terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Marcel Proust - No Caminho de Swann (IV - nomes de terras: o nome, Também houve um dia - c)

em busca do tempo perdido


volume I
No Caminho de Swann

ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust

nomes de terras: o nome

IV(c) 

continuando...

     Também houve um dia em que ela me disse: “Sabe? Pode chamar-me de Gilberte; eu, pelo menos, vou chamá-lo pelo primeiro nome. É mais cômodo”. Contudo, continuou por uns momentos a dizer-me simplesmente “você” e, como eu lhe observasse, ela sorriu e, compondo, construindo uma frase como essas que nas gramáticas estrangeiras não têm outro fim senão fazer-nos empregar uma palavra nova, rematou-a com o meu primeiro nome. E recordando-me mais tarde do que então sentira, discerni a impressão de ter eu próprio estado em sua boca por um instante, desnudo, sem mais nenhuma das modalidades sociais que também pertenciam a outros camaradas seus ou a meus pais quando ela dizia o meu nome de família, e de que seus lábios — no esforço que ela fazia, um pouco como o pai, para articular as palavras que queria pôr em evidência — pareciam despojar-me, despir-me, como se descasca um fruto de que só se pode saborear a polpa, enquanto o seu olhar, pondo-se no mesmo nível de intimidade que tomava a sua voz, me atingia também mais diretamente, não sem testemunhar a consciência, o prazer e até a alegria que então experimentava, fazendo-se acompanhar de um sorriso. 
     Mas não me era dado, no momento mesmo, apreciar o valor daqueles prazeres novos. Não eram dados, pela menina que eu amava, ao “eu” que a amava, mas pela outra, por aquela com quem eu brincava, àquele outro eu que não possuía nem a lembrança da verdadeira Gilberte, nem o coração indisponível que, só ele, poderia avaliar uma aventura, porque só ele a havia desejado. Nem mesmo depois de ter entrado em casa eu saboreava aqueles prazeres, pois a necessidade que me fazia esperar que no dia seguinte eu teria a contemplação exata, calma e feliz de Gilberte, e que ela me confessaria enfim o seu amor, explicando-me as razões que tivera para ocultá-lo até então, essa mesma necessidade forçava-me a ter o passado como inexistente, a só olhar para diante, a considerar as pequenas vantagens que ela me concedera não em si mesmas e como se se bastassem, mas como novos degraus onde pousar o pé, que me permitiriam dar um passo avante e atingir a felicidade que ainda não encontrara.
     Se algumas vezes me dava mostras de amizade, outras fazia-me penar, pois parecia que não lhe agradava ver-me: e isto muitas vezes ocorria exatamente nos dias com que eu mais contava para realizar as minhas esperanças. Estava certo de que Gilberte viria aos Campos Elísios, e experimentava uma alegria que me parecia apenas a vaga antecipação de uma grande felicidade quando — entrando de manhã na sala para beijar mamãe já pronta, com a torre de seus cabelos negros inteiramente construída, e suas belas mãos brancas e torneadas ainda cheirando a sabonete — soubera, ao ver uma coluna de poeira erguida acima do piano, e ao ouvir um realejo tocar Voltando da parada debaixo da janela, que o inverno recebia até a noite a visita inopinada e radiosa de um dia de primavera.