Fernando Pessoa
- Repontaram, meu amigo, repontaram todos! Uns mais, outros menos, tudo protestou!... Não era isso!... Isso não podia ser!... Mas ninguém dizia o que era ou o que é que havia de ser. Argumentei e argumentei, e, em resposta aos meus argumentos, não obtive senão frases, lixo coisas como essas que os ministros respondem nas câmaras quando não têm resposta nenhuma... Então é que eu vi com que bestas e com que covardões estava metido! Desmascararam-se. Aquela corja tinha nascido para escravos. Queriam ser anarquistas à custa alheia. Queriam a liberdade, logo que fossem os outros que lha arranjassem, logo que lhe fosse dada como um rei dá um título! Quase todos eles são assim, os grandes lacaios!
- E V., escamou-se?
- Se me escamei! Enfureci-me! Pus-me aos coices. Dei por paus e por pedras. Quase
que me peguei com dois ou três deles. E acabei por me vir embora. Isolei-me. Veio-me
um nojo àquela carneirada toda, que V. não imagina! Quase que descri no
anarquismo. Quase que decidi não me importar mais com tudo aquilo. Mas, passados
uns dias, voltei a mim. Pensei que o ideal anarquista estava acima destas quizílas.
Eles não queriam só brincar aos libertários? Não estava eu para brincar num caso
desses. Eles não tinham força para combater senão encostados uns aos outros, e
criando, entre si, um simulacro novo da tirania que diziam querer combater? Pois que
o fizessem, os parvos, se não serviam para mais. Eu é que não ia ser burguês por tão
pouco.
"Estava estabelecido que, no verdadeiro anarquismo, cada um tem que, por sua
própria forças, criar liberdade e combater as ficções sociais. Pois por minha própria
forças eu ia criar liberdade e combater as ficções sociais. Ninguém queria seguir-me
no verdadeiro caminho anarquista? Seguiria eu por ele. Iria eu só, com os meus
recursos, com a minha fé, desacompanhado até do apoio mental dos que tinham sido
meus camaradas, contra as ficções sociais inteiras. Não digo que fosse um belo gesto,
nem um gesto heroico. Foi simplesmente um gesto natural. Se o caminho tinha que
ser seguido por cada um separadamente, eu não precisava de mais ninguém para o
seguir. Bastava o meu ideal. Foi baseado nestes princípios e nestas circunstâncias
que decidi, por mim só, combater as ficções sociais.''
Suspendeu um pouco o discurso, que se lhe tornara quente e fluido. Retomou-o de ali a pouco, com a voz já mais sossegada.
Suspendeu um pouco o discurso, que se lhe tornara quente e fluido. Retomou-o de ali a pouco, com a voz já mais sossegada.
- É um estado de guerra, pensei eu, entre mim e as ficções sociais. Muito bem. O que
posso eu fazer contra as ficções sociais? Trabalho sozinho, para não poder, de modo
nenhum, criar qualquer tirania. Como posso eu colaborar sozinho na preparação da
revolução social, na preparação da humanidade para a sociedade livre? Tenho que
escolher um de dois processos, dos dois processos que há; caso, é claro, não possa
servir-me de ambos. Os dois processos, são a ação indireta, isto é, a propaganda, e a
ação direta, de qualquer espécie.
