sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Stendhal - O Vermelho e o Negro: A Discussão (XXII)

Livro II 


Ela não é galante,
não usa ruge algum.

Sainte-Beuve



Capítulo XXII

A DISCUSSÃO



A república – atualmente, para um que sacrificaria tudo pelo bem público, 
há milhares e milhões que não conhecem senão seus prazeres, sua vaidade. 
As pessoas são consideradas, em Paris, por causa de sua carruagem 
e não por causa de sua virtude.

NAPOLEÃO, Memorial


O LACAIO ENTROU PRECIPITADAMENTE, anunciando: O senhor duque de ***.

– Cale-se, você não passa de um idiota, disse o duque ao entrar. Disse tão claramente essa frase, e com tanta majestade, que espontaneamente Julien pensou que saber indispor-se contra um lacaio era toda a ciência desse grande personagem. Julien ergueu os olhos e os baixou em seguida. Tendo adivinhado a importância do recém-chegado, temeu que seu olhar fosse uma indiscrição.

Esse duque era um homem de cinquenta anos, vestido como um dândi e com um andar elástico. Tinha a cabeça estreita, um nariz grande e um rosto arqueado para a frente; seria difícil ter o aspecto mais nobre e mais insignificante ao mesmo tempo. Sua chegada determinou a abertura da sessão.
Julien foi interrompido em suas observações fisionômicas pela voz do sr. de La Mole. – Apresento-lhes o sr. abade Sorel, dizia o marquês; ele é dotado de uma memória espantosa; há cerca de uma hora lhe falei da missão com que podia ser honrado e, a fim de dar uma prova de sua memória, decorou a primeira página do La Quotidienne.

– Ah! As notícias estrangeiras desse pobre N..., disse o dono da casa. Ele pegou o jornal com prontidão e, olhando para Julien com um ar divertido, à força de querer ser importante, disse-lhe: fale, senhor.

O silêncio era profundo, todos os olhos fixos em Julien; ele recitou tão bem que, ao cabo de vinte linhas, o duque falou: é o suficiente. O homenzinho com olhar de javali sentou-se. Era o presidente, pois, assim que se acomodou, mostrou a Julien uma mesa de jogo e fez-lhe um sinal que a trouxesse para junto dele. Julien instalou-se ali com o que era necessário para escrever. Ele contou doze pessoas sentadas em volta do tapete verde.

– Sr. Sorel, disse o duque, retire-se para a peça vizinha, mandaremos chamá-lo.

O dono da casa mostrou-se inquieto: Os postigos não estão fechados, disse a meia-voz ao vizinho. – É inútil olhar pela janela, gritou tolamente a Julien. Eis-me envolvido, no mínimo, numa conspiração, este pensou. Felizmente, não é daquelas que conduzem à praça de Grève. Ainda que haja perigo, devo isso e muito mais ao marquês. Quem dera fosse-me dado reparar todo o desgosto que minhas loucuras podem lhe causar um dia!
Por um longo tempo Julien ficou entregue a suas reflexões. Ele estava num salão forrado de veludo vermelho com grandes franjas douradas. Havia sobre o console um grande crucifixo de marfim e, sobre a lareira, o livro do Papa, do sr. de Maistre, com a lombada dourada e magnificamente encadernado. Julien abriu-o para não dar a impressão de escutar. De quando em quando falavam muito alto na peça vizinha. Finalmente a porta abriu-se, chamaram-no.

– Considerem, senhores, dizia o presidente, que a partir desse momento falamos diante do duque de ***. Este senhor, e apontou Julien, é um jovem levita, devotado à nossa causa, e que transmitirá facilmente, com auxílio de sua memória espantosa, até nossas menores palavras.

A palavra é do senhor, disse ele, indicando a figura de ar paternal e que vestia três ou quatro coletes.
Julien achou que teria sido mais natural chamá-lo o senhor dos coletes. Pegou o papel e escreveu muito.
(Aqui, o autor teria preferido colocar uma página de reticências. Isso ficaria sem graça, diz o editor, e, para um escrito tão frívolo, a falta de graça seria mortal.

– A política, responde o autor, é uma pedra atada ao pescoço da literatura e que, em menos de seis meses, a submerge. A política em meio aos interesses da imaginação é como um tiro de pistola em meio a um concerto. É um ruído dilacerante sem ser enérgico. Não combina com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente uma metade dos leitores e aborrecer a outra, que, ao contrário, a julgou especial e enérgica no jornal da manhã...