[1] Enquanto almoçávamos, a vizinha de frente, abrindo a janela, fizera fugir bruscamente de junto a minha cadeira — riscando num único salto toda a largura da nossa sala de jantar — um raio de sol que ali começara a sua sesta e logo depois voltava para continuá-la. No colégio, na aula da uma hora, o sol me fazia morrer de impaciência e tédio, deixando arrastar-se um dourado clarão até minha carteira, como um convite à festa aonde eu não poderia chegar antes das três horas, quando Françoise viesse buscar-me à saída e nos encaminhássemos para os Campos Elísios, pelas ruas decoradas de luz, atopetadas de povo, e onde as sacadas vaporosas, varadas pelo sol, flutuavam diante das casas como nuvens de ouro. Mas, ai!, nos Campos Elísios eu não encontrava Gilberte, ela ainda não havia chegado. Imóvel sobre a grama que o sol invisível animava, fazendo fulgurar aqui e ali a ponta de uma relva, e onde os pombos ali pousados pareciam esculturas antigas que a enxada do jardineiro trouxera à superfície de um solo augusto, eu permanecia de olhos fixos no horizonte, esperando a todo momento ver surgir a imagem de Gilberte com a governanta, por detrás da estátua que parecia estender à bênção do sol a criança que carregava, toda escorrendo luz. A velha leitora dos Débats, sentada no lugar de sempre, interpelava um guarda, a quem fazia um aceno amigável, gritando-lhe: “Que lindo tempo!”. E vindo a encarregada das cadeiras efetuar a cobrança, fazia ela mil denguices ao meter o talão de recibo dos dez cêntimos na abertura da luva, como se fosse um buquê, para o qual procurava, por amabilidade para com o doador, o lugar mais lisonjeiro possível. E depois de alojado o recibo, a dama imprimia ao pescoço uma evolução circular, endireitava o boá, e lançava à mulher das cadeiras, mostrando a ponta de papel amarelo que lhe assomava ao punho, o belo sorriso com que uma mulher, indicando o seu corpete a um jovem, lhe diz: “E então? Não está reconhecendo as suas rosas?!”
     Eu levava Françoise ao encontro de Gilberte até o Arco do Triunfo, não a encontrávamos, e voltava para o gramado persuadido de que ela não viria mais, quando, diante do carrossel, a menina de voz breve se precipitava sobre mim: “Depressa, depressa, já faz um quarto de hora que Gilberte chegou. Vai partir daqui a pouco. Estão a sua espera para uma partida de barras”. Enquanto eu subia a avenida dos Campos Elísios, Gilberte viera pela rua Boissy-d’Anglas, pois a demoiselle aproveitara o bom tempo para fazer compras; e o sr. Swann viria buscar a filha. A culpa era minha, pois não deveria afastar-me do gramado, já que nunca se sabia ao certo de que lado nem a que horas viria Gilberte, e essa expectativa acabava por tornar muito mais emocionantes, não só os Campos Elísios inteiros e toda a duração da tarde, como uma imensa extensão de espaço e de tempo em cada um de cujos pontos e momentos era possível que aparecesse a imagem de Gilberte, mas ainda essa própria imagem, porque atrás dessa imagem eu sentia ocultar-se o motivo pelo qual me fora ela desfechada em pleno coração às quatro horas em vez de às duas e meia, com um chapéu de visitas em vez de boina de jogo, diante do Ambassadeurs e não entre os dois teatros de fantoches,[2] eu adivinhava uma dessas ocupações em que não poderia acompanhar Gilberte e que a forçavam a sair ou a ficar em casa, e assim me punha em contato com a sua existência desconhecida. Era também esse mesmo mistério que me perturbava quando, correndo por ordem da menina de voz breve para começar em seguida a nossa partida de barras, eu avistava Gilberte, tão vivaz e brusca conosco, fazendo uma reverência à dama dos Débats (que lhe dizia: “Que belo sol, parece fogo”), falando-lhe com um sorriso tímido, um ar comedido, que me evocava a menina diferente que devia ser Gilberte em casa de seus pais, com os amigos de seus pais, em visita, em toda a sua outra vida que me escapava. Mas dessa existência, ninguém me dava impressão mais nítida do que o sr. Swann, que chegava um pouco depois, em busca da filha. É que ele e a sra. Swann — porque sua