Thomas Mann
A Montanha Mágica
Capítulo IV
O termômetro
A semana de Hans Castorp ia de terça a terça-feira, visto ele ter chegado numa terça-feira.
Já fazia alguns dias que liquidara a conta da segunda semana – com a importância modesta de uns
cento e sessenta francos, razoável e justificada segundo a sua própria opinião, mesmo que
deixassem de ser consideradas as vantagens impagáveis da estadia ali, justamente por ser
impossível pagar por elas, e embora figurassem nela certos suplementos que poderiam ser
faturados, se assim o quisessem, como, por exemplo, o concerto bimensal e as conferências do
Dr. Krokowski. O total de cento e sessenta francos referia-se exclusivamente à pensão
propriamente dita, ao que oferecia o hotel como tal, à hospedagem confortável e às cinco
refeições reforçadíssimas.
– Não é caro, não; é até barato, e você não pode se queixar de ser explorado aqui em cima – disse o visitante ao morador antigo. – Você gasta, em média, uns seiscentos e cinqüenta francos
por mês com o quarto e a comida, e nisso já está incluído o tratamento médico. Muito bem!
Admitamos que você gaste ainda uns trinta francos por mês em gorjetas, porque quer mostrar-se
generoso e faz questão de ver em toda parte caras sorridentes. Temos então seiscentos e oitenta
francos. Você vai me dizer que existem ainda extras e despesas por fora. Vai-se algum dinheiro
para bebidas, para cosméticos e charutos; de vez em quando se faz uma excursão, um passeio de
carro, e um dia vem a conta do alfaiate ou do sapateiro. Perfeitamente! Mas com tudo isso, você
não consegue, nem querendo, ir além de mil francos por mês. Não são nem sequer oitocentos! O
total não chega a dez mil francos por ano. Disso não passa. É o que você gasta...
– Grau dez em cálculo mental – disse Joachim. – Eu nem sabia que você era tão forte
nisso. E acho mesmo generoso da sua parte fazer logo a conta do ano inteiro. Mas você exagerou
a despesa. Eu não fumo charutos e não tenciono chegar à situação de precisar de roupas novas
aqui; não, senhor!
– Bem, então é ainda menos – disse Hans Castorp um tanto confuso. Mas, fossem quais
fossem os motivos que o haviam induzido a incluir na conta do primo charutos e roupas novas, a
rapidez do seu cálculo mental não passava de uma ilusão, e Joachim se enganara a respeito dos
dons naturais do primo. Pois, nesse terreno como em todos os outros, Hans Castorp era antes
lerdo e pouco inspirado. No caso em apreço, não se tratava de uma improvisação, realizada com
tamanha facilidade, senão do produto de um trabalho executado por escrito: uma noite, durante o
repouso – pois também ele acabara por deitar-se depois do jantar, já que todo mundo o fazia –,
levantara-se especialmente da sua magnífica espreguiçadeira e, obedecendo a um súbito impulso,
fora ao quarto buscar papel e um lápis para calcular. Dessa forma verificara que seu primo – ou
melhor, que um pensionista do sanatório – precisava, tudo incluído, de uns doze mil francos por
ano, e convencera-se, assim por brincadeira, de que ele próprio estava financeiramente mais do
que à altura das despesas exigidas ali em cima, uma vez que dispunha de dezoito a dezenove mil
francos por ano.
– Tomara – disse Joachim – que você ao menos tenha descansado aqui, e que lá embaixo
se sinta mais forte.
– Sim, vou dar lembranças a todo mundo – respondeu Hans Castorp – e dizer que você
voltará daqui a cinco meses, o mais tardar. Você disse “descansado”? Se eu descansei bem nestes
poucos dias? Acho que sim. Creio que mesmo um tempo tão curto deve fazer bem à gente. É
verdade que as impressões que recebi aqui foram muito estranhas, estranhas sob todos os pontos
de vista, e assim lhes devo grande número de ideias novas; mas também foram fatigantes, tanto
para o corpo como para o espírito. Não me parece que já digeri tudo isso e que me aclimatei, o
que seria a base de todo descanso. O Maria, graças a Deus, voltou a ter o mesmo sabor de antes.
