Hannah Arendt
Parte III
TOTALITARISMO
Os homens normais não sabem que tudo é possível.
David Rousset
A propaganda totalitária aperfeiçoa as técnicas da propaganda de massa, mas não lhe inventa os
temas. Estes foram preparados pelos cinquenta anos de imperialismo e desintegração do Estado
nacional, quando a ralé adentrou o cenário da política europeia. Tal como os primeiros líderes
da ralé, os porta-vozes dos movimentos totalitários tinham um modo infalível de distinguir tudo
aquilo que a propaganda partidária comum ou a opinião pública evitava ou não ousava abordar.
Tudo o que fosse oculto, tudo o que fosse mantido em silêncio adquiria grande importância,
qualquer que fosse o seu valor intrínseco. A ralé realmente acreditava que a verdade era tudo
aquilo que a sociedade respeitável houvesse hipocritamente escamoteado ou acobertado com a
corrupção.
O primeiro critério para a .escolha dos tópicos era o mistério em si. A origem do mistério não
importava; podia estar num desejo de segredo razoável e politicamente compreensível, como no
caso dos Serviços Secretos Britânicos ou do Deuxième Bureau francês; ou na necessidade
conspiratória de grupos revolucionários, como no caso das seitas anárquicas e terroristas; ou na
estrutura de sociedades secretas, embora seu conteúdo secreto já fosse conhecido e somente o
ritual formal retivesse ainda o antigo mistério, como no caso da maçonaria; ou em superstições
antiquíssimas que haviam gerado lendas em torno de certos grupos, como no caso dos jesuítas e
judeus. Os nazistas eram, sem dúvida, mestres na escolha desses tópicos para uso em
propaganda de massa; mas os bolchevistas pouco a pouco aprenderam-lhes os truques, embora
confiassem menos em mistérios tradicionalmente aceitos e preferissem suas próprias invenções;
desde meados da década de 30, uma misteriosa conspiração mundial tem seguido outra na
propaganda bolchevista, a começar pelo complô dos trotskistas, passando pelo domínio das
trezentas famílias, até as sinistras maquinações imperialistas dos serviços secretos britânicos e
americanos.[29]
A eficácia desse tipo de propaganda evidencia uma das principais características das massas
modernas. Não acreditam em nada visível, nem na realidade da sua própria experiência; não
confiam em seus olhos e ouvidos, mas apenas em sua imaginação, que pode ser seduzida por
qualquer coisa ao mesmo tempo universal e congruente em si. O que convence as massas não
são os fatos, mesmo que sejam fatos inventados, mas apenas a coerência com o sistema do qual
esses fatos fazem parte.
O que as massas se recusam a compreender é a fortuidade de que a realidade é feita.
Predispõem-se a todas as ideologias porque estas explicam os fatos como simples exemplos de
leis e ignoram as coincidências, inventando uma onipotência que a tudo atinge e que
supostamente está na origem de todo acaso. A propaganda totalitária prospera nesse clima de
fuga da realidade para a ficção, da coincidência para a coerência.
A principal desvantagem da propaganda totalitária é que não pode satisfazer esse anseio das
massas por um mundo completamente coerente, compreensível e previsível sem entrar em sério
conflito com o bom senso. Se, por exemplo, todas as "confissões" de inimigos políticos na
União Soviética empregam os mesmos termos e admitem os mesmos motivos, as massas,
sedentas de coerência, aceitam a ficção como prova suprema da veracidade dos fatos; no
entanto, o bom senso nos diz que é exatamente essa coerência que é irreal, demonstrando que as
confissões são falsas. De modo figurado, é como se as massas exigissem uma repetição
constante do milagre da Septuaginta, quando — segundo a lenda aceita pelo judaísmo e
cristianismo — setenta sábios alexandrinos, isolados entre si, apresentaram a mesma idêntica
tradução grega do Velho Testamento. O bom senso só pode aceitar essa história como lenda,
mas ela também pode ser tomada como prova da absoluta e divina fidelidade de cada palavra do
texto traduzido.
Em outras palavras, embora seja verdade que as massas são obcecadas pelo desejo de fugirem
da realidade porque, privadas de um lugar no mundo, já não podem suportar os aspectos
acidentais e incompreensíveis dessa situação, também é verdade que a sua ânsia pela ficção tem
algo a ver com aquelas faculdades do espírito humano cuja coerência estrutural transcende a
mera ocorrência. Fugindo à realidade, as massas pronunciam um veredicto contra um mundo no
qual são forçadas a viver e onde não podem existir, uma vez que o acaso é o senhor supremo
deste mundo e os seres humanos necessitam transformar constantemente as condições do caos e
do acidente num padrão humano de relativa coerência. A revolta das massas contra o
"realismo", o bom senso e todas "as plausibilidades do mundo" (Burke) resultou da sua
atomização, da perda de seu status social, juntamente com todas as relações comunitárias em
cuja estrutura o bom senso faz sentido. Em sua condição de deslocados espirituais e sociais, um
conhecimento medido da interdependência entre o arbitrário e o planejado, entre o acidental e o
necessário, já não produz efeito. A propaganda totalitária pode insultar o bom senso somente quando o bom senso perde a sua validade.
Entre enfrentar a crescente decadência, com a sua anarquia e total arbitrariedade, e curvar-se
ante a coerência mais rígida e fantasticamente fictícia de uma ideologia, as massas
provavelmente escolherão este último caminho, dispostas a pagar por isso com sacrifícios
individuais — não porque sejam estúpidas ou perversas, mas porque, no desastre geral, essa
fuga lhes permite manter um mínimo de respeito próprio.