– Se seus personagens não falarem de política, retoma o editor, não são mais franceses de 1830, e seu livro não é mais um espelho, como pretende que seja...)

A ata de Julien tinha vinte e seis páginas; eis aqui um resumo muito pálido; pois foi preciso, como sempre, suprimir os ridículos cujo excesso teria parecido odioso ou pouco verossímil (ver a Gazette des Tribunaux).
O homem dos coletes e de ar paternal (talvez fosse um bispo) sorria com frequência, e então seus olhos, cercados de pálpebras empapuçadas, adquiriam um brilho singular e uma expressão menos indecisa que de costume. Essa figura, que fizeram falar primeiro perante o duque (mas que duque?, pensava Julien), aparentemente para expor as opiniões e fazer as funções de procurador-geral, pareceu a Julien cair na incerteza e na ausência de conclusões firmes de que esses magistrados são geralmente acusados. No correr da discussão, o próprio duque chegou a reprovar-lhe isso.
Depois de várias frases de moral e de indulgente filosofia, o homem dos coletes disse:

– A nobre Inglaterra, guiada por um grande homem, o imortal Pitt, gastou quarenta bilhões de francos para combater a revolução. Se esta assembleia me permite abordar com alguma franqueza uma triste ideia, a Inglaterra não compreendeu bem que, com um homem como Bonaparte, sobretudo quando não havia a opor-lhe senão uma coleção de boas intenções, apenas os meios pessoais eram decisivos...

– Ah! Ainda o elogio do assassinato!, disse o dono da casa, com um ar inquieto.

– Poupe-nos suas homilias sentimentais, exclamou com irritação o presidente; seu olhar de javali emitiu um brilho feroz. Continue, disse ao homem dos coletes. A face e a testa do presidente tornaram-se púrpura.

– A nobre Inglaterra, retomou o relator, está esmagada hoje, pois cada inglês, antes de pagar seu pão, é obrigado a pagar os juros dos quarenta bilhões de francos que foram empregados contra os jacobinos. Ela não tem mais um Pitt...

– Ela tem o duque de Wellington, disse um personagem militar, assumindo um ar de muita importância.

– Por favor, senhores, silêncio! exclamou o presidente; se continuarmos discutindo, terá sido inútil fazer entrar o sr. Sorel.

– Sabemos que o senhor tem muitas ideias, disse o duque com acidez, olhando para o interruptor, ex-general de Napoleão. Julien notou que essa frase fazia alusão a algo de pessoal e de muito ofensivo. Todos sorriram; o general trânsfuga pareceu mordido de raiva.

– Não há mais Pitt, senhores, continuou o relator com o ar desanimado de um homem que desespera de chamar à razão os que o escutam. Surgisse um novo Pitt na Inglaterra, não se engana duas vezes uma nação pelos mesmos meios...

– É por isso que um general vencedor, um Bonaparte, é agora impossível na França, exclamou o interruptor militar.

Desta vez, nem o presidente nem o duque ousaram protestar, embora Julien acreditasse ler nos olhos deles que tinham muita vontade disso. Eles baixaram os olhos, e o duque contentou-se de suspirar de forma a ser ouvido por todos.
Mas o relator irritara-se.

– Têm pressa de me ver terminar, disse ele, com calor e deixando completamente de lado a polidez sorridente e a linguagem comedida que Julien acreditara ser a expressão de seu caráter: têm pressa de me ver terminar; não levam em conta os esforços que faço para não ofender as orelhas de ninguém, não importa o tamanho que possam ter. Pois bem, senhores, serei breve. E vos direi em palavras bem vulgares: a Inglaterra não tem mais um vintém a serviço da boa causa. Se o próprio Pitt retornasse, mesmo com todo o seu gênio não conseguiria ludibriar os pequenos proprietários ingleses, pois estes sabem que a campanha de Waterloo custou-lhes, somente ela, um bilhão de francos. Já que querem frases claras, acrescentou o relator, animando-se cada vez mais, eu vos direi: Ajudai a vós mesmos, pois a Inglaterra não tem um guinéu à nossa disposição, e quando a Inglaterra não paga, a Áustria, a Rússia, a Prússia, que têm apenas coragem e nenhum dinheiro, não podem fazer contra a França mais de uma campanha ou duas. Pode-se esperar que os jovens soldados reunidos pelo jacobinismo serão batidos na primeira campanha, talvez na segunda; mas, na terceira, mesmo que eu passe por um revolucionário a vossos olhos prevenidos, na terceira tereis os soldados de 1794, que não eram mais os camponeses arregimentados de 1792.

