terça-feira, 4 de março de 2025

Sarau... Mulheres: O músculo secreto (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


028.


O MÚSCULO SECRETO


     Nos últimos anos, a Avó estava se dando muito mal com o próprio corpo. Seu corpo, corpo de aranhinha cansada, negava-se a segui-la.

Ainda bem que a mente viaja sem passagem – dizia.

      Eu estava longe, no exílio. Em Montevidéu, a Avó sentiu que tinha chegado a hora de morrer. Antes de morrer, quis visitar a minha casa com corpo e tudo.
      Chegou de avião, acompanhada pela minha tia Emma. Viajou entre as nuvens, entre as ondas, convencida de que estava indo de barco; e quando o avião atravessou uma tempestade, achou que estava numa carruagem, aos pulos, sobre a estrada de pedras.
      Ficou em casa um mês. Comia mingaus de bebê e roubava caramelos. No meio da noite despertava e queria jogar xadrez ou brigava com meu avô, que tinha morrido há quarenta anos. Às vezes tentava alguma fuga até a praia, mas suas pernas se enroscavam antes que ela chegasse na escada.
     No final, disse:

Agora, já posso morrer.

     Disse que não ia morrer na Espanha. Queria evitar que eu tivesse a trabalheira burocrática, o transporte do corpo, aquilo tudo: disse que sabia muito bem que eu odiava a burocracia.
      E regressou a Montevidéu. Visitou a família toda, casa por casa, parente por parente, para que todos vissem que tinha regressado muito bem e que a viagem não tinha culpa. E então, uma semana depois de ter chegado, deitou-se e morreu.
     Os filhos jogaram as suas cinzas debaixo da árvore que ela tinha escolhido.
      Às vezes, a Avó vem me ver nos sonhos. Eu caminho na beira de um rio e ela é um peixe que me acompanha deslizando suave, suave, pelas águas.

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Galeano, Eduardo, 3 set 1940 - 13 abr 2015
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.
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Leia também: 

Sarau... Mulheres: Para inventar o mundo cada dia
Sarau... Mulheres: Amares
Sarau... Mulheres: O músculo secreto

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Charlotte


1909. Nueva York

     ¿Qué ocurriría si una mujer despertara una mañana convertida en hombre? ¿Y si la familia no fuera el campo de entrenamiento donde el niño aprende a mandar y la niña a obedecer? ¿Y si hubiera guarderías infantiles? ¿Y si el marido compartiera la limpieza y la cocina? ¿Y si la inocencia se hiciera dignidad? ¿Y si la razón y la emoción anduvieran del brazo? ¿Y si los predicadores y los diarios dijeran la verdad? ¿Y si nadie fuera propiedad de nadie?
     Charlotte Gilman delira. La prensa norteamericana la ataca llamándola madre desnaturalizada; y más ferozmente la atacan los fantasmas que le habitan el alma y la muerden por dentro. Son ellos, los temibles enemigos que Charlotte contiene, quienes a veces consiguen derribarla. Pero ella cae y se levanta y cae y nuevamente se levanta y vuelve a lanzarse al camino. Esta tenaz caminadora viaja sin descanso por los Estados Unidos y por escrito y por hablado va anunciando un mundo al revés.

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