Enquanto a propaganda nazista especializava-se em tirar proveito do anseio das massas pela
coerência, os métodos bolchevistas demonstraram claramente o seu impacto sobre o homem de
massa isolado. A polícia secreta soviética, tão ávida de convencer suas vítimas a assumirem
responsabilidade por crimes que nunca cometeram e que, em muitos casos, nem sequer estavam
em posição de cometer, isola e elimina completamente todos os fatores, reais, de sorte que a
própria lógica, a própria congruência da "estória" contida na confissão forjada, se torna
irrefutável. Diante de uma situação na qual a linha divisória entre a ficção e a realidade é
apagada pela inerente coerência da acusação, é indispensável não apenas a firmeza de caráter
para resistir a constantes ameaças, mas também uma grande dose de confiança na existência de
semelhantes — parentes, amigos ou vizinhos — que nunca acreditarão na "estória", para que se
resista à tentação de ceder a uma abstrata possibilidade de culpa.
É verdade que esse extremo de loucura artificialmente forjada só pode ser atingido num mundo
inteiramente totalitário. No entanto, já hoje faz parte do aparelho de propaganda dos regimes
totalitários, onde as confissões não são indispensáveis para levarem à punição. As "confissões"
são uma especialidade do regime bolchevista, como o curioso pedantismo da legalização de
crimes por meio de leis retrospectivas e retroativas era especialidade do sistema nazista. Em
ambos os casos, o objetivo é a coerência.
Antes de tomarem o poder e criarem um mundo à imagem da sua doutrina, os movimentos
totalitários invocam esse falso mundo de coerências, que é mais adequado às necessidades da
mente humana do que a própria realidade; nele, através de pura imaginação, as massas
desarraigadas podem sentir-se à vontade e evitar os eternos golpes que a vida e as experiências
verdadeiras infligem aos seres humanos e às suas expectativas. A força da propaganda totalitária
— antes que os movimentos façam cair cortinas de ferro para evitar que alguém perturbe, com a
mais leve realidade, a horripilante quietude de um mundo completamente imaginário — reside
na sua capacidade de isolar as massas do mundo real. Os únicos sinais que o mundo real ainda
oferece à compreensão das massas desintegradas e em desintegração — que se tornam mais
crédulas a cada golpe de má sorte — são, por assim dizer, as suas lacunas, as perguntas que ele
prefere não discutir em público, os boatos que não ousa contradizer porque ferem, embora de
modo exagerado e distorcido, algum ponto fraco.
Ê desses pontos fracos que as mentiras da propaganda totalitária extraem o elemento de
veracidade e experiência real de que necessitam para transpor o abismo entre a realidade e a
ficção. Só o terror poderia confiar na mera ficção, mas mesmo as ficções sustentadas pelo terror dos regimes totalitários ainda não se tornaram
completamente arbitrárias, embora sejam geralmente mais grosseiras, mais descaradas e mais
originais que as ficções geradas pelos movimentos. (É preciso ter força, não talento
propagandístico, para fazer circular uma história revisada da Revolução Russa na qual nenhum
homem chamado Trótski jamais foi comandante-em-chefe do Exército Vermelho.) Já as
mentiras dos movimentos são muito mais sutis. Atêm-se a todo aspecto da vida social e política
que esteja oculto aos olhos do público. Conseguem maior sucesso onde as autoridades oficiais
vivam numa atmosfera de segredo. Aos olhos da massa, adquirem então a reputação de
"realismo" superior, porque se referem.! supostas condições reais, cuja existência vinha sendo
ocultada. A revelação de escândalos na alta sociedade, de corrupção de homens públicos, tudo ó
que interessa à imprensa marrom, se torna em suas mãos uma arma de importância mais que
sensacional.
A mais eficaz ficção da propaganda nazista foi a história de uma conspiração mundial judaica.
Concentrar-se em propaganda antissemita era expediente comum dos demagogos desde fins do
século XIX, e muito difundido na Alemanha e na Áustria na década de 1920. Quanto mais
constantemente os partidos e órgãos da opinião pública evitavam discutir a questão judaica,
mais a ralé se convencia de que os judeus eram os verdadeiros representantes das autoridades
constituídas, e de que a questão judaica era o símbolo da hipocrisia e da desonestidade de todo o
sistema.
O verdadeiro conteúdo da propaganda antissemita do pós-guerra [depois de 1918] não era
monopólio dos nazistas nem particularmente novo e original. Mentiras acerca de uma
conspiração mundial judaica haviam sido veiculadas desde o Caso Dreyfus, e baseavam-se na
inter-relação e interdependência do povo judaico disseminado por todo o mundo. Mais antigas
ainda são as noções exageradas do poder mundial dos judeus; encontramo-las em fins do século
XVIII, quando a estreita relação entre os comerciantes judeus e os Estados-nações se tornou
visível. A apresentação de "o judeu" como a encarnação do mal é geralmente atribuída a
vestígios e supersticiosas lembranças da Idade Média, mas na verdade tem íntima ligação com o
papel mais recente e mais ambíguo que os judeus representaram na sociedade europeia depois
da sua emancipação. Uma coisa era inegável: no período do pós-guerra, os judeus haviam se
tornado mais proeminentes do que nunca.
Mas, no tocante aos próprios judeus, o fato é que se haviam tornado mais proeminentes e mais
notórios na razão inversa da sua verdadeira influência e posição de poder. Cada perda de
estabilidade e de força dos Estados-nações era um golpe direto contra a posição dos judeus. A
conquista do Estado pela nação, parcialmente bem-sucedida, tornou impossível à máquina
governamental manter a sua posição acima de todas as classes e partidos, e anulou o valor da
aliança com o segmento judaico da população, o qual, ademais, era rechaçado da estrutura
estatal, que se pretendia uniformemente nacional, e mantido fora dos escalões sociais; assim,
permanecia indiferente à política dos partidos. A crescente preocupação da burguesia imperialista com a política externa e à sua crescente
influência sobre a máquina estatal seguiu-se a firme recusa, por parte daquele setor judaico que
realmente concentrava riquezas, de se engajar em indústrias e abandonar a tradição do comércio
de capitais. A soma de todos esses fatores quase acabou com a utilidade econômica, para o
Estado, dos judeus como um grupo e com a vantagem, para os judeus, da sua separação social.