Aqui a interrupção partiu de três ou quatro pontos ao mesmo tempo.

– Senhor, disse o presidente a Julien, vá passar a limpo na peça ao lado o começo da ata que está escrevendo. Julien saiu, para seu grande pesar. O relator acabava de abordar probabilidades que eram o tema de suas meditações habituais.

Estão com medo de que eu zombe deles, pensou. Quando o chamaram de volta, o sr. de La Mole dizia, com uma seriedade que, para Julien que o conhecia, parecia muito divertida:

– ...Sim, senhores, é sobretudo desse povo infeliz que se pode dizer:

Será ele deus, mesa ou bacia?

Ele será deus!, exclama o fabulista. É a vós, senhores, que parece pertencer essa frase tão nobre e tão profunda. Agi por vós mesmos, e a nobre França ressurgirá mais ou menos como nossos antepassados a fizeram e como nossos olhares ainda a viram antes da morte de Luís XVI. A Inglaterra, seus nobres lordes pelo menos, execra tanto quanto nós o ignóbil jacobinismo: sem o ouro inglês, a Áustria, a Rússia, a Prússia não podem travar mais que duas ou três batalhas. Será isso o suficiente para levar a uma ocupação exitosa, como a que o sr. de Richelieu desperdiçou tão estupidamente em 1817? Eu não creio.
Aqui houve interrupção, mas abafada pelos “psiu” de todos. Ela partia ainda do velho general imperial, que almejava a fita azul e queria destacar-se entre os redatores da nota secreta.

– Eu não creio, retomou o sr. de La Mole depois do tumulto. Ele insistiu no Eu, com uma insolência que encantou Julien. Eis uma bela jogada, ele pensava enquanto fazia correr a pena quase tão depressa quanto o discurso do marquês. Com uma frase bem dita, o sr. de La Mole aniquilou as vinte campanhas desse trânsfuga.

Não é somente no estrangeiro, continuou o marquês num tom mais comedido, que podemos ter a necessidade de uma nova ocupação militar. Toda essa juventude que escreve artigos incendiários no Le Globe vos dará três ou quatro mil jovens capitães, entre os quais podem estar um Kléber, um Hoche, um Jourdan, um Pichegru, mas menos bem-intencionado.

– Não soubemos construir-lhe a glória, disse o presidente, era preciso mantê-lo imortal.

– É preciso enfim que haja na França dois partidos, retomou o sr. de La Mole, mas dois partidos não apenas de nome, dois partidos bem nítidos, definidos. Saibamos quem é preciso esmagar. De um lado, os jornalistas, os eleitores, a opinião, numa palavra: a juventude e todos os que a admiram. Enquanto ela se atordoa com o ruído de suas palavras vãs, nós, nós temos a vantagem certa de consumir o orçamento.

Aqui, mais uma interrupção.

– O senhor, disse o marquês ao interruptor, com uma altivez e um desembaraço admiráveis, o senhor não consome, se a palavra o choca, o senhor devora quarenta mil francos destinados ao orçamento do Estado e oitenta mil que recebe de emolumentos.

