segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Mário, Livro Primeiro - Paris estudado na sua mais tênue parcela / XII - O futuro latente no povo

Victor Hugo - Os Miseráveis

Terceira Parte - Mário

Livro Primeiro — Paris estudado na sua mais tênue parcela

XII - O futuro latente no povo
     
      Quanto ao povo parisiense, é sempre gaiato, ainda quando homem feito; fazer o retrato da criança é fazer o da cidade, e eis aí a razão porque nós estudamos esta água nesse pardalzinho. É sobretudo nos arrabaldes, repetimos, que aparece a raça parisiense, a raça puro-sangue, a verdadeira fisionomia o povo que trabalha e sofre, pois são as duas figuras do homem, o sofrimento e o trabalho. Existe neles um sem número de entes desconhecidos, entre os quais abundam os mais estranhos tipos, desde o carrejão da Rapée até ao esfolador de Montfaucon. «Fex urbis!» exclama Cícero. «Mofe!» acrescenta Burke indignado; turba, multidão, gentalha. Estas palavras depressa se dizem. Mas seja. Que importa? Que se me dá a mim de que eles andem descalços? Não sabem ler; mau é. Por isso haveis de abandoná-los? Convertereis a sua miséria em maldição? Não pode a luz penetrar essas massas? Repitamos este grito de luz! e insistamos nele. Luz!.
     Luz! Quem sabe se essas opacidades se não tornarão transparentes? Pois não são transfigurações as revoluções? Ide, filósofos, ensinai, esclarecei, iluminai, deixai voejar livre o pensamento, falai de modo que todos vos ouçam, correi alegres para onde o sol mais atesta, fraternizai com as praças públicas, anunciai as boas-novas, derramai com profusão os alfabetos, proclamai os direitos, cantai as Marselhesas, semeai os entusiasmos, arrancai ramos verdes dos carvalhos. Fazei da ideia um turbilhão. Essa multidão pode vir a ser sublimada. Saibamos servir-nos desse vasto incêndio dos princípios e das virtudes, que crepita, estala e tremula, em certas horas. Esses pés descalços, esses braços nus, esses andrajos, essas ignorâncias, essas abjecções, essas trevas, podem ser empregadas na conquista do ideal.
     Olhai por entre o povo e avistareis a verdade. Essa areia vil que aos pés calcais, lançai-a no cadinho, deixai-a fundir-se e ferver e tornar-se-á cristal esplêndido, com o qual Galileu e Newton descobriram os astros.

continua na página 448...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Mário, Livro Primeiro - XII - O futuro latente no povo
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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