Faz alguns dias que gosto dele novamente. Mas acontece ainda às vezes, quando me assoo, que
meu lenço se tinja de vermelho, e este maldito ardor do rosto junto com aquelas absurdas
palpitações não me abandonarão, ao que penso, até o fim da minha estadia. Não, senhor! Não se
pode falar, no meu caso, de aclimatação. E nem é possível com tão pouco tempo! Seria preciso
uma permanência mais longa para a gente se adaptar e assimilar as impressões novas, antes que se
possa começar com o descanso e o tal acúmulo de proteínas. É uma lástima! Digo “lástima”,
porque certamente foi um erro da minha parte não ter reservado mais tempo para esta viagem,
porque era fácil consegui-lo. Assim me parece que lá em casa, na planície, terei antes de mais
nada de descansar deste descanso. Vou dormir três semanas a fio, tão esgotado estou. E
infelizmente tenho ainda este cata
Com efeito, Hans Castorp parecia fadado a regressar à planície com um resfriado de
primeira classe. Constipara-se, provavelmente durante o repouso, e para fazermos uma segunda
conjetura, durante o repouso noturno, do qual participava havia uma semana, apesar do tempo
frio e úmido, que não dava mostras de melhorar antes da sua partida. Mas ficara sabendo que esse
tempo não era considerado mau. O conceito de mau tempo não existia, propriamente, ali em
cima; não se temia tempo nenhum; mal se preocupavam com a sua qualidade; e com a docilidade
elástica peculiar à juventude, com toda a sua facilidade de adaptação às ideias e aos hábitos do
ambiente ao qual se achava transferido, Hans Castorp pusera-se a imitar essa indiferença. Quando
chovia a cântaros, não se devia pensar que por isso o ar fosse menos seco. E não parecia mesmo
sê-lo, pois a gente continuava a ter a cabeça em brasa, como se se achasse numa peça
superaquecida ou tivesse tomado muito vinho. No que se refere ao frio, que era forte, teria sido
insensato refugiar-se no quarto para escapar dele. Enquanto não nevasse, não se acendia a
calefação central, e sentar-se no quarto não era mais confortável do que ficar deitado no
compartimento da sacada, agasalhado com um sobretudo de inverno e envolto, conforme as
regras, em dois bons cobertores de pelo de camelo. Bem ao contrário, essa última posição era
infinitamente mais cômoda; era, nem mais nem menos, a posição mais prazenteira que Hans
Castorp se recordava já ter experimentado – opinião que não mudaria pelo fato de um literato e
carbonário a qualificar, com uma segunda intenção equívoca e maliciosa, de posição “horizontal”.
Principalmente à noite, ela lhe agradava muito, quando a lampadazinha acesa luzia na mesinha a
seu lado, e Hans Castorp, bem embrulhado nos cobertores cálidos, tendo entre os dentes o Maria
Mancini, de sabor reencontrado, entregava-se ao gozo das vantagens dificilmente definíveis que
oferecia esse tipo de cadeira; gozava-as, embora com a ponta do nariz gelada e as mãos que
seguravam um livro – ainda o Ocean steamships – rígidas e avermelhadas pelo frio, olhando através
dos arcos da loggia para o vale cada vez mais escuro, com as luzes ora dispersas ora aglomeradas, e
escutando a música que dali vinha quase todas as noites durante uma hora, sons agradavelmente
abafados, familiares e melodiosos: fragmentos de óperas – trechos de Carmen, do Trovador, do
Freischütz –, valsas ligeiras, marchas que faziam com que a gente marcasse o ritmo com a cabeça, e
alegres mazurcas. Mazurca? Em realidade ela se chamava Marusja, a mocinha com o pequeno
rubi, e no compartimento vizinho, atrás da espessa parede de vidro opaco, jazia Joachim. De vez
em quando, Hans Castorp trocava com ele algumas palavras em voz baixa, procurando não
incomodar os outros “horizontais”. No seu compartimento, Joachim achava-se tão bem instalado
quanto Hans Castorp, se bem que não entendesse de música e não soubesse achar prazer nos
concertos noturnos. Tanto pior para ele! Em vez disso, lia provavelmente a sua gramática russa.
Hans Castorp, porém, deixava o Ocean steamships descansar sobre o cobertor e saboreava com
sincera simpatia os sons da música, sondando completamente a profundeza translúcida do seu
feitio e encontrando tão franco deleite em determinada invenção musical cheia de caráter e de
graça, que só com hostilidade recordava as coisas que Settembrini dissera a respeito da música,
considerações irritantes, no sentido de ser ela politicamente suspeita, e que, realmente, não valiam
mais do que o dito do avô Giuseppe sobre a Revolução de Julho e os seis dias do Gênese...