"Pensei primeiro na ação indireta, isto é, na propaganda. Que propaganda poderia eu
fazer só por mim? À parte esta propaganda que sempre se vai fazendo em conversa,
com este ou aquele, ao acaso e servindo-nos de todas as oportunidades, o que eu
queria saber era se a ação indireta era um caminho por onde eu pudesse encaminhar
a minha atividade de anarquista energicamente, isto é, de modo a produzir resultados
sensíveis. Vi logo que não podia ser. Não sou orador e não sou escritor. Quero dizer,
sou capaz de falar em público, se for preciso, e sou capaz de escrever um artigo de
jornal; mas o que eu queria averiguar era se o meu feitio natural indicava que,
especializando-me na ação indireta, de qualquer das duas espécies ou em ambas, eu
poderia obter resultados mais positivos para a idéia anarquista que especializando os
meus esforços em qualquer outro sentido. Ora a ação é sempre mais proveitosa que a
propaganda, exceto para os indivíduos cujo feitio os indica essencialmente como
propagandistas - os grandes oradores, capazes de eletrizar multidões e arrastá-las
atrás de si, ou os grandes escritores, capazes de fascinar e convencer com os seus
livros. Não me parece que eu seja muito vaidoso, mas, se o sou, não me dá, pelo
menos, para me envaidecer daquelas qualidades que não tenho. E, como lhe disse,
nunca me deu para me julgar orador ou escritor. Por isso abandonei a idéia da ação
indireta como caminho a dar à minha atividade anarquista. Por exclusão de partes, era
forçado a escolher a ação direta, isto é, o esforço aplicado à prática da vida, à vida
real. Não era a inteligência, mas a ação. Muito bem. Assim seria.''
"Tinha eu pois que aplicar à vida prática o processo fundamental de ação anarquista
que eu já tinha esclarecido - combater as ficções sociais sem criar tirania nova,
criando já, caso fosse possível, qualquer coisa da liberdade futura. Ora como diabo se
faz isso na prática?''
"Ora o que é combater na prática? Combater na prática é a guerra, é uma guerra,
pelo menos. Como é que se faz guerra às ficções sociais? Antes de mais nada, como
é que se faz guerra? Como é que se vence o inimigo em qualquer guerra? De uma de
duas maneiras: ou matando-o isto é, destruindo-o; ou aprisionando-o, isto é,
subjugando-o, reduzindo-o à inatividade. Destruir as ficções sociais não podia eu
fazer; destruir as ficções sociais só o podia fazer a revolução social. Até ali, as ficções
sociais podiam estar abaladas, cambaleando, por um fio; mas destruídas, só o
estariam com a vinda da sociedade livre e a queda positiva da sociedade burguesa. O
mais que eu poderia fazer nesse sentido era destruir - destruir no sentido físico de
matar - um ou outro membro da classes representativas da sociedade burguesa.
Estudei o caso, e vi que era asneira. Suponha V. que eu matava um ou dois, ou uma
dúzia de representante da tirania das ficções sociais... O resultado? As ficções sociais
ficariam abaladas? Não ficariam. As ficções sociais não são como um situação política
que pode depender de um pequeno número de homens, de um só homem por vezes.
O que há de mau nas ficções sociais são elas, no seu conjunto, e não os indivíduos
que as representam senão por serem representantes delas. Depois, um atentado de
ordem social produz sempre uma reação; não só tudo fica na mesma, mas, as mais
das vezes, piora. E, ainda por cima, suponha, como é natural, que, depois de um
atentado, eu era caçado; era caçado e liquidado, de uma maneira ou outra. E suponha
que eu tinha dado cabo de uma dúzia de capitalistas. Em que vinha isso tudo dar, e
resumo? Com a minha liquidação, ainda que não por morte, mas por simples prisão ou
degredo, a causa anarquista pedia um elemento de combate; e os doze capitalistas,
que eu teria estendido, não eram doze elementos que a sociedade burguesa tinha
perdido, porque os elementos componentes da sociedade burguesa não são
elementos de combate, mas elementos puramente passivos, pois o `combate' está,
não nos membros da sociedade burguesa, mas no conjunto de ficções sociais, em que
essa sociedade assenta. Ora as ficções sociais não são gente, em quem se possa dar
tiros... V. compreende bem? Não era como o soldado de um exercito que mata doze
soldados de um exército contrário; era como um soldado que mata doze civis da
nação do outro exército. É matar estupidamente, porque não se elimina combatente
nenhum... Eu não podia portanto pensar em destruir, nem no todo nem em nenhuma
parte, ficções sociais. Tinha então que subjugá-las, que vencê-las subjugando-as,
reduzindo-as à inatividade."
Apontou para mim o indicador direito súbito.
- Foi o que eu fiz!
Retirou logo o gesto, e continuou.