Perdoe-me, senhor, já que me força a isso, se o tomo ousadamente como exemplo. Como seus nobres antepassados que acompanharam são Luís na Cruzada, o senhor deveria, por esses cento e vinte mil francos, mostrar-nos ao menos um regimento, uma companhia, que digo? Meia companhia, nem que fossem apenas cinquenta homens dispostos a combater e devotados à boa causa, para a vida e a morte. O senhor tem apenas lacaios que, em caso de revolta, ao senhor mesmo amedrontariam.
O trono, o altar, a nobreza podem perecer amanhã, senhores, enquanto não tiverdes criado em cada departamento uma força de quinhentos homens devotados; mas digo devotados não apenas com a bravura francesa, mas também com a constância espanhola. A metade dessa tropa deve ser formada por nossos filhos, nossos sobrinhos, verdadeiros fidalgos, enfim. Cada um deles terá a seu lado, não um pequeno burguês tagarela, pronto a usar a fita tricolor se 1815 apresenta-se de novo, mas um bom camponês, simples e franco como Chatelineau; nosso fidalgo o terá doutrinado, ele será seu irmão de leite, se possível. Que cada um de nós sacrifique um quinto de seus rendimentos para formar esse pequeno grupo devotado de quinhentos homens por departamento. Então podereis contar com uma ocupação estrangeira. O soldado estrangeiro jamais penetrará até Dijon se não tiver certeza de encontrar quinhentos soldados amigos em cada departamento. Os reis estrangeiros só vos escutarão quando anunciardes a eles vinte mil fidalgos prontos a pegar em armas para abrir as portas da França. Esse serviço é penoso, direis; senhores, nossa cabeça está a prêmio. Entre a liberdade de imprensa e nossa existência como fidalgos, há uma guerra de morte. Tornai-vos operários, camponeses, ou pegai vosso fuzil. Podeis ser tímidos, se quiserdes, mas não sejais estúpidos; abri os olhos. Formai vossos batalhões, eu vos diria com a canção dos jacobinos; então haverá algum nobre GUSTAVO ADOLFO que, percebendo o perigo iminente do princípio monárquico, lançar-se-á a trezentas léguas de seu país e fará por vós o que Gustavo fez pelos príncipes protestantes. Quereis continuar a falar sem agir? Dentro de cinquenta anos não haverá mais na Europa senão presidentes da república, e nenhum rei. E com essas três letras, R, E, I, desaparecem os padres e os fidalgos. Não vejo senão candidatos fazendo a corte a maiorias enlameadas.
De nada adiantará dizer que a França não tem, neste momento, um general acreditado, conhecido e amado de todos, que o exército não está organizado senão no interesse do trono e do altar, que lhe tiraram todos os veteranos, enquanto cada um dos regimentos prussianos conta com cinquenta suboficiais que viram a batalha. Duzentos mil jovens pertencentes à pequena burguesia estão apaixonados pela guerra...

– Basta de verdades desagradáveis, disse num tom suficiente uma austera figura, aparentemente muito elevada nas dignidades eclesiásticas, pois o sr. de La Mole sorriu agradavelmente em vez de zangar-se, o que foi um sinal importante para Julien.

Basta de verdades desagradáveis. Resumamos, senhores: seria impróprio ao homem que precisa cortar uma perna gangrenada dizer a seu cirurgião: essa perna doente está muito sã. Permitam-me a expressão, senhores, o nobre duque de *** é nosso cirurgião.
Eis finalmente o grande nome pronunciado, pensou Julien; é para... que galoparei esta noite.

continua página 265...

_____________________

_____________________

ADVERTÊNCIA DO EDITOR

Esta obra estava prestes a ser publicada quando os grandes acontecimentos de julho [de 1830] vieram dar a todos os espíritos uma direção pouco favorável aos jogos da imaginação. Temos motivos para acreditar que as páginas seguintes foram escritas em 1827.

_______________________

Henri-Marie Beylemais conhecido como Stendhal (Grenoble, 23 de janeiro de 1783 — Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.
Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.
Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.
"Dandy" afamado, frequentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com as suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou Sobre o amor, ensaio baseado em boa parte nas suas próprias experiências e no qual exprimia ideias bastante avançadas; destaca a sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade aos seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.
Estabeleceu o seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e às duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu a sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação económica, a morte do conde de Daru, no ano seguinte, afetou-o particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.
Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O Vermelho e o Negro, uma crónica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições da sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica das personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca do que a sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só tivesse recebido o elogio de Honoré de Balzac.
Ambas são novelas de aprendizagem e partilham rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado pelo seu isolamento da sociedade e o seu confronto com as suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.
Outra importante obra de Stendhal é Napoleão, na qual o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registos referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo a sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergência de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez, que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir a sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois da sua morte.

O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só se iniciou cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842, na cidade de Paris.

_______________________

Leia também:

O Vermelho e o Negro: Uma Hora da Madrugada (XVI)
O Vermelho e o Negro: Uma Velha Espada (XVII)
O Vermelho e o Negro: A Discussão (XXII)

Nenhum comentário:

Postar um comentário