Joachim não participava, portanto, do gozo musical e ignorava também a distração
aromática do tabaco. Mas, fora isso, estava no seu compartimento igualmente agasalhado,
estendido num abrigo pacato. Terminara o dia, terminara tudo por essa vez, e podia-se ter certeza
de que nada mais se produziria, que já não haveria emoções, que mais nenhum esforço se exigiria
do músculo cardíaco. Mas ao mesmo tempo não havia dúvida de que no dia seguinte tudo
voltaria a repetir-se e recomeçaria, com toda a probabilidade que acarretava essa existência
monótona, garantida e regular. E essa dupla segurança era sumamente reconfortante; unida à
música e ao sabor ressuscitado do Maria, fazia com que o repouso da noite representasse para
Hans Castorp um estado de verdadeira felicidade.
Mas tudo isso não impedira que o visitante e noviço pouco resistente se houvesse gripado
violentamente durante o repouso ou em qualquer outra ocasião. Anunciava-se um intenso
resfriado, que se instalara na cavidade frontal, comprimindo-a. A úvula estava irritada e dolorida.
O ar não passava normalmente pelo canal que a natureza destinava a esse fim; atravessava-o, frio,
com dificuldade, provocando incessantes acessos de tosse. A voz de Hans Castorp adquirira de
um dia para outro a tonalidade de um contrabaixo surdo, como que macerado por bebidas fortes.
Segundo ele dizia, não pregara olho durante a noite, porque uma secura sufocante da garganta o
sobressaltara de quando em quando.
– É bem desagradável – disse Joachim. – É quase escandaloso. Você deve saber que aqui
em cima os resfriados não são permitidos, que se nega a sua existência. Oficialmente, são
impossíveis, com esse ar seco, e um paciente que se apresentasse ao Behrens como gripado seria
muito mal recebido. Bem, com você o caso é diferente. Você, afinal, pode se permitir uma coisa
dessas. Seria bom se conseguíssemos cortar a gripe. Lá na planície há métodos de fazê-lo, mas
aqui... Não acho que o seu caso vá despertar grande interesse. É preferível não adoecer aqui,
porque ninguém se preocupa com a gente. Isto é uma velha regra que você pode aprender ainda
antes de partir. Quando cheguei aqui, havia uma senhora que durante uma semana a fio tapou a
orelha com a mão e gemeu de dor. Finalmente, o Behrens foi examiná-la. “A senhora pode ficar
completamente tranquila”, disse ele. “Isso não vem da tuberculose.” E nisso ficou a coisa. Sim,
senhor! Temos que dar um jeito. Amanhã falarei com o massagista, quando ele vier ao meu
quarto. Com ele começa a via hierárquica, e dali o caso passará pelos canais regulamentares. E,
talvez, acabem fazendo qualquer coisa por você.
Assim falou Joachim, e a via hierárquica foi brilhantemente posta à prova. Na sexta-feira,
quando Hans Castorp regressou do passeio matinal, bateram à sua porta, e daí resultou uma
oportunidade para travar conhecimento pessoal com a enfermeira-chefe, Srta. von Mylendonk,
ou Superiora, como a chamavam. Até então, enxergara apenas de longe essa personagem
aparentemente muito ocupada; vira-a sair do quarto de um enfermo, para atravessar o corredor e
entrar em outro quarto do lado oposto; ou ouvira-lhe a voz coaxante, durante uma das suas
rápidas passagens pela sala de refeições. Desta vez, porém, a visita destinava-se a ele próprio.
Atraída pela sua gripe, dera com os ossudos dedos rápidas batidas à porta do aposento. Transpôs
o limiar, ainda antes de ele dizer “Entre”, e deteve-se por um instante, para certificar-se do
número do quarto.
– Trinta e quatro – coaxou sem abafar a voz. – Está certo. Escute, rapaz, on me dit que vous
avez pris froid. I hear you have caught a cold. Wy, cajetsia, prostudilisj – e continuou em alemão: – Ouvi
dizer que está resfriado. Qual é a língua que compreende? Ah, já vejo que é alemão. Pois é, a
visita do jovem Ziemssen, já sei. Estão esperando por mim na sala de operações, por causa de um
indivíduo que será anestesiado e acaba de comer salada de feijão. Quando a gente não tem os
olhos em toda parte... Então, rapaz, acha mesmo que se resfriou aqui?