- Procurei ver qual era a primeira, a mais importante, das ficções sociais. Seria a essa
que me cumpria, mais que a nenhuma outra, tentar subjugar, tentar reduzir à
inatividade. A mais importante, da nossa época pelo menos, é o dinheiro. Como
subjugar o dinheiro, ou, em palavras mais precisas, a força, ou a tirania do dinheiro?
Tornando-me livre da sua influência, da sua força, superior portanto à influência,
reduzindo-o à inatividade pelo que me dizia respeito a mim. Pelo que me dizia respeito
a mim, compreende V.?, porque eu é que o combatia; se fosse reduzi-lo à inatividade
pelo que respeita a toda a gente, isso não seria já subjugá-lo, mas destruí-lo, porque
seria acabar de todo com a ficção do dinheiro. Ora eu já lhe provei que qualquer ficção
social só pode ser ``destruída'' pela revolução social, arrastada com as outras na
queda da sociedade burguesa.
"Como podia eu tornar-me superior à força do dinheiro? O processo mais simples era
afastar-me da esfera da sua influência, isto é, da civilização; ir para um campo comer
raízes e beber água das nascentes; andar nu e viver como animal. Mas isto, mesmo
que não houvesse dificuldade em fazê-lo, não era combater uma ficção social; não era
mesmo combater: era fugir. Realmente, quem se esquiva a travar um combate não é
derrotado nele. Mas moralmente é derrotado, porque não se bateu. O processo tinha
que ser outro - um processo de combate e não de fuga. Como subjugar o dinheiro,
combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu
encontro? O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidades bastante para
lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre
eu estaria dessa influência. Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha
convicção de anarquista, e toda a minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase
atual - a comercial e bancária, meu amigo - do meu anarquismo.''
Descansou um momento da violência, novamente crescente, do seu entusiasmo pela
sua exposição. Depois continuou, ainda com um certo calor, a sua narrativa.
- Ora V. lembrasse daquelas duas dificuldades lógicas que eu lhe disse que me
haviam surgido na princípio da minha carreira de anarquista consciente?... E V.
lembra-se de eu lhe dizer que naquela altura as resolvi artificialmente pelo sentimento
e não pela lógica? Isto é, V. mesmo notou e muito bem, que eu não as tinha resolvido
pela lógica...
- Lembro-me, sim...
- E V. lembra-se de eu lhe dizer que mais tarde, quando acertei por fim com o
verdadeiro processo anarquista, as resolvi então de vez, isto é, pela lógica?
- Sim.
- Ora veja como ficaram resolvidas... As dificuldades eram estas: não é natural
trabalhar por qualquer coisa, seja o que for, sem uma compensação natural, isto é,
egoísta; e não é natural dar o nosso esforço a qualquer fim sem ter a compensação de
saber que esse fim se atinge. As duas dificuldades eram estas; ora repare como ficam
resolvidas pelo processo de trabalho anarquista que o meu raciocínio me levou a
descobrir como sendo o único verdadeiro... O processo dá em resultado eu enriquecer;
portanto, compensação egoísta. O processo visa ao conseguimento da liberdade; ora
eu, tornando-me superior à força do dinheiro, isto é, libertando-me dela, consigo
liberdade. Consigo liberdade só para mim, é certo; mas é que como já lhe provei, a
liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais, pela revolução
social. O ponto concreto é este: viso liberdade, consigo liberdade: consigo a liberdade
que posso... E veja V.: à parte o raciocínio que determina este processo anarquista
como o único verdadeiro, o fato que ele resolve automaticamente as dificuldades
lógicas, que se podem opor a qualquer processo anarquista, mais prova que ele é o
verdadeiro.