Depois da Primeira Guerra Mundial, as comunidades judaicas da Europa central foram
assimiladas e incorporadas à nação, como ocorreu à comunidade judaica da França durante as
primeiras décadas da Terceira República.
O grau de consciência dos Estados interessados dessa nova situação veio à luz quando, em
1917, o governo da Alemanha, seguindo uma antiga tradição, tentou usar os seus judeus para
negociações experimentais de paz com os aliados. Em lugar de se dirigir aos líderes
estabelecidos das comunidades judaicas alemãs, o governo apelou para a pequena e
relativamente pouco influente minoria sionista, que ainda gozava da sua confiança porque
insistia na existência de um povo judaico independente de cidadania, e da qual, portanto, se
poderiam esperar serviços que dependessem de conexões internacionais. Isso, porém, como se
verificou mais tarde, foi um erro do governo alemão. Os sionistas fizeram algo que nenhum dos
banqueiros judeus havia feito antes: estabeleceram as suas próprias condições e disseram ao
governo que só negociariam a paz sem anexações ou reparações.[30] Já não existia a velha
indiferença dos judeus pela política; a maioria dos judeus já não podia ser usada, pois não estava
mais isolada da nação em cujo seio vivia, e a minoria sionista era inútil, porque tinha ideias
políticas próprias.*
A substituição dos governos monárquicos pela república na Europa central completou a
desintegração das comunidades judaicas da região, do mesmo modo que a criação da Terceira
República o havia feito na França cerca de cinquenta anos antes. Os judeus já haviam perdido
grande parte da sua influência quando os novos governos se estabeleceram em condições nas
quais não tinham poder para proteger os judeus nem interesse em fazê-lo. Por ocasião das
negociações de paz em Versalhes, os judeus foram usados principalmente como peritos, e
mesmo certos antissemitas admitiram que os pequenos escroques judeus da era do pós-guerra,
dos quais muitos eram recém-chegados aos países em que agiam (e atrás de cujas atividades
fraudulentas, que os distinguiam claramente dos seus correligionários nativos, havia uma atitude
vagamente semelhante à antiga indiferença pelas normas do meio ambiente em que passavam a
viver), não tinham quaisquer conexões com os representantes de uma suposta internacional
judaica.[31]
Em meio a um grande número de grupos antissemitas concorrentes e numa atmosfera carregada
de anti-semitismo, a propaganda nazista elaborou um método específico de tratar esse assunto,
método diferente e superior a todos os outros. Não obstante, nenhum dos slogans nazistas era
novo — nem mesmo a astuta imagem oferecida por Hitler de uma luta de classes provocada
pelo comerciante judeu que explorava os trabalhadores, enquanto outro judeu, na fábrica, os
incitava a entrarem em greve.[32] O único elemento novo era que o nazismo exigia prova de
ascendência não-judaica aos candidatos a membros do Partido. Ademais, o nazismo sempre foi,
não obstante o programa de Feder, extremamente vago quanto às verdadeiras medidas que
tomaria contra os judeus quando galgasse o poder.[33] Os nazistas deram à questão judaica a
posição central na sua propaganda, no sentido de que o antissemitismo já não era uma questão
de opinião acerca de um povo diferente da maioria, nem uma questão de política nacional,[34] mas
sim a preocupação íntima de todo indivíduo na sua existência pessoal; ninguém podia pertencer
ao partido se a sua "árvore genealógica" não estivesse em ordem, e quanto mais alto o posto na
hierarquia nazista, mais longe no passado se vasculhava essa árvore genealógica.[35] Do mesmo
modo, embora sem tanta coerência, o bolchevismo alterou a doutrina marxista da inevitável vitória final do proletariado, organizando os seus membros como
"proletários de nascença" e tornando vergonhoso e escandaloso descender de qualquer outra
classe.[36]
A propaganda nazista foi suficientemente engenhosa para transformar o antissemitismo em
princípio de auto definição, libertando-o assim da inconstância de uma mera opinião. Usou a
persuasão da demagogia de massa apenas como fase preparatória, e nunca superestimou sua
duradoura influência, fosse em discursos ou por escrito.[37] Isso deu às massas de indivíduos
atomizados, indefiníveis, instáveis e fúteis um meio de se auto definirem e identificarem, não
somente restaurando a dignidade que antes lhes advinha da sua função na sociedade, como
também criando uma espécie de falsa estabilidade que fazia deles melhores candidatos à
participação ativa. Através desse tipo de propaganda, o movimento podia apresentar-se como
extensão artificial das reuniões de massa, e racionalizar os fúteis sentimentos de empáfia e de
histérica segurança que oferecia aos indivíduos isolados de uma sociedade atomizada.38
Percebia-se a mesma engenhosa aplicação de slogans, criados por terceiros e já experimentados
antes, no tratamento que os nazistas davam a outras questões importantes. Quando a atenção
pública concentrou-se no nacionalismo, de um lado, e no socialismo, de outro, quando se
julgava que os dois eram incompatíveis e constituíam a verdadeira linha divisória ideológica
entre a Direita e a Esquerda, o "Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães"
(nazista) ofereceu uma síntese que supostamente levaria à unidade nacional, uma solução
semântica cuja dupla marca registrada — "alemão" e "trabalhador" — ligava o nacionalismo da
Direita ao internacionalismo da Esquerda. O próprio nome do movimento nazista esvaziava
politicamente todos os outros partidos, e pretendia implicitamente incorporá-los a todos^
Misturas de doutrinas políticas supostamente antagônicas (nacional-socialista, social-cristã etc.)
já haviam sido experimentadas antes com sucesso; mas os nazistas deram tal realidade prática à
sua mistura que toda a luta parlamentar entre os socialistas e os nacionalistas, entre aqueles que
pretendiam ser trabalhadores em primeiro lugar e aqueles que em primeiro lugar eram alemães,
parecia uma farsa destinada a ocultar motivos ulteriores e sinistros — pois o membro do
movimento nazista não era tudo isso e de uma só vez?
