Alexander Pushkin
Capítulo 4
No dia seguinte àquela manhã em que tinha visto o misterioso oficial de engenharia do exército, aproximar-se da janela passou a ser uma tarefa mais arriscada para Lizaveta. A jovem punha-se a ler, costurar ou bordar, como de costume, mas, já na primeira vez em que foi erguer a cabeça para descansar o pescoço e distrair a vista, seu estômago ardeu.
No mesmo lugar estava parado o mesmo oficial, com a mesma farda. Seus
olhos olhando fixamente para a janela dela. Envergonhada, a moça voltava a baixar a cabeça e continuava seu trabalho. Tinha vontade de olhar de novo, mas tinha
também receio. Por um lado, não queria parecer muito saliente e, por outro,
tinha vergonha de se expor. Mas, após uns cinco minutos de tortura mental, decidiu dar uma olhadela rápida e seu coração gelou: lá estava o jovem oficial, fixo, na
mesma posição, com o rosto voltado para a sua janela.
Confusa, ela baixou rapidamente a cabeça e retomou seu trabalho por duas
horas a fio. Concentrada em sua atividade, conseguiu esquecer o rapaz, até que
o pescoço começou a reclamar da posição forçada e Lizaveta ergueu o rosto. Seu
corpo inteiro tremeu ao perceber que o homem continuava lá, sempre a observá-la.
De súbito ela se levantou, guardou seu material de costura e bordado e desceu para o almoço. Após a refeição, ela se aproximou com alguma ansiedade
da janela, mas o oficial não estava mais lá.
Dois dias depois, quando estava entrando na carruagem para um passeio
com a Condessa, viu o oficial. Ele passou por ela na calçada. Embora estivesse frio
e o homem tivesse o rosto parcialmente coberto por um cachecol de pele de
urso e pela boina militar, pôde ver seus olhos. Sentiu-se perfurada pelo olhar
dele, invadida por uma sensação nova e única para ela.
A partir desse episódio, não passou um dia sem que o misterioso jovem
aparecesse na calçada, no local de costume. Entre os dois ficou estabelecida
uma espécie de camaradagem mútua e silenciosa. Trabalhando em sua janela, para aproveitar a luz da manhã, a moça começou a pressentir a chegada do militar
misterioso e, quando erguia a cabeça, lá estava ele. Também o rapaz começava a
tomar gosto pelo ritual. Ela percebia com seu olhar nítido de donzela que também o oficial era afetado pela emoção de trocar olhares com ela. Lizaveta via que
as bochechas brancas do moço coravam um pouco, quando os dois se olhavam
rapidamente. Após uma semana trocando olhares moderados e especiais, Lizanka
começou a sorrir para o jovem.
Assim, os dias iam passando, a primavera ia deixando a mão do inverno e
pegando na mão do verão, e a moça triste ia se descobrindo alegre e apaixonada.
É claro que a Condessa reclamava do jeito aéreo da garota, mas ela não se importava mais com as broncas. Seu estado de espírito era tão leve que essas pequenas
coisas do dia-a-dia não a atrapalhavam. Apenas um pequeno deslize a deixou
preocupada:
— Bonjour, Mademoiselle Lise — disse o jovem oficial Paul Tomsky
entrando no quarto de sua avó — Bonjour, vovó! Passei aqui porque preciso lhe
perguntar uma coisa.
— Oi, meu neto querido! O que é que você quer me perguntar, Paul?
— Eu gostaria de lhe apresentar um amigo meu e pedir que você me deixe
convidá-lo para o baile de sexta-feira.
— Então leve seu amigo ao baile. Lá você o apresenta para mim.
— Está bem.
— Posso saber quem é o cavalheiro que você vai apresentar à Condessa?
— perguntou Lizaveta.
— É o Narumov. Você o conhece?
— Acho que não. Ele é militar?
— Sim.
— Por acaso ele é do corpo de Engenharia do Exército?
— Não, ele faz parte da Cavalaria. Mas por que o interesse? Você conhece
algum oficial engenheiro?
Lizaveta sorriu sem responder à pergunta e a Condessa interrompeu a conversa dos jovens com um pedido para seu neto:
— Paul, preciso que você me traga um bom livro. Um romance. Mas, por
favor, nada de me trazer essas porcarias escritas hoje em dia. Eu detesto esse
estilo dos novos escritores.
— Como assim, vovó?
— Não quero saber de livros onde o mocinho estrangula o pai ou a mãe.
Também tenho horror de ler histórias com gente afogada.
— Certo vovó, vou escolher com cuidado um romance para você. Agora já
vou indo. Até logo, vovó, até logo, Lizaveta Ivanovna.
