terça-feira, 11 de março de 2025

Pushkin - A dama de espadas: Cap. 05

A DAMA DE ESPADAS

 Alexander Pushkin

Capítulo 5


      Três dias depois, uma garota de olhos claros, funcionária da chapelaria perto da casa da Condessa, entregou uma carta para Lizaveta. Em princípio a moça se assustou, pensou que era uma cobrança, mas logo reconheceu a letra de Hermann e sua ansiedade aumentou. 

— Você se enganou, querida. Esta carta não é pra mim — disse Lizaveta, tentando evitar o contato com o engenheiro. 
— É sim, o moço me indicou o endereço e me apontou você na rua. Ganhei um bom dinheiro para fazer a entrega. Por favor, tenha a bondade de lê-la.

      Lizaveta passou os olhos na carta e viu que Hermann queria se encontrar com ela.

— Não pode ser! — gritou. — Esta carta certamente não é pra mim — falou, chocada com a audácia de Hermann em solicitar um encontro sem nunca antes ter falado com ela.

      Irritada, rasgou a carta em pedacinhos.

— Se a carta não era para você, então pra que rasgá-la em pedacinhos, hein? — reclamou a garota. — Se a carta não era para você eu tinha de devolvê-la inteira, certo? 
— Olha aqui, querida — disse Lizaveta, tentando controlar a fúria —, diga para a pessoa que lhe deu essa carta que ela deve se envergonhar do que escreve! E, por favor, não me traga mais nada dele aqui. Passar bem!

     Mas Hermann não era homem de desistir facilmente. Todo dia Lizaveta recebia uma carta dele. Às vezes pelos correios, às vezes usando mensageiros e entregadores, Hermann sempre dava um jeito de driblar o bloqueio de Lizaveta. Suas cartas agora não eram mais cópias. Agora o pretendente escrevia de próprio punho, colocando toda sua paixão, criatividade e imaginação a serviço de seus interesses. Aos poucos Lizaveta desistiu de rasgar as cartas, desistiu de devolvê-las e ia se intoxicando lentamente com as palavras e com a atenção do oficial. Não demorou para que começasse a responder às mensagens, cada vez mais longas e afetuosas. Até jogar para ele, pela janela, a última delas, aqui reproduzida:

  Esta noite haverá um baile na Embaixada. A Condessa vai estar lá. Deveremos ficar no baile até as duas horas da manhã. Mas, se você seguir minhas instruções, poderemos nos encontrar hoje.
  Quando a Condessa sair, provavelmente os criados também irão embora e você poderá entrar sozinho aqui na casa, sem que ninguém o veja. Ah, talvez o caseiro, o velho suíço, fique na casa dos fundos, mas ele sempre dorme por volta das dez horas.
 Venha por volta das 11h30min, caminhe até a escadaria e vá para o andar de cima. Se por acaso você encontrar alguém na casa, pergunte pela Condessa. Vão dizer que ela foi ao baile e você se despede e vai embora. Mas fique tranquilo, muito provavelmente você não vai encontrar ninguém. Quando chegar à sala, vire à esquerda e caminhe até a porta do quarto da Condessa. No quarto existem duas portas. A da direita vai dar no escritório da Condessa, mas ela nunca entra lá. A da esquerda se comunica com um pequeno corredor que vai até o meu quarto.

     A carta era assim, direta como um manual de instruções. Não continha nem  uma saudação inicial nem uma despedida. Não tinha carinho nem afeto. Era um texto impessoal, pouco ou nada romântico. Uma carta confidencial com um objetivo claro: promover o encontro dos dois.
      Hermann tremeu como um tigre enquanto esperava chegar a hora marcada. Às dez da noite ele já estava parado, quase em frente à casa da Condessa. O tempo estava horrível. Ventava muito e caía uma chuva de granizo. Pedras enormes se espatifando nos paralelepípedos e nas calçadas. Hermann se abrigava sob uma marquise. Não havia ninguém nas ruas e os postes de luz pareciam temer alguma coisa com suas luzes a óleo vacilando na escuridão.
     Quando a tempestade de granizo virou neve, com grandes flocos, dois criados apareceram com a carruagem. Da penumbra, Hermann viu a Condessa  entrar no veículo, enrolada em um casaco de zibelina [1]. Depois viu Lizaveta. Seu vestido estava coberto por um manto que parecia ser bem quente e confortável. Em sua cabeça uma guirlanda de flores frescas. A porta da carruagem se fechou e o veículo avançou pela rua, abrindo dois trilhos na neve que começava a se acumular.
     O porteiro suíço fechou o portão e as luzes da casa se apagaram. Inquieto, Hermann caminhava para cima e para baixo na rua da Condessa. Depois de um tempo, sob a luz de uma lamparina, viu no seu relógio que eram onze e vinte. Passou dez minutos ali parado, sem tirar os olhos do relógio, acompanhando o rodar dos ponteiros, enquanto sua cabeça também parecia rodar.
     Às 11h30min em ponto, Hermann começou a se mover. Pulou o portão da frente e abriu a porta da sala. Pisando com leveza, atravessou o ambiente. Em uma cadeira ao canto, um criado dormia pesadamente. Hermann procurava pisar nos tapetes, para fazer menos barulho e com rapidez chegou até a escada.

Pushkin - A dama de espadas: Cap. 05
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[1] Zibelina: espécie asiática de marta, cuja pele era muito apreciada.

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