É interessante notar que, mesmo no seu começo, os nazistas sempre tiveram a prudência de não
usar slogans que, como democracia, república, ditadura ou monarquia, indicassem uma forma
específica de governo.[39] É como se, pelo menos nesse assunto, sempre soubessem que iriam ser
completamente originais. Toda discussão a respeito da verdadeira forma do seu futuro governo
podia ser rejeitada como conversa fiada a respeito de meras formalidades — pois o Estado,
segundo Hitler, era apenas um "meio" para a preservação da raça, do mesmo modo como,
segundo a propaganda bolchevista, o Estado é apenas um instrumento na luta de classes.[40] De outro modo curioso e indireto, porém, os nazistas deram uma resposta propagandística à
pergunta sobre qual seria o seu futuro papel, e o fizeram pela maneira como analisaram os
"Protocolos, dos sábios do Sião" como modelo para a futura organização das massas alemãs
num "império mundial". Não foram apenas os nazistas que usaram os Protocolos; centenas de
milhares de cópias foram vendidas na Alemanha após a guerra de 1918, e a sua franca adoção
como manual político sequer constituía novidade.[41] A fraude, porém, era usada principalmente
com a finalidade de denunciar os judeus e despertar a ralé para os perigos do domínio judaico.[42] Em termos de mera propaganda, a descoberta dos nazistas foi que as massas não receavam tanto que os judeus dominassem o mundo, quanto
estavam interessadas em saber como isso podia ser feito; que a popularidade dos Protocolos se
baseava mais na admiração e na avidez de aprender, do que no ódio; e que seria boa ideia adotar
algumas de suas principais fórmulas, como no caso do famoso slogan "O direito é aquilo que é
bom para o povo alemão", que foi copiado das palavras dos Protocolos: "tudo o que beneficia o
povo judaico é moralmente correto e sagrado".[43]
Em muitos sentidos, os Protocolos são um documento curioso e digno de nota. À parte o seu
maquiavelismo barato, sua característica política essencial é que, de modo um tanto doido,
abordam todas as questões políticas importantes da época. São por princípio antinacionais e
pintam o Estado-nação como um colosso de pés de barro. Rejeitam a soberania nacional e
acreditam, como Hitler disse certa vez, num império mundial à base de uma nação.[44] Não se
satisfazem com a revolução num determinado país, mas visam à conquista e domínio do mundo.
Prometem que, a despeito da inferioridade em número, território e poder estatal, o seu povo
poderá conquistar o mundo através da mera organização. É certo que parte de sua força
persuasiva se deve a superstições muito antigas. A noção da existência ininterrupta de uma seita
internacional que luta pelos mesmos objetivos revolucionários desde a Antiguidade é muito
velha[45] e desempenhou certo papel na literatura política clandestina desde a Revolução
Francesa, embora não tivesse ocorrido a nenhum escritor do fim do século XVIII que a "seita
revolucionária", essa "nação peculiar (...) em meio a todas as nações civilizadas", pudesse ser o
povo judeu.[46]
O que mais atraía as massas nos Protocolos era o tema de uma conspiração global, que
correspondia à nova situação de forças. (Logo no início da sua carreira, Hitler prometeu que o
movimento nazista iria "transcender os estreitos limites do nacionalismo moderno",[47] e já
durante a guerra houve tentativas dentro da SS de riscar a palavra "nação" do vocabulário
nacional-socialista.) Só as potências mundiais pareciam ter ainda uma chance de sobrevivência
independente e só a política global parecia poder conseguir resultados duradouros. É bastante
compreensível que essa situação assustasse as nações menores que não eram potências
mundiais. Os Protocolos pareciam apontar uma solução que não dependia de condições
objetivas e inalteráveis, mas apenas do poder da organização.
A propaganda nazista, em outras palavras, descobriu no "judeu supranacional porque
intensamente nacional"[48] o precursor do conquistador germânico do mundo, e assegurou às
massas que "as nações que primeiro conhecerem o judeu pelo que é, e forem as primeiras a
combatê-lo, tomarão o seu lugar no domínio mundial".[49] A ilusão de um domínio mundial
judeu já existente constituiu a base da ilusão do futuro domínio mundial alemão. Isto era o que
Himmler tinha em mente quando disse que "devemos a arte de governar aos judeus", ou seja,
aos Protocolos que "o Führer sabia de cor".[50] Assim, os Protocolos apresentavam a conquista
mundial como uma possibilidade prática, insinuavam que tudo era apenas uma questão de know
how inspirado ou astuto, e que o único obstáculo à vitória alemã sobre o mundo inteiro era um
povo sabidamente pequeno, os judeus, que dominava sem possuir instrumentos de violência —
um adversário fácil, portanto, uma vez que se desvendasse o seu segredo e se emulasse o seu
método em maior escala.
A propaganda nazista concentrou toda essa nova e promissora visão num só conceito, que
chamou de Volksgemeinschaft. Essa nova comunidade, tentativamente concretizada no
movimento nazista na atmosfera pré-totalitária baseava-se na absoluta igualdade de todos os alemães, igualdade não de direitos, mas de natureza,
e na suprema diferença que os distinguia de todos os outros povos.[51] Depois que os nazistas
chegaram ao poder, esse conceito gradualmente perdeu a sua importância e cedeu lugar, por um
lado, a um desprezo geral pelo povo alemão (desprezo que os nazistas sempre haviam nutrido,
mas que não podiam demonstrar até então em público[52]) e, por outro lado, a um grande desejo
de aumentarem os próprios escalões com "arianos" de outros países, ideia que não tivera muita
importância na fase da propaganda nazista anterior à tomada do poder.[53] A Volksgemeinschaft
era apenas a preparação propagandística para uma sociedade racial "ariana" que, no fim, teria
destruído todos os povos, inclusive os alemães.
