravessou uma tempestade, achou que estava numa carruagem, aos pulos, sobre
a estrada de pedras.
Ficou em casa um mês. Comia mingaus de bebê e roubava caramelos. No
meio da noite despertava e queria jogar xadrez ou brigava com meu avô, que
tinha morrido há quarenta anos. Às vezes tentava alguma fuga até a praia, mas
suas pernas se enroscavam antes que ela chegasse na escada.
No final, disse:
– Agora, já posso morrer.
Disse que não ia morrer na Espanha. Queria evitar que eu tivesse a
trabalheira burocrática, o transporte do corpo, aquilo tudo: disse que sabia muito
bem que eu odiava a burocracia.
E regressou a Montevidéu. Visitou a família toda, casa por casa, parente por
parente, para que todos vissem que tinha regressado muito bem e que a viagem
não tinha culpa. E então, uma semana depois de ter chegado, deitou-se e morreu.
Os filhos jogaram as suas cinzas debaixo da árvore que ela tinha escolhido.
Às vezes, a Avó vem me ver nos sonhos. Eu caminho na beira de um rio e
ela é um peixe que me acompanha deslizando suave, suave, pelas águas.
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Galeano, Eduardo, 3 set 1940 - 13 abr 2015
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série._________________
Leia também:
Sarau... Mulheres: Amares
Sarau... Mulheres: O músculo secreto
pag 039...
Charlotte
1909. Nueva York
¿Qué ocurriría si una mujer despertara una mañana convertida en hombre? ¿Y
si la familia no fuera el campo de entrenamiento donde el niño aprende a mandar y
la niña a obedecer? ¿Y si hubiera guarderías infantiles? ¿Y si el marido compartiera
la limpieza y la cocina? ¿Y si la inocencia se hiciera dignidad? ¿Y si la razón y la
emoción anduvieran del brazo? ¿Y si los predicadores y los diarios dijeran la
verdad? ¿Y si nadie fuera propiedad de nadie?
Charlotte Gilman delira. La prensa norteamericana la ataca llamándola madre
desnaturalizada; y más ferozmente la atacan los fantasmas que le habitan el alma y
la muerden por dentro. Son ellos, los temibles enemigos que Charlotte contiene,
quienes a veces consiguen derribarla. Pero ella cae y se levanta y cae y nuevamente
se levanta y vuelve a lanzarse al camino. Esta tenaz caminadora viaja sin descanso
por los Estados Unidos y por escrito y por hablado va anunciando un mundo al
revés.
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