sexta-feira, 21 de março de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Cosette, Livro Terceiro - Cumprimento da promessa feita à moribunda / XI - Reaparece o número 9.430 e como Cosette o ganha na loteria

Victor Hugo - Os Miseráveis


Segunda Parte - Cosette

Livro Terceiro — Cumprimento da promessa feita à moribunda 

XI - Reaparece o número 9.430 e como Cosette o ganha na loteria
     
     Jean Valjean não morrera.
     Ao cair ao mar, ou antes, ao atirar-se a ele, livre, como já dissemos, da cadeia de ferro que trazem os forçados e que lhe podia servir de embaraço, nadou por baixo de água até ao ancoradouro em que estava amarrada uma embarcação, dentro da qual achou meio de estar escondido.
     À noite deitou-se outra vez a nado e arribou à costa a pouca distância do cabo Brun, onde, como não era o dinheiro o que lhe faltava, pôde arranjar roupa. Era então uma tasca nos arredores de Balaguier o guarda-roupa dos forçados evadidos, especialidade lucra va. Após isto, Jean Valjean, como todos esses tristes fugitivos que procuram fazer perder o rasto à vigia da lei e à fatalidade social, seguiu um itinerário obscuro e ondulante. O primeiro asilo que encontrou foi em Pradeaux, nas imediações de Beausset. Em seguida dirigiu-se para Grand-Villard, junto a Briançon, nos Altos-Alpes. Fugida receosa e às apalpadelas, caminho de toupeira, cujas ramificações ninguém conhece. Conseguiu-se mais tarde achar alguns vestígios da sua passagem, por aí, no território de Civrieux, pelos Pirinéus em Accons, no sítio chamado a Granja de Doumecq, pelas imediações do lugarejo de Chavailles e pelos arredores de Perigueux, em Brunies, cantão da Capella Gonaguet, até que chegou a Paris.
     O seu primeiro cuidado, apenas chegara a Paris, fora comprar roupa de luto para uma pequena de sete a oito anos e depois arranjar um domicílio. Feito isto, dirigira-se a Montfermeil.
     Como hão de estar lembrados, Jean Valjean fizera, por ocasião da sua precedente evasão, uma viagem misteriosa a Montfermeil ou aos seus arredores, da qual a justiça tivera alguma luz.
     Todavia, como o julgavam morto, tornava-se mais espessa a obscuridade que sobre ele se formara. Em Paris chegou-lhe às mãos um dos jornais, que registavam o fato da sua morte e sentiu-se tranquilizado e quase em paz, como se realmente tivesse morrido.
     No fim do mesmo dia em que Jean Valjean arrancara Cosette das garras dos Thenardier, voltou para Paris. Ao cair da noite, transpunha a barreira de Monceaux, acompanhado pela criança, com a qual se meteu num cabriole que os conduziu à esplanada do Observatório. Chegado aí, Jean Valjean apeou-se, pagou ao cocheiro, pegou na mão de Cosette e dirigiram-se ambos, no meio da cerrada escuridão da noite, para o boulevard do Hospital pelas desertas ruas que ficam próximas à Ourcine e à Glacière.
     Estranho e cheio de sensações variadas fora para Cosette aquele dia; tinham comido atrás das sebes pão e queijo comprado em tabernas isoladas, tinham vastas vezes mudado de carruagem, tinham andado alguns bocados de caminho a pé; e conquanto ela se não queixasse, estava contudo fatigada, o que Jean Valjean conheceu, porque lhe puxava mais pela mão ao andar. Jean Valjean pegou então ela ao colo e Cosette, sem largar a boneca, pousou a cabeça no ombro dele e adormeceu.

continua na página 331...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Cosette, Livro Terceiro - XI - Reaparece o número 9.430 e como Cosette o ganha na loteria
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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