Até certo ponto, a Volksgemeinschaft era a tentativa nazista de combater a promessa comunista
de uma sociedade sem classes. A vantagem propagandística da primeira sobre a segunda parece
clara, se desprezarmos todas as implicações ideológicas. Embora ambas prometessem acabar
com todas as diferenças sociais e de propriedade, a sociedade sem classes tinha a conotação
óbvia de que todos desceriam ao nível de um empregado de fábrica, enquanto a
Volksgemeinschaft, com a sua conotação de conspiração para a conquista mundial, oferecia uma
razoável esperança de que todo alemão poderia vir a ser um dono de fábrica. Mas a vantagem
ainda maior da Volksgemeinschaft era que a sua criação não precisava esperar por alguma data
futura e não dependia de condições objetivas: podia ser realizada imediatamente no mundo
fictício do movimento.
O verdadeiro objetivo da propaganda totalitária não é a persuasão mas a organização, o
"acúmulo da força sem a posse dos meios de violência".[54] Para esse fim, a originalidade do
conteúdo ideológico só pode ser considerada como dificuldade desnecessária. Não foi por acaso
que os dois movimentos -totalitários do nosso tempo, tão assustadoramente "novos" em seus
métodos de domínio e engenhosos em suas formas de organização, nunca prepararam uma
doutrina nova, nunca inventaram uma ideologia que já não fosse popular.[55] Não são os sucessos
passageiros da demagogia que conquistam as massas, mas a realidade palpável e a força de uma
"organização viva".[56] Os brilhantes dons de Hitler como orador de massa não lhe conquistaram
a posição que ocupava no movimento, mas levaram os seus oponentes a subestimá-lo como
simples demagogo, enquanto Stálin pôde derrotar o outro orador superior da Revolução Russa.[57] O que distingue os líderes e ditadores totalitários é a obstinada e simplória determinação com
que, entre as ideologias existentes, escolhem os elementos que mais se prestam como
fundamentos para a criação de um mundo inteiramente fictício. A ficção dos Protocolos era tão
adequada quanto a ficção. de uma conspiração trotskista, pois ambas continham um elemento de
plausibilidade — a influência oculta dos judeus no passado, a luta pelo poder entre Trótski e
Stálin — que nem mesmo o mundo fictício do totalitarismo pode de todo dispensar. Sua arte
consiste em usar e, ao mesmo tempo, transcender o que há de real, de experiência demonstrável
na ficção escolhida, generalizando tudo num artifício que passa a estar definitivamente fora de
qualquer controle possível por parte do indivíduo. Com tais generalizações, a propaganda
totalitária cria um mundo fictício capaz de competir com o mundo real, cuja principal
desvantagem é não ser lógico, coerente e organizado. A coerência da ficção e o rigor organizacional permitem que a generalização sobreviva ao desmascaramento de certas mentiras
mais específicas — o poder dos judeus após o seu massacre sem defesa, a sinistra conspiração global dos trotskistas após a sua liquidação na União
Soviética e o assassínio do próprio Trótski.
A obstinação com que os ditadores totalitários se aferram às suas mentiras originais, mesmo diante do
absurdo, deve-se a algo mais que a supersticiosa gratidão àquilo que "funcionou" e, pelo menos no caso
de Stálin, não pode ser explicada pela psicologia do mentiroso, cujo sucesso faz dele próprio a sua última
vítima. Uma vez integrados numa "organização viva", esses slogans de propaganda não podem ser
eliminados sem riscos, sem destruir toda a estrutura. A propaganda totalitária transformou a suposição de
uma conspiração mundial judaica de assunto discutível que era, em principal elemento da realidade
nazista; o fato é que os nazistas agiam como se o mundo fosse dominado pelos judeus e precisasse de
uma contra conspiração para se defender. Para eles, o racismo já não era uma teoria debatível, de duvidoso
valor científico, mas sim a realidade prática de cada dia na hierarquia operante de uma organização
política em cuja estrutura teria sido muito "irrealista" pô-lo em dúvida. Do mesmo modo, o bolchevismo
já não precisa vencer uma discussão a respeito da luta de classes, do internacionalismo e da dependência
incondicional do proletariado em relação ao bem-estar da União Soviética; a organização ativa do
Comintern — até a sua dissolução nessa forma oficial — foi mais convincente do que qualquer
argumento ou mera ideologia.
O motivo fundamental da superioridade da propaganda totalitária em comparação com a propaganda de
outros partidos e movimentos é que o seu conteúdo, pelo menos para os membros do movimento, não é
mais uma questão objetiva a respeito da qual as pessoas possam ter opiniões, mas tornou-se parte tão real
e intocável de sua vida como as regras da aritmética. A organização de toda a textura da vida segundo
uma ideologia só pode realizar-se completamente sob um regime totalitário. Na Alemanha nazista,
duvidar da validade do racismo e do antissemitismo, quando nada importava senão a origem racial,
quando uma carreira dependia de uma fisionomia "ariana" (Himmler costumava selecionar os candidatos
à SS por fotografias) e a quantidade de comida que cabia a uma pessoa dependia do número dos seus avós
judeus, era como colocar em dúvida a própria existência do mundo.
As vantagens de uma propaganda que constantemente empresta à voz fraca e falível do argumento a
"força da organização",[58] e dessa forma realiza, por assim dizer, instantaneamente tudo o que diz, são tão
óbvias que dispensam demonstração. Garantida contra argumentos baseados numa realidade que os
movimentos prometeram mudar, contra uma propaganda adversária desqualificada pelo simples fato de
pertencer ou defender um mundo que as massas ociosas não podem e não querem aceitar, sua inverdade
só pode ser demonstrada por outra realidade mais forte ou melhor.
É no momento da derrota que a fraqueza inerente da propaganda totalitária se torna visível. Sem a força
do movimento, seus membros cessam imediatamente de acreditar no dogma pelo qual ainda ontem
estavam dispostos a sacrificar a vida. Jogo e movimento, isto é, o mundo fictício que as abrigou,
é destruído, as massas revertem ao seu antigo status de indivíduos isolados que aceitam de bom grado
uma nova função num mundo novo ou mergulham novamente em sua antiga e desesperada superfluidade.
