Alexander Pushkin
Capítulo 3
Hermann era filho de um alemão naturalizado russo. De seu pai, o jovem engenheiro do exército herdou uma pequena soma em dinheiro. Contudo, se negava a usar a herança e trabalhava duro para pagar suas contas e se manter. Esse estilo de vida não permitia luxos, mas Hermann não se importava muito com isso. Seu objetivo era juntar mais dinheiro para, então, com tranquilidade e estudo, decidir aonde investir. O rapaz era muito criativo e tinha uma imaginação muito forte e ativa. Algumas vezes pensou em investir a herança em um negócio ou outro, mas sua firmeza de propósito sempre prevalecia e ele continuava vivendo de modo espartano.
Tal autodisciplina formou em Hermann uma personalidade fria, calculista.
Por isso ele, um jogador nato, nunca jogava cartas, apenas observava. Por isso
ele não cometia os erros comuns da juventude. Não era dado a beberagens, não
se atirava em grandes paixões e continuava repetindo para si e para os outros seu
lema: “Não estou em condições de arriscar o necessário para ganhar o supérfluo”.
Toda essa determinação chegou ao limite quando o engenheiro ouviu a história da avó de Tomsky. O truque das três cartas causou uma grande impressão em
sua imaginação. No dia seguinte ao jogo, Hermann não conseguia pensar em outra
coisa: “Se... se a velha Condessa me revelasse esse segredo! Com toda a minha observação do estilo de jogo dos outros e com o fato de meus adversários não
saberem qual é o meu estilo e mais o triunfo de saber a tática da Condessa, eu
vou ficar rico! Não vou perder nunca. Não vou ter mais desculpas para não jogar.
Mas como posso fazer isso? Tenho de ser apresentado à velha. Ficar amigo dela.
Fazer favores. Vou me tornar seu amante! Nossa, mas ela tem 87 anos! Não importa! Só o que importa é o segredo das cartas. Vou falar com Tomsky hoje mesmo,
vou pedir para ele me apresentar sua avó. Eu invento qualquer desculpa, vai dar
tudo certo. Caminhando ao entardecer, Hermann foi se enuviando por pensamentos
grandiosos e mesquinhos e quando viu estava em uma das principais avenidas da
cidade. Mas a rua estava bloqueada por algumas carruagens de luxo, cavalos possantes, gente bonita entrando na casa de dois pisos. Oficiais da cavalaria, moças
elegantes, vestidos de seda e botas bem lustradas desciam das carruagens e entravam na casa, com sorrisos, cumprimentos e alegria.
— De quem é essa casa, amigo? — Hermann perguntou para o guarda da
esquina.
— É a residência da Condessa Ana Fedotovna.
O coração do engenheiro balançou. Novamente a estranha história das três
cartas se atravessava em sua vida. Caminhando a esmo, perdido em seus pensa
mentos, Hermann tinha parado em frente à casa da Condessa, avó de seu amigo
Tomsky. Foi o que bastou para que a imaginação do jovem galopasse de vez.
Passou boa parte da noite caminhando e tendo ideias. Bolou dezenas de planos
para se aproximar da Condessa. Quando chegou em casa, tentou dormir, mas o
cérebro estava muito ativo. Ficou sonhando acordado por mais três horas e, quando
o sono veio, no meio da madrugada, Hermann sonhou com cartas, maços de
dinheiro, mesas verdes e montes de moedas.
Quando acordou, percebeu, triste, que sua riqueza onírica tinha sumido.
Lavou-se, vestiu-se e, sem fazer o desjejum, rumou como um zumbi enfeitiçado
até a frente da casa da Condessa. Estava obcecado para conseguir o segredo
das cartas.
Ficou em frente à casa, do outro lado da rua, perdido em seus pensamentos. Sem reparar na beleza da manhã de prata. Apenas olhava para as janelas da
casa. Em uma delas havia uma cabeça feminina com um viçoso cabelo preto. O rosto estava curvado, provavelmente sobre um livro ou uma costura, pensou. De
repente, o rosto se ergueu e Hermann viu as feições jovens e o par de olhos
negros, e esse momento decidiu seu destino.
continua na pág 11...
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Leia também:
Pushkin - A dama de espadas: Cap. 03
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