Quando Paul saiu de casa, Lizaveta se sentiu mal. Porque havia entregue
parte de seu segredo para o neto da Condessa. Paul era frívolo em assuntos
amorosos, do tipo que gosta de comentar as relações dos outros e agora ele iria
tentar descobrir quem era o oficial engenheiro por quem Lizaveta estava interessada.
A moça se culpava por ter perguntado quem era o amigo de Paul, mas a
curiosidade foi muito grande. Ela tinha esperanças de que esse amigo fosse o
“seu” engenheiro e que ela pudesse falar com ele no baile.
No dia seguinte, desanimada com o temperamento da Condessa, que havia cancelado outro passeio, Lizaveta tirou o chapéu e o manto e ficou sentada na
cama com um ar de angústia. Mas logo se animou, quando a Condessa apareceu
de súbito e ordenou que a carruagem fosse preparada, como se nada tivesse
acontecido antes.
Quando o veículo estava em frente à casa e as duas se preparavam para
entrar nele, viu o engenheiro parado ao lado da roda traseira do veículo. Ela e seu
coração pararam por um momento. Ele se aproximou, pegou seu braço e a olhou
com firmeza. Algo derreteu dentro da moça, seus joelhos tremeram, como se
tivessem sido desparafusados. Sentiu que o jovem era bonito e que havia coloca
do um papel, um pequeno envelope em suas mãos. Ela escondeu a carta dentro
da luva e entrou na carruagem. Aqueles quatro segundos tinham sido os mais
intensos de sua vida.
No caminho, para interferir na alegria que a jovem estampava no rosto, a
Condessa não parava de importuná-la:
— O que está escrito naquela placa?
— Quem é aquele senhor que acenou para nós? — Qual o nome desta ponte?
Quase hipnotizada, Lizaveta respondia com monossílabos, de modo
vago, com respostas absurdas:
— Será que Paul vai se casar com aquela moça do baile? — perguntava a
Condessa.
— Acho que chove amanhã — Lizaveta respondia, imersa em seus devaneios.
— Mas será possível isso? — reclamava a Condessa. — Você enlouqueceu? Você está bem, querida? Você consegue me escutar? Entende o que eu
digo? Ou será que fui eu que enlouqueci?
Mas Lizaveta Ivanovna não a escutava mais. Só pensava em qual seria o
conteúdo da carta. Só queria chegar em casa, trancar-se em seu pequeno quarto
e ler a carta. Cheirá-la até. Queria saber quais eram as intenções do jovem que
tanto a observava.
Finalmente em seu quarto, depois de um interminável passeio, Lizaveta
puxou a carta de dentro da luva, com rapidez. Sentou-se na cama e começou a
ler. Era uma declaração de amor. Carinhosa, respeitosa e traduzida, palavra por
palavra, de um romance alemão. Mas Lizaveta não conhecia nada da língua alemã
e ficou deliciada com a carta. Após a leitura ela havia mudado. Tinha entrado
oficialmente em uma relação secreta e privada com um jovem desconhecido.
Todavia, não gostava da firmeza dele. Não lhe parecia certo ficar todo aquele
tempo a observando como um cachorrinho, sem vir falar com ela. Por isso ela
estava confusa. Não sabia o que fazer. Não sabia se deveria se afastar da janela ou
fechá-la. Não sabia se responderia à carta ou se encerrava ali aquela inusitada aproximação. Se respondesse a carta, não saberia o que escrever. Isso a deixava
muito angustiada. Como seria bom ter uma grande amiga, de confiança, para poder contar tudo, para pedir conselhos. Mas não tinha, era sozinha.
Após refletir, decidiu responder à carta. Sentou-se na mesinha do quarto,
pegou o papel e, segurando a caneta, pôs o cérebro e o coração a serviço da
escrita. Começou várias cartas, todas foram rasgadas e os pedaços foram para o
lixo. Nas primeiras tentativas se achou muito convidativa, depois achou seu tom
muito frio, mas por fim conseguiu redigir algumas linhas com as quais se sentiu
satisfeita:
Estou convencida de que suas intenções são honráveis e de que você não
pretende me causar mal com um comportamento imprudente, mas nossa aproximação não deve começar dessa forma. Assim, retorno a você sua carta e espero
nunca ter motivo para me queixar desse desprezo desmerecido.
No dia seguinte, assim que Hermann apareceu, Lizaveta levantou-se de seu
local na janela, desceu as escadas, abriu a janela de ventilação do térreo e jogou
a carta na rua, esperando que o jovem oficial a recolhesse. Hermann pegou a carta
e caminhou até uma confeitaria, onde abriu o envelope. Reconheceu sua letra e
depois viu a letra da moça. Leu a carta, sorriu como se já esperasse tal reação,
guardou-a no bolso e seguiu seu caminho. Sua mente estava perdida nas possibilidades daquela intriga.
continua na pág 15...
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Leia também:
Pushkin - A dama de espadas: Cap. 04
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