Os membros dos movimentos totalitários, inteiramente fanáticos, enquanto o movimento existe, não
seguem o exemplo dos fanáticos religiosos morrendo como mártires, embora estivessem antes tão
dispostos a morrer como robôs,[59] mas abandonam calmamente o movimento como algo que não deu certo
e procuram em torno de si outra ficção promissora, ou esperam até que a velha ficção recupere força
suficiente para criar novo movimento de massa.
A experiência dos aliados, que em vão tentaram localizar um único nazista confesso e convicto entre o
povo alemão, 90% do qual fora sincero simpatizante num ou noutro momento, não deve ser tomada
simplesmente como sinal de fraqueza humana e grosseiro oportunismo. O nazismo, como ideologia, havia
sido "realizado" de modo tão completo que o seu conteúdo deixara de existir como um conjunto
independente de doutrinas. Perdera, assim, a sua existência intelectual; a destruição da realidade,
portanto, quase nada deixou em seu rastro, muito menos o fanatismo dos adeptos.
continua página 412...
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Parte III Totalitarismo (O Movimento Totalitário - {1b} A Propaganda Totalitária)
________________[29] É interessante notar que os bolchevistas, durante a era de Stálin, de certa forma acumularam conspirações, e que
a descoberta de uma nova trama não significava que abandonassem a anterior. A conspiração trotskista começou por
volta de 1930; a das trezentas famílias foi acrescentada no período da Frente Popular na França, a partir de 1935; o
imperialismo britânico foi apontado como verdadeira conspiração durante a aliança Stálin-Hitler; o "Serviço Secreto Americano" seguiu-se-lhe
pouco depois do fim da guerra.
[30] Ver a autobiografia de Chaim Weizmann, Trial and error, Nova York, 1949, p. 185..
(*) Em 1917, para
conquistar as simpatias dos sionistas, disseminados entre os judeus de
todos os países, o governo imperial alemão, apôs a consulta com seu aliado, a Turquia otomana, revelou ser favorável
à colonização judaica na Palestina, com o que pretendia enfraquecer a posição idêntica do governo britânico. (N. E.)
[31] Ver, por exemplo, Otto Bonhard, Jüdische Geld Weltherrschaft?[Domínio financeiro e mundial judaico?], 1926,
p. 57.
[32] Hitler usou esta imagem pela primeira vez em 1922: "Moisés Kohn, por um lado, incita a sua companhia a
recusar as exigências dos trabalhadores, enquanto o seu irmão Isaac na fábrica convida as massas (...) a entrarem em
greve". (Hitler's speeches: 1922-1939, editado por Baynes, Londres, 1942, p. 29). £ digno de nota que nenhuma
coleção completa dos discursos de Hitler jamais foi publicada na Alemanha nazista, de modo que é necessário
recorrer à edição inglesa. Não se trata de mero acaso, como se pode ver da bibliografia compilada por Philipp
Bouhler, Die Reden des Führers nach der Machtübemahme [Os discursos do Führer após a tomada do poder], 1940:
somente os discursos públicos eram impressos verbatim no Võlkischer Beobachter; os outros discursos para o
Fuehrerkorps e outras unidades do partido eram meramente "mencionados" naquele jornal. Não se destinavam de
modo algum à publicação.
[33] Os 25 pontos de Feder continham apenas medidas habituais exigidas por todos os grupos antissemitas: expulsão
do país dos judeus naturalizados e tratamento dos judeus nativos como estrangeiros. A oratória antissemita nazista era
sempre muito mais radical do que o seu programa.
Waldemar Gurian,"Antisemitism in modemGermany", em Essayson antisemitism, editado por Koppel S. Pinson, Nova
York, 1946, p. 243, acentua a falta de originalidade do antissemitismo nazista: "Nenhuma dessas exigências e
opiniões era notável por sua originalidade — eram evidentes em todos os círculos nacionalistas —; o que era notável
era a habilidade demagógica e oratória com que eram apresentadas".
[34] Um exemplo típico de mero antissemitismo nacionalista dentro do próprio partido nazista é Rohm, que escreve:
"E mais uma vez neste ponto a minha opinião difere da do filisteu nacional. Não digo: o Judeu é culpado de tudo!
Nós é que temos a culpa do fato de o judeu poder dominar hoje em dia" (Ernst Ròhm, Die Geschichte eines
Hochverràters, 1933, Volksausgabe, p. 284)..
[35] Os candidatos à SS tinham de vasculhar seus antepassados até o ano de 1750. Os que se candidatavam a
posições de liderança partidária tinham de responder a apenas três perguntas: 1. O que é que você fez pelo Partido? 2.
Você é absolutamente são, física, mental e moralmente? 3. Sua árvore genealógica está em ordem? Ver Naziprimer.
Típico da afinidade entre os dois sistemas é o fato de que a elite e as formações policiais dos bolchevistas — a NKVD
— também exigiam prova da genealogia dos seus membros. Ver F. Beck e W. Godin, Russian purge and the
extraction of confessions, 1951.
[36] As tendências totalitárias do macarthismo nos Estados Unidos também vieram à tona claramente na tentativa de
não apenas perseguir os comunistas, mas de forçar todo cidadão a provar que não era comunista.
[37] "Não se deve exagerar a influência da imprensa (...), ela geralmente diminui à medida que cresce a influência da
organização" (Hadamovsky, op. cit., p. 64). Os "jornais são inúteis quando procuram lutar contra a força agressiva de
uma organização viva" (ibid., p. 65). "As formações de poder que têm sua origem na mera propaganda são instáveis e
podem desaparecer rapidamente a não ser que a violência de uma organização apoie a propaganda" (ibid., p. 21)..