filha morava em casa deles, porque seus estudos, seus divertimentos, suas amizades, deles dependiam — possuíam para mim, como Gilberte, talvez mais do que Gilberte, um mistério inacessível, um doloroso encanto, que provinha desse mesmo poder que tinham sobre ela. Tudo quanto lhes dizia respeito era de minha parte objeto de preocupação tão constante que nos dias em que o sr. Swann (o qual tantas vezes eu já vira, quando se dava com meus pais, sem que me excitasse maior curiosidade) vinha buscar Gilberte nos Campos Elísios, uma vez acalmadas as palpitações que me provocava o aparecimento de seu chapéu gris e da sua pelerina, o seu aspecto ainda me impressionava como o de uma personagem histórica a cujo respeito acabamos de ler uma série de obras e cujas menores particularidades nos apaixonam. Suas relações com o conde de Paris, que me eram indiferentes quando ouvia falar nelas em Combray, assumiam agora para mim alguma coisa de maravilhoso, como se nenhuma outra pessoa tivesse jamais conhecido os Orléans; faziam-no destacar-se vivamente sobre o fundo vulgar dos transeuntes de diferentes classes que enchiam aquela alameda dos Campos Elísios, e admirava-me de que ele consentisse em figurar entre eles sem lhes reclamar atenções especiais, que ninguém aliás pensava em prestar-lhe, tão profundo era o incógnito em que se envolvia.
     Respondia polidamente às saudações das camaradas de Gilberte, até a minha, embora estivesse estremecido com minha família, mas sem dar mostras de me conhecer. (Lembrou-me isso que no entanto ele já me vira muitas vezes no campo; lembrança que eu conservara, mas na sombra, porque desde que tornara a ver Gilberte, Swann para mim era antes de tudo o seu pai, e não mais o Swann de Combray; como as ideias em que eu enxertava agora o seu nome eram diferentes das ideias em cuja trama estava incluído outrora, e que eu jamais utilizava quando pensava nele. Swann tornara-se para mim uma personagem nova; liguei-o no entanto, por uma linha artificial, transversal e secundária, ao nosso antigo convidado; e como nada tinha valor para mim senão na medida em que o meu amor lhe pudesse tirar proveito, foi com um sentimento de vergonha e o pesar de não poder apagá-los que tornei a encontrar os anos em que, para o mesmo Swann que estava naquele momento diante de mim nos Campos Elísios e a quem felizmente talvez Gilberte não houvesse dito o meu nome, eu tantas vezes parecera ridículo quando mandava pedir a mamãe que subisse a meu quarto para me dar boa-noite, enquanto ela tomava café com ele, meu pai e meus avós na mesinha do jardim.) Dizia a Gilberte que lhe permitia uma partida, que podia esperar um quarto de hora e, sentando-se como todo mundo numa cadeira de ferro, pagava o seu bilhete com aquela mão que Filipe VII tantas vezes apertara na sua, enquanto começávamos a jogar na grama, fazendo debandar os pombos, cujos belos corpos irisados têm a forma de um coração e são como os lilases do reino dos pássaros, e que iam refugiar-se, como num asilo, este no grande vaso de pedra a que ele, mergulhando o bico em seu interior, dava o aspecto e a destinação de lhe oferecer com abundância os frutos ou grãos que ali parecia estar comendo, aquele sobre a fronte da estátua, como que a coroá-la de um desses objetos de esmalte, cuja policromia vem quebrar, em certas obras antigas, a monotonia da pedra, e de um atributo que quando a deusa o traz lhe vale um epíteto particular e a transforma, como para uma simples mortal um prenome diferente, em uma divindade nova.
     Num daqueles dias de sol em que não se realizaram minhas esperanças, não tive forças para ocultar a Gilberte a minha decepção. 

