A Montanha Mágica
Capítulo VI
Como um soldado, como um valente
continuando...
Que é que havia com o honrado Joachim? Nesses últimos dias, seus olhos tinham-se
tornado inseguros e esquivos. Fazia pouco tempo que a Superiora, Srta. von Mylendonk,
malograra no seu esforço de lhe penetrar o olhar meigo e tristonho; mas, se agora repetisse a
tentativa, ninguém poderia dizer com certeza o que sucederia. Em todo caso, Joachim evitava
esse tipo de encontros, e quando se produziam apesar disso – pois Hans Castorp olhava-o com
muita frequência – não contribuíam para diminuir o desassossego. Angustiado, Hans Castorp
permanecia estendido na sua sacada, e no íntimo crescia-lhe a tentação de ir ter com o
conselheiro imediatamente. Isso, entretanto, não era possível, já que não se poderia levantar sem
que Joachim o notasse. Dessa forma, era necessário esperar e ver se lograva falar com Behrens no
decorrer da tarde.
Mas não teve êxito. Coisa estranha! Absolutamente não conseguiu encontrar o
conselheiro, nem nessa tarde, nem durante os dois dias seguintes. Claro que Joachim o estorvava
um pouco, uma vez que não devia perceber nada; mas isso não bastava para explicar por que
Hans Castorp não chegava a obter essa entrevista e tinha tamanhas dificuldades em apanhar
Radamanto. Procurava-o e perguntava por ele em toda a casa. Mandavam-no de cá para lá, a
lugares onde era certo que encontraria o médico. No entanto, nunca o achava ali. Behrens assistiu
a uma das refeições, mas estava sentado muito longe, à mesa dos “russos ordinários”, e sumiu
antes da sobremesa. Algumas vezes, Hans Castorp tinha a impressão de que o poderia agarrar
pela manga do casaco; via-o na escada ou num corredor, a conversar com Krokowski, com a
Superiora ou com um enfermo, e punha-se à espreita. Mas logo que desviava o olhar, Behrens
desaparecia.
Não foi senão no quarto dia que realizou o seu propósito. Da sua sacada descobriu o
médico no jardim, ocupado em dar ordens ao jardineiro. Rapidamente, Hans Castorp
desembaraçou-se dos cobertores e correu ao seu encontro. O conselheiro, com a nuca saliente e
com as mãos remando, já se afastava em direção ao seu apartamento. Hans Castorp pôs-se a
correr e até tomou a liberdade de chamá-lo, mas não foi ouvido. Finalmente, ofegando,
conseguiu detê-lo.
– Que é que o senhor perdeu aqui? – interpelou-o o conselheiro desabridamente, com
seus olhos lacrimosos. – Será preciso que lhe mande entregar um exemplar especial do
regulamento da casa? Ao que saiba é hora de repouso. Sua curva de temperatura e sua radiografia
absolutamente não o autorizam a bancar o cavalheiro independente. Deveríamos colocar aqui um
espantalho engenhoso para ameaçar pessoas que folgam no jardim entre as duas e as quatro.
Afinal de contas, que é que o senhor quer?
– Senhor conselheiro, é indispensável que lhe fale um momento.
– Já sabia que o senhor meteu essa ideia na cabeça, há algum tempo. Corre atrás de mim,
como se eu fosse uma donzela e lhe prometesse não sei que prazeres. Que deseja de mim?
– Perdão, doutor, trata-se do meu primo. Agora lhe pincelam a garganta... Estou
convencido de que com esse tratamento se endireitará aquela coisa. Ela é inofensiva; não é? Era
só isso que lhe desejava perguntar...
– O senhor sempre quer que tudo seja inofensivo, Castorp. É essa a sua índole. Às vezes
não se mostra avesso ao contato com coisas nada inofensivas, mas então as trata como se fossem
perfeitamente inocentes, e com isso pensa agraciar a Deus e aos homens. O senhor é uma espécie
de covarde e de hipócrita, meu caro, e quando seu primo o chama de civil, usa termo bastante
eufêmico.
– Pode ser que tudo isso seja assim, doutor. Ora, ninguém discute as fraquezas do meu
caráter. Mas o caso é precisamente que no momento elas não estão em discussão, e o que lhe
queria pedir, faz três dias, é apenas...
– ...que eu lhe ministre uma poção agradavelmente açucarada e diluída! O senhor quer me
importunar e maçar, para que eu o confirme na sua maldita hipocrisia e para que o senhor possa
dormir o sono dos justos, enquanto outras pessoas velam e se expõem à tempestade.
– Olhe, doutor, o senhor é muito severo comigo. Eu queria, pelo contrário...
– Sim, senhor, a severidade não é propriamente o seu forte. Seu primo é um tipo bem
diferente, é feito de outro estofo. Ele está a par de tudo. Está a par e fecha-se, compreende? Não
se agarra ao avental da gente, pedindo que o iluda com miragens e histórias inofensivas. Sabia o
que estava fazendo e o que arriscava. É um homem que se mantém firme e sabe calar o bico, o
que é uma arte viril, na qual infelizmente não são peritos os simpáticos bípedes da sua espécie.
Mas uma coisa lhe digo, Castorp; se o senhor começar a fazer uma cena aqui, a lamentar-se e a
entregar-se ao seu sentimentalismo civil, mandarei que o ponham no olho da rua. O que
precisamos aqui são homens, compreende?
Hans Castorp permaneceu silencioso. Também a sua tez assumia agora aquela cor terrosa,