[38] "As reuniões de massa são a forma mais poderosa de propaganda (...) [porque] cada indivíduo se sente mais confiante e mais forte na unidade da massa" (ibid., p. 47). "O entusiasmo do momento torna-se um princípio e uma atitude espiritual através da organização e do treinamento e disciplina sistemáticos" (ibid., pp. 21-2).
[39] Nas poucas vezes em que Hitler
se preocupou com essa questão, costumava acentuar: "Aliás, não sou chefe de
um Estado como o é um ditador ou monarca, mas sou o líder do povo alemão" (ver Ausgewáhlte Reden des Führers
[Discursos escolhidos do Fiihrer], 1939, p. 114). Hans Frank expressa-se no mesmo tom: "O Reich Nacional
Socialista não é um regime ditatorial, e muito menos arbitrário. Baseia-se na lealdade mútua do Führer e do povo" (em Recht und Verwaltung) [Direito e administração], Munique, 1939, p. 15).
[40] Hitler repetiu muitas vezes: "O Estado é apenas um meio para um fim. O fim é: conservação da raça" (Reden,
1939, p. 125). Acentuou ainda que o seu movimento "não se baseia na ideia do Estado, mas principalmente na
Volksgemeinschaft fechada" (ver Reden, 1933, p. 125, e o discurso à nova geração de líderes políticos
[Führernachwuchs], 1937, que é publicado como adendo em Hitlers Tischgespràche, p. 446). Mutatis mutandi, é
esse também o cerne da complicada algaravia que é a "teoria estatal" de Stálin: "Somos a favor da morte do Estado, e
ao mesmo tempo defendemos o fortalecimento da ditadura do proletariado, que representa a mais forte e poderosa
autoridade entre todas as formas de Estado que já existiram até hoje. O desenvolvimento maior possível do poder do
Estado com o fim de preparar as condições para a morte do Estado: eis a fórmula marxista"(op. cit., loc. cit.)
[41] Alexander Stein, em Adolf Hitler, Schüler der "Weisen von Zion" [A. H., aluno dos "sábios do Sião"], Karlsbad,
1936, foi o primeiro a analisar, por comparação filológica, a identidade ideológica entre os ensinamentos dos nazistas
e os dos "sábios do Sião". Ver também R. M. Blank, Adolf Hitler et les "Protocoles des sages de Sion ", Paris, 1938.
O primeiro a admitir a sua dívida para com os ensinamentos dos Protocolos foi Theodor Fritsch, o "patriarca" do anti
semitismo alemão do pós-guerra. Diz ele no epílogo da sua edição dos Protocolos, 1924: "Nossos futuros estadistas e
diplomatas terão de aprender com os mestres orientais da velhacaria até mesmo o ABC do governo e, para esse fim,
os 'Protocolos do Sião' são um excelente curso preparatório".
[42] Quanto à história dos Protocolos, ver John S. Curtiss, An appraisal of the Protocols of Zion, 1942.
O fato de que os Protocolos eram forjados não importava para fins de propaganda. O publicista russo S. A. Nilus, que
publicou a edição russa em 1905, conhecia muito bem o caráter duvidoso desse "documento" e acrescentou o óbvio:
"Mas, se fosse possível demonstrar a sua autenticidade por meio de documentos ou do depoimento fidedigno de testemunhas, se fosse possível revelar quem são as pessoas à frente
dessa trama mundial (...) então (...) 'a secreta iniquidade' poderia ser desfeita. (...)". Tradução de Curtiss, op. cit.
Hitler não precisou de Nilus para usar o mesmo truque: a melhor prova de sua autenticidade é o fato de ter se provado que se trata de
uma falsificação. E acrescentou ainda o argumento da sua "plausibilidade": "O que muitos judeus podem fazer inconscientemente é
conscientemente exposto aqui com clareza. E isto é o que importa" (Mein Kampf, livro I, capítulo xi).
[43] Fritsch, op. cit.: [Der Juden] oberster Grundsatz laute: "Alies was dem Volke Juda nützt, ist moralisch undist heilig".
[44] "Os impérios mundiais têm origem numa base nacional, mas logo se expandem muito além dela" (Reden).
[45] Henri Rollin, VAppocalypse de notre temps, Paris, 1939, em cuja opinião a popularidade dos Protocolos só perde para a Bíblia
(p. 40), mostra a semelhança entre eles e os Monita secreta, publicados pela primeira vez em 1612 e ainda vendidos em 1939 nas
ruas de Paris, que pretendem denunciar uma conspiração jesuíta "que justifica todas as vilezas e todos os usos da violência. (...)
Trata-se de verdadeira campanha contra a ordem estabelecida" (p. 32).
[46] Um significativo representante de toda essa literatura é Chevalier de Malet, Recherches politiques et historiques qui prouvent
Vexistence d'une secte révolutionnaire, 1817, com extensas citações de autores anteriores. Para ele, os heróis da Revolução Francesa
são mannequins de uma agence secrète, agentes da franco-maçonaria. Mas a franco-maçonaria é apenas o nome que os seus
contemporâneos deram a uma "seita revolucionária" que existiu em todas as épocas, e cujo método sempre consistiu em atacar
"permanecendo atrás das cortinas, manipulando os cordões das marionetes que lhe convinha colocar em cena". Começa dizendo:
"Provavelmente será difícil acreditar num plano que foi concebido na Antiguidade e se manteve com a mesma constância; (...) os
autores da Revolução não são mais franceses do que alemães, italianos, ingleses etc. Constituem uma nação peculiar que nasceu e cresceu às
ocultas, em meio a todas as nações civilizadas, com o objetivo de submetê-las ao seu domínio".
Para uma ampla discussão dessa literatura, ver E. Lesueur, La Franc-Maçonnerie Arte-siénne au 18e siècle, Bibliothèque d'Histoire
Révolutionnaire, 1914. Verifica-se como são persistentes essas lendas de conspiração, mesmo em circunstâncias normais, pela
enorme quantidade de livros malucos anti-maçons na França, tão numerosos quanto os seus equivalentes antissemitas. Uma espécie
de compêndio de todas as teorias que viam na Revolução Francesa o produto de sociedades conspirativas secretas pode ser
encontrado em G. Bord, La Franc-Maçonnerie en France dês origines à 1815, 1908.