— Justamente hoje tinha muitas coisas que lhe perguntar — disse-lhe eu. — Julgava que este dia iria influir muito na nossa amizade. E mal você chega, já vai partir! Trate de vir amanhã bem cedo, para que eu possa afinal falar-lhe.

     Seu rosto resplandeceu, e foi saltando de alegria que ela me contestou: 

— Amanhã? Pode ficar esperando, meu amiguinho, que eu não virei! Tenho uma festa; depois de amanhã tampouco: vou assistir, da janela de uma amiga, a chegada do rei Teodósio, será soberbo, e ainda no outro dia vou ao Miguel Strogof , e depois, aí vêm o Natal e as férias do Ano-Novo.[3] Talvez me levem ao Sul. Isto sim, que será chique!, embora me faça perder uma árvore de Natal; em todo caso, se ficar em Paris, não virei aqui, pois vou fazer visitas com mamãe. Adeus, papai está chamando.

     Voltei com Françoise pelas ruas ainda empavesadas de sol, como depois de finda uma festa. Mal podia arrastar as pernas. 

— Não é de espantar — disse Françoise —, este tempo está fora de estação, faz calor demais! Ai, meu Deus! Deve haver muitas criaturas doentes; lá em cima, também, parece que tudo está em desarranjo.

     Abafando os soluços, repetia comigo as palavras com que Gilberte desafogara a sua alegria por não ter de ir durante muito tempo aos Campos Elísios. Mas já o encanto de que, por seu simples funcionamento, se enchia o meu espírito logo que pensava nela, a posição particular, única — por aflitiva que fosse —, em que me colocava perante Gilberte, a coação interna de um hábito mental, haviam começado a acrescentar, mesmo àquela demonstração de indiferença, algo de romanesco, e no meio de minhas lágrimas se formava um sorriso que não era senão o tímido esboço de um beijo. E, quando chegou a hora do correio, pensei, como das outras vezes: Vou receber uma carta de Gilberte, ela enfim me vai dizer que nunca cessou de amar-me e me explicará a misteriosa razão por que se viu forçada a ocultá-lo até agora, a fingir que poderia ser feliz sem ver-me, a razão por que tomou a aparência da Gilberte simples camarada.
     Todas as noites comprazia-me em imaginar aquela carta, julgava lê-la, recitava comigo cada frase. De súbito parava, alarmado. Compreendia que, se devesse receber uma carta de Gilberte, em todo caso não poderia ser aquela, visto que era eu quem acabava de compô-la. E desde então, esforçava-me por desviar o pensamento das palavras que gostaria que ela me escrevesse, com receio de excluir exatamente essas do campo das realizações possíveis — as mais caras, as mais desejadas — pelo simples ato de enunciá-las. Mesmo que, por uma inverossímil coincidência, fosse precisamente a carta que eu tinha inventado a que Gilberte me enviaria, eu, reconhecendo nela a minha obra, não teria a impressão de receber alguma coisa que não proviesse de mim, alguma coisa de real, de novo, uma felicidade exterior a meu espírito, independente de minha vontade, verdadeiramente concedida pelo amor.
     Enquanto esperava, relia uma página que não me escrevera Gilberte, mas que pelo menos me vinha dela, aquela página de Bergotte sobre a beleza dos velhos mitos em que se inspirara Racine, e que eu sempre conservava junto de mim, ao lado da bolinha de ágata. Enternecia-me a bondade de minha amiga, que a mandara procurar para mim; e como cada qual necessita encontrar razões para sua paixão até ter a alegria de reconhecer, na criatura amada, qualidades que a leitura ou a conversação lhe indicaram como dignas de provocar amor, até assimilá-las por imitação e delas fazer novas razões de amar, por mais opostas que sejam essas qualidades àquelas que esse amor teria buscado quando espontâneo — como acontecia outrora com Swann quanto ao caráter estético da beleza de Odette —, eu, que a princípio, em Combray, amara Gilberte por tudo quanto havia de desconhecido na sua vida, na qual desejaria precipitar-me, encarnar-me, largando a minha, que não valia mais nada, pensava agora, como numa inestimável vantagem, que Gilberte poderia chegar a ser um dia a humilde serva, a cômoda e prestimosa colaboradora daquela minha vida tão desdenhada e tão conhecida, e que, ajudando-me à noite em meus trabalhos, colecionaria brochuras para mim. Quanto a Bergotte, esse velho infinitamente sábio e quase divino, por causa de quem eu a princípio amara Gilberte, mesmo antes de a ter visto, agora eu o amava principalmente por causa de Gilberte. Com tanto prazer como as páginas que ele escrevera sobre Racine, eu contemplava o papel com grandes sinetes de lacre branco e fitas de cor malva no qual ela mas enviara. Beijei a bolinha de ágata que era a melhor parte do coração de minha amiga, a parte que não era frívola, mas fiel e que, embora impregnada do encanto misterioso da vida de