Hans Castorp ficou perplexo ante esse linguajar de uma senhora da alta aristocracia.
Enquanto ela falava, parecia passar por cima das suas próprias palavras, voltando a cabeça de cá
para lá, num movimento irrequieto, circular, e erguendo o nariz, como para farejar, assim como
fazem as feras na jaula. A mão direita sardenta, apenas cerrada, com o polegar levantado,
bamboleava no punho, como para dizer: “Depressa, depressa! Não escute o que eu digo! Fale,
afinal, para que eu possa sair”. Era uma quarentona, de reduzida estatura, sem formas atraentes,
vestida de jaleco branco, cinturado, de hospital, e trazia sobre o peito uma cruz adornada de
granadas. Sob a touca de enfermeira apareciam uns escassos cabelos arruivados; o olhar parecia
inseguro, e num dos olhos congestionados, de um azul aquoso, havia um terçol bastante
adiantado. O nariz era arrebitado, e a boca tinha algo de sapo, enquanto o lábio inferior avançava
obliquamente e fazia, ao falar, um movimento de pá. Hans Castorp, não obstante, contemplou a
Srta. von Mylendonk com toda a afabilidade singela, cheia de indulgência e confiança, que lhe era
peculiar.
– Que tipo de resfriado é esse? – voltou a enfermeira-chefe a perguntar, esforçando-se
por dar a seus olhos uma insistência penetrante, o que no entanto não conseguiu, porque seu
olhar se desviava logo. – Não gostamos de resfriados. Resfria-se com frequência? Seu primo
também se resfria a cada instante, não é? Que idade tem o senhor? Vinte e quatro? É uma idade
perigosa. Só agora chegou aqui e já se resfriou? Num caso desses não convém falar de resfriado,
meu prezado rapaz. Isto é lero-lero lá embaixo. – A palavra “lero-lero” soava horrorosa e
extravagante na sua boca, proferida com aquele movimento de pá do lábio inferior. – O senhor
tem um belíssimo catarro nas vias respiratórias; isso não se discute, basta ver os seus olhos. – E
de novo ela fez a estranha tentativa de encará-lo com um olhar penetrante, sem que dessa vez
tivesse melhor êxito. – Mas catarros não vêm do frio. Eles vêm é de uma infecção para a qual a
gente está predisposta. Agora resta apenas saber se se trata ou não de uma infecção inofensiva.
Todo o resto é lero-lero. – Mais uma vez essa palavra repugnante! – É bem possível que no seu
caso a predisposição tenha caráter inócuo – acrescentou fitando-o de um modo inexplicável, com
o terçol adiantado. – Aqui tenho um simples antisséptico, pode ser que lhe faça bem. – Com isso
tirou da bolsa de couro negro, que lhe pendia do cinturão, um pequeno embrulho que colocou na
mesa. Era Formaminto. – Mas o senhor me parece corado, como se tivesse febre. – Ela não
parava de fitá-lo, com um olhar que sempre se afastava do seu alvo. – Já tomou a temperatura?
Hans Castorp disse que não.
– Por que não? – perguntou, e o lábio inferior, avançado obliquamente, permaneceu nessa
posição...
Ele não respondeu. O bom Hans Castorp era ainda muito jovem e conservara o hábito
do silêncio, próprio dos colegiais que se plantam na carteira, nada sabem e por isso se calam.
– O senhor não toma nunca a sua temperatura?
– Tomo, Srª. Superiora; quando estou com febre, tomo.
– Olhe, meu rapaz, a gente toma a temperatura justamente para ver se tem ou não tem
febre. E segundo a sua opinião não está com febre, no momento?
– Não sei, Srª. Superiora. Não tenho certeza. Desde que cheguei aqui já sinto ao mesmo
tempo calor e frio.
– Hum, hum! E onde está o seu termômetro?
– Não trouxe nenhum comigo, Srª. Superiora. Para quê? Eu vim aqui apenas de visita.
Estou bem de saúde.
– Lero-lero! O senhor me mandou chamar porque está bem de saúde?
– Não, senhora – riu-se ele cortesmente.
– Mas porque estou um pouco... – ...resfriado. Já vi muito resfriado desses. Aqui, tome! – disse ela e pôs-se novamente a
mexer na bolsa. Por fim retirou dois estojos alongados, de couro, um preto e outro vermelho,
que colocou igualmente na mesa. – Este custa três francos e este custa cinco. Claro que o senhor
fica melhor servido com o de cinco. É para toda a vida, se o manejar com cuidado.
Sorrindo, Hans Castorp tirou da mesa o estojo vermelho.
Abriu-o. Faceiro como uma joia, jazia o utensílio de vidro na concavidade exatamente
adaptada à sua forma e forrada de veludo encarnado. Os graus completos eram marcados com
riscas vermelhas, e os décimos, com riscas pretas. Os números eram vermelhos. A parte inferior,
que ia se adelgaçando, estava cheia de cintilante mercúrio. A coluna aparecia baixa, marcando
uma temperatura muito inferior ao grau normal do calor animal.
Hans Castorp não ignorava o que devia a si mesmo e ao seu prestígio.
– Vou comprar este – disse, sem prestar a mínima atenção ao outro. – O de cinco. Será
que lhe posso...
– Feito! – coaxou a enfermeira-chefe. – Não convém fazer economias quando se trata de
compras importantes. Não há pressa, que vão pô-lo na conta. Deixe-me vê-lo. Para começar,
vamos fazê-lo descer completamente, assim. – Tirou-lhe o termômetro da mão e agitou-o
repetidas vezes no ar, fazendo com que a coluna de mercúrio parasse abaixo de 35. – Já vai subir,
o mercúrio, já vai subir – acrescentou. – E agora tome a sua aquisição. Sem dúvida já sabe como
se procede aqui. Debaixo da sua prezada língua, durante sete minutos, quatro vezes por dia, e
mantenha bem fechadinhos os seus simpáticos lábios. Adeusinho, meu rapaz. Desejo-lhe um
bom resultado. – E saiu do quarto.
Hans Castorp, que fizera uma mesura, quedava-se junto à mesinha, e seu olhar passava da
porta pela qual saíra a enfermeira-chefe ao instrumento que ela deixara. “Então é essa a Srta. von
Mylendonk”, disse de si para si. “Settembrini não gosta dela, e realmente ela tem seus lados ruins.
O terçol não é nada bonito, mas isso, com certeza, não é permanente. Mas por que me chama
sempre de ‘rapaz’? Que rudeza estranha! E logo me vendeu um termômetro. Anda sempre com
alguns na bolsa. Parece que aqui há termômetros em toda parte, em qualquer loja, inclusive nos
lugares onde ninguém os esperaria encontrar, segundo afirma Joachim. Ora, eu nem tive o
trabalho de procurar um, pois já me caiu nas mãos.” Tirou do estojo o frágil objeto, contemplou
o e pôs-se a andar nervosamente pelo quarto. Seu coração batia depressa e violentamente.
Lançou um olhar para a porta aberta da sacada. A seguir fez menção de se encaminhar à do
quarto, na intenção de ir ter com Joachim. Mas desistiu disso e deixou-se ficar de pé, perto da
mesa, pigarreando, para verificar a rouquidão. Depois tossiu francamente. “Pois é, agora vou ver
se o resfriado me deu febre”, falou com os seus botões, enquanto introduzia, num movimento
rápido, o termômetro na boca, com a ponta de mercúrio sob a língua, de modo que o
instrumento, apontando obliquamente para cima, saía por entre os lábios que ele cerrava bem
para não dar entrada ao ar. Feito isso, olhou o relógio de pulso. Eram nove e trinta e seis. E
começou a esperar que decorressem sete minutos.
“Nem um segundo a mais”, pensou, “nem um a menos. Em mim podem ter confiança,
nas duas direções. Não há necessidade de me dar uma ‘irmã muda’, como àquela criatura de que
falou Settembrini, a tal Ottilie Kneifer.” A seguir pôs-se a passear pelo quarto, comprimindo o
instrumento com a língua.
continua pág 109...
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Leia também:
Capítulo II
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Capítulo III
Capítulo IV
O termômetro (a)
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A Montanha Mágica (Der Zauberberg, no original alemão) é um romance de Thomas Mann que foi publicado em 1924. É considerado o romance mais importante de seu autor e um clássico da literatura de língua alemã do século XX que foi traduzido para inúmeros idiomas, sendo de domínio público em países como Estados Unidos, Espanha, Brasil, entre outros.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
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