[47] Reden. Ver a transcrição de uma sessão do Comitê da SS para Questões Trabalhistas, no quartel-general da SS em Berlim, no
dia 12 de janeiro de 1943, onde se sugeriu que a palavra "nação", conceito carregado de conotações liberais, devia ser eliminada por
ser inadequada aos povos germânicos (Documento 705 — PS em Nazi conspiracy and aggression, V, 515).
[48] Hitlers speeches, editado por Baynes, p. 6.
[49] Goebbels, op. cit., p. 377. Essa promessa, implícita em toda propaganda antissemita do tipo nazista, já se anunciava nas
palavras de_Hitler. "Oj
naioiLeontraste do ariano é o judeu" (Mein Kampf, livro I, capítulo xi)v.
[50] Dossiê Kersten, no Centre de Documentation Juive, Paris.
[51] A antiga promessa de Hitler (Reden) — "Nunca reconhecerei que as outras nações têm o mesmo direito que a nação alemã" —
tornou-se doutrina oficial: "O fundamento do modo nacional-socialista de encarar a vida é a percepção da dessemelhança entre os
homens" (Naziprimer, p.5).
[52] Por exemplo, Hitler disse em 1923: "O povo alemão consiste em um terço de heróis, outro terço de covardes, e outros são
traidores" (Hitler's speeches, editado por Baynes, p. 76).
Após a tomada do poder, essa tendência tornou-se mais brutal e franca. Ver, por exemplo, Goebbels, em 1934: "Quem é o povo para
reclamar? Membros do Partido? Não. O resto do povo alemão? Devem dar-se por felizes por ainda estarem vivos. Seria o cúmulo se
deixássemos que nos criticassem aqueles que vivem à nossa mercê". Citado de Kohn-Bramstedt, op. cit., pp. 178-9. Hitler declarou
durante a guerra: "Sou apenas um ímã que se move constantemente sobre a nação alemã, extraindo o aço dessa gente. E já disse
muitas vezes que o tempo virá em que todos os homens de valor da Alemanha se passarão para o meu lado. E os que não passarem
para o meu lado, não valem nada". Já nessa época o séquito imediato de Hitler sabia muito bem o que sucederia àqueles que "não
valiam nada" (ver Dergrossdeutsche Freiheitskampf. Reden Hitlers vom 1.9.1939 -10.3.1940 [A luta pela liberdade da Grande
Alemanha. Discursos do Führer...], p. 174). Himmler queria dizer a mesma coisa quando declarou: "O Führer não pensa em
alemão, mas em termos germânicos" (Dossiê Kersten, cf. acima), mas sabemos pelo Hitlers Tischgesprache (pp. 315 ss) que já
naquele tempo ele ridicularizava esse "clamor" germânico e pensava mais amplamente em "termos arianos".
[53] Himmler, num discurso para os lideres da SS em Kharkov, em abril de 1943 (Nazi Conspiracy, IV, 572 ss), disse: "Logo
fundei uma SS germânica nos vários países". Uma velha indicação, da fase anterior à tomada do poder, dessa política não-nacional
foi dada por Hitler (Reden): "Certamente aceitaremos também na nova classe dominante representantes de outras nações, ou seja,
aqueles que o merecerem devido à sua participação em nossa luta".
[54] Hadamovsky, op. cit.
[55] Heiden, op. cit., p. 139: a propaganda não é "a arte de inspirar nas massas uma opinião. Na verdade, é a arte de receber uma
opinião das massas".
[56] Hadamovsky, op. cit., passim. A expressão é extraída do Mein Kampf de Hitler (livro II, capítulo ix), em que a "organização
viva" de um movimento é contrastada com o "mecanismo morto" de um partido burocrático.
[57] Seria grave erro interpretar os líderes totalitários em termos da categoria de Max Wcbw-de "liderança carismática". Ver Hans
Gerth, "The Nazi Party", em American Journal o/Sociology, 1940, vol. XLV. (Um erro semelhante constitui o defeito da biografia
de Heiden, op. cit.) Gerth descreve Hitler como líder carismático de um partido burocrático. Em sua opinião, somente isso pode
explicar o fato de que, "por mais flagrante que fosse a contradição entre os atos e as palavras, nada podia destruir a organização
firmemente disciplinada". (Essa contradição, aliás, é muito mais característica de Stálin, que "tinha o cuidado de dizer sempre o
oposto do que fazia, e de fazer o oposto do que dizia". Souvarine, op. cit., p. 431.)
Para a origem desse erro de interpretação, ver Alfred von Martin, "Zur Soziologie der Gegenwart" [Para a sociologia da atualidade],
em Zeitschrifi für Kulturgeschichte, vol. 27, e Arnold Koettgen, "Die Gesetzmãssigkeit der Verwaltung im Führerstaat" [A
normalidade administrativa no Estado do Führer], em Reichsverwaltungsblatt, 1936; ambos caracterizam o Estado nazista como
uma burocracia sob liderança carismática.
[58] Hadamovsky, op. cit., p. 21. Para fins totalitários, é um erro propagar a ideologia. através do ensino e da persuasão. Nas
palavras de Robert Ley, ela não pode ser "ensinada" nem "aprendida", mas apenas exercida" e "praticada" (em: Der Weg zur
Ordensburg, sem data).
[59] R. Hoehn, um dos principais teóricos políticos nazistas, interpreta essa ausência de doutrina, ou mesmo de um conjunto
comum de ideais e crenças no movimento, em seu Reichs-gemeinschaft und Volksgemeinschaft, Hamburgo, 1935: "Do ponto de
vista da comunidade do povo, é destrutiva toda a comunidade de valores" (p. 83).
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