Gilberte, permanecia perto de mim, morava no meu quarto, deitava no meu leito. Mas tanto a beleza da pedra como a beleza das páginas de Bergotte, que me comprazia em associar à ideia de meu amor a Gilberte, como se dessem a este uma espécie de consistência nos momentos em que já não me parecia coisa nenhuma, eu reconhecia que eram anteriores a esse amor, que não se lhe assemelhavam, que seus elementos haviam sido fixados pela inteligência ou as leis mineralógicas antes que Gilberte me tivesse conhecido, que nada no livro nem na pedra seria diverso se Gilberte não me houvesse amado, e que nada por conseguinte me autorizava a ler neles uma mensagem de felicidade. E enquanto o meu amor, incessantemente esperando no dia seguinte a confissão do de Gilberte, anulava e desfazia todas as noites o trabalho malfeito do dia, na sombra de mim mesmo uma desconhecida operária não deixava que se desperdiçassem os fios arrancados e dispunha-os, sem preocupar-se de me agradar ou trabalhar por minha felicidade, em uma ordem diferente, que costumava dar a todas as suas obras. Não tendo nenhum interesse particular por meu amor, não começando por decidir que eu era amado, recolhia as ações de Gilberte que me haviam parecido inexplicáveis e as suas faltas que eu escusara. Umas e outras então tomavam um sentido. Parecia dizer, essa ordem nova, que ao ver Gilberte ir a uma festa ou fazer compras com a governanta, em vez de vir aos Campos Elísios, e preparar-se para uma ausência durante as festas do Ano-Novo, fazia eu mal em pensar e dizer comigo: “É que ela é frívola ou obediente”. Pois deixaria de ser uma coisa ou outra se me amasse, e, se fosse obrigada a obedecer, fá-lo-ia com desespero igual ao meu nos dias em que não a avistava. Dizia mais, essa ordem nova, que eu devia no entanto saber o que era amar, visto que amava Gilberte; observava-me o perpétuo cuidado que eu tinha de fazer-me valer a seus olhos, tentando persuadir a minha mãe que comprasse para Françoise um impermeável e um chapéu de pluma azul, ou então que não me enviasse aos Campos Elísios com aquela criada que me envergonhava (ao que minha mãe respondia ser eu injusto para com Françoise, que era uma boa mulher muito devotada a nós), e também o meu desejo exclusivo de ver Gilberte, que fazia com que meses antes eu só pensasse em informar-me em que época deixaria ela Paris e aonde iria, e achando o sítio mais delicioso um local de exílio se ela ali não devesse estar e não desejando deixar Paris enquanto pudesse vê-la nos Campos Elísios; e não tinha dificuldade em demonstrar-me que nem aquele cuidado, nem esta necessidade, eu os encontraria na atitude de Gilberte. Ela, pelo contrário, apreciava a sua governanta, sem se preocupar com o que eu pensasse a seu respeito. Achava natural não vir aos Campos Elísios, se era para ir fazer compras com Mademoiselle, e agradável se era para sair com sua mãe. E supondo até que me permitisse passar as férias no mesmo lugar que ela, na escolha desse lugar influiriam as intenções de seus pais, mil divertimentos de que lhe haviam falado, e de modo nenhum que fosse o local a que minha família pretendia enviar-me. Quando assegurava que me amava menos que a algum de seus amigos, menos do que na véspera porque eu a fizera perder a partida por uma negligência, eu lhe pedia perdão, perguntava-lhe o que devia fazer para que ela me quisesse tanto como antes, para que ela me quisesse mais que aos outros; queria que ela dissesse que já estava tudo feito, suplicava-lhe, como se ela pudesse modificar sua afeição conforme sua vontade, ou a minha, para me dar prazer, segundo a minha boa ou má conduta, só pelas palavras que dissesse. Não sabia eu então que o que sentia por ela não dependia nem dos seus atos nem da minha vontade?

continua na página 265...
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Leia também:

Volume 1
No Caminho de Swann (IV - nomes de terras: o nome, Também houve um dia - c)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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[1] “Voltando da parada” (“En revenant de la revue”) era canção militar criada por Paulus no dia 14 de julho de 1886 e que voltaria à moda durante o “Caso Dreyfus”, do qual muito se falará ao longo do livro. [n. e.]
[2] O teatro dos Ambassadeurs ficava na avenida Gabriel, nos jardins dos Campos Elísios. [n. e.]
[3] Peça adaptada do romance homônimo de Júlio Verne, pelo próprio autor e por Adolphe d’Ennery, criada em 1880 e depois retomada com grande sucesso no já mencionado teatro do Châtelet. O “rei Teodósio” é personagem fictícia provavelmente inspirada no czar Nicolau ii, que visitou Paris no mês de outubro de 1896. [n. e.]

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