"Pois foi este o processo que eu segui. Meti ombros à empresa de subjugar a ficção
dinheiro, enriquecendo. Consegui. Levou um certo tempo, porque a luta foi grande,
mas consegui. Escuso de lhe contar o que foi e o que tem sido a minha vida comercial
e bancária. Podia ser interessante, em certos pontos sobretudo, mas já não pertence
ao assunto. Trabalhei, lutei, ganhei dinheiro; trabalhei mais, lutei mais, ganhei mais
dinheiro; ganhei muito dinheiro por fim. Não olhei o processo - confesso-lhe, meu
amigo, que não olhei o processo; empreguei tudo quanto há - o açambarcamento, o
sofisma financeiro, a própria concorrência desleal. O quê?! Eu combatia as ficções
sociais, imorais e antinaturais por excelência, e havia de olhar a processos?! Eu
trabalhava pela liberdade, e havia de olhar as armas com que combatia a tirania?! O
anarquista estúpido, que atira bombas e dá tiros, bem sabe que mata, e bem sabe que
as suas doutrinas não incluem a pena de morte. Ataca uma imoralidade com um
crime, porque acha que essa imoralidade pede um crime para se destruir. Ele é
estúpido quanto ao processo, porque, como já lhe mostrei, esse processo é errado e
contraproducente como processo anarquista; agora quanto à moral do processo ele é
inteligente. Ora o meu processo estava certo, e eu servia-me legitimamente, como
anarquista, de todos os meios para enriquecer. Hoje realizei o meu limitado sonho de
anarquista prático e lúcido. Sou livre. Faço o que quero, dentro, é claro, do que é
possível fazer. O meu lema de anarquista era a liberdade; pois bem, tenho a
liberdade, a liberdade que, por enquanto, na nossa sociedade imperfeita, é possível
ter. Quis combater as forças sociais; combati-as, e, o que é mais, venci-as.''
- Alto lá! Alto lá! disse eu. Isso estará tudo muito bem, mas há uma cousa que V. não
viu. As condições do seu processo eram, como V. provou, não só criar liberdade, mas
também não criar tirania. Ora V. criou tirania V. como açambarcador, como banqueiro,
como financeiro sem escrúpulos - V. desculpe, mas V. é que disse -, V. criou tirania. V.
criou tanta tirania como qualquer outro representante das ficções sociais, que V. diz
que combate.
- Não, meu velho, V. engana-se. Eu não criei tirania. A tirania, que pode ter resultado
da minha ação de combate contra as ficções sociais, é uma tirania que não parte de
mim, que portanto eu não criei; está nas ficções sociais, eu não ajuntei a elas. Essa
tirania é a própria tirania das ficções sociais; e eu não podia, nem me propus, destruir
as ficções sociais. Pela centésima vez lhe repito: só a revolução social pode destruir
as ficções sociais; antes disso, a ação anarquista perfeita, como a minha, só pode
subjugar as ficções sociais, subjugá-las em relação só ao anarquista que põe esse
processo em prática, porque esse processo não permite uma mais larga sujeição
dessas ficções. Não é de não criar tirania que se trata: é de não criar tirania nova,
tirania onde não estava. Os anarquistas, trabalhando em conjunto, influenciando-se
uns aos outros como eu lhe disse, criam entre si, fora e à parte das ficções sociais,
uma tirania; essa é que é uma tirania nova. Essa, eu não a criei. Não a podia mesmo
criar, pelas próprias condições do meu processo. Não, meu amigo; eu só criei
liberdade. Libertei um. Libertei-me a mim. É que o meu processo, que é, como lhe
provei, o único verdadeiro processo anarquista, me não permitiu libertar mais. O que
pude libertar, libertei.
- Está bem... Concordo... Mas olhe que, por esse argumento, a gente quase que é
levado a crer que nenhum representante das ficções sociais exerce a tirania...
- E não exerce. A tirania é das ficções sociais e não dos homens que as encarnam;
esses são, por assim dizer, os meios de que as ficções se servem para tiranizar, como
a faca é o meio que se pode servir o assassino. E V. decerto não julga que abolindo as
facas abole os assassinos... Olhe... Destrua V. todos os capitalistas do mundo, mas
sem destruir o capital... No dia seguinte o capital, já nas mãos de outros, continuará,
por meio desses, a sua tirania. Destrua, não os capitalistas, mas o capital; quantos
capitalistas ficam?... Vê?...
- Sim; V. tem razão.
- Ó filho, o máximo, o máximo, o máximo que V. me pode acusar de fazer é de
aumentar um pouco - muito muito pouco - a tirania das ficções sociais. O argumento é
absurdo, porque como já lhe disse, a tirania que eu não devia criar, e não criei, é
outra. Mas tem mais um ponto fraco: é que, pelo mesmo raciocínio, V. pode acusar um
general, que trava combate pelo seu país, de causar ao seu país o prejuízo do número
de homens do seu próprio exercito que teve que sacrificar para vencer. Quem vai à
guerra, dá e leva. Consiga-se o principal; o resto...
- Está muito bem... Mas olhe lá outra coisa... O verdadeiro anarquista quer a liberdade
não só para si, mas também para os outros... Parece-me que quer a liberdade para a
humanidade inteira...
- Sem dúvida. Mas eu já lhe disse que, pelo processo que descobri que era o único
processo anarquista, cada um tem de libertar-se a si próprio. Eu libertei-me a mim; fiz
o meu dever simultaneamente pra comigo e para com a liberdade. Por que é que os
outros, os meus camaradas, não fizeram o mesmo? Eu não os impedi. Esse é que
teria sido o crime, se os tivesse impedido. Mas eu nem sequer os impedi ocultandolhes o verdadeiro processo anarquista; logo que descobri o processo, disse-o
claramente a todos. O próprio processo me impedia de fazer mais. Que mais podia
fazer? Compeli-los a seguir o caminho? Mesmo que o pudesse fazer, não o faria,
porque seria tirar-lhes a liberdade, e isso era contra os meus princípios anarquistas.
Auxiliá-los? Também não podia ser, pela mesma razão. Eu nunca ajudei, nem ajudo,
ninguém, porque isso, sendo diminuir a liberdade alheia, é também contra os meus
princípios. V. o que me está censurando é eu não ser mais gente que uma pessoa só.
Por que me censura o cumprimento do meu dever de libertar, até onde eu o podia
cumprir? Por que não os censura antes a eles por não terem cumprido o deles?
- Pois sim, homem. Mas esses homens não fizeram o que V. fez, naturalmente, porque
eram menos inteligentes que V., ou menos fortes de vontade, ou...
- Ah, meu amigo: essas são já as desigualdades naturais, e não sociais... Com essas
é que o anarquismo não tem nada. O grau de inteligência ou de vontade de um
indivíduo é com ele e com a Natureza; as próprias ficções sociais não põem praí nem
prego nem estopa. Há qualidade naturais, como eu já lhe disse, que se pode presumir
que sejam pervertidas pela longa permanência da humanidade entre ficções sociais;
mas a perversão não está no grau da qualidade, que é absolutamente dado pela
Natureza, mas na aplicação da qualidade. Ora uma questão de estupidez ou de falta
de vontade não tem que ver com a aplicação dessas qualidade, mas só com o grau
delas. Por isso lhe digo: essas são já absolutamente as desigualdades naturais, e
sobre essas ninguém tem poder nenhum, nem há modificação social que a modifique,
como não me pode tornar a mim alto ou a V. baixo...
"A não ser... A não ser que, no caso desses tipos, a perversão hereditária das
qualidades naturais vá tão longe que atinja o próprio fundo do temperamento... Sim,
que um tipo nasça para escravo, nasça naturalmente escravo, e portanto incapaz de
qualquer esforço no sentido de se libertar... Mas nesse caso..., nesse caso..., que têm
eles que ver com a sociedade livre, ou com a liberdade?... Se um homem nasceu para
escravo, a liberdade, sendo contrária à sua índole, será para ele uma tirania''
Houve uma pequena pausa. De repente ria alto.
- Realmente, disse eu, V. é anarquista. Em todo o caso, dá vontade de rir, mesmo
depois de o ter ouvido, compara o que V. é com o que são os anarquistas que praí
há...
- Meu amigo, eu já lhe disse, já lhe provei, e agora repito-lhe... A diferença é só esta:
eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas
místicos, e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou um anarquista
que combate e liberta... Em uma palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou
anarquista.
E levantamo-nos da mesa.
Lisboa, janeiro de 1922.
fim
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Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/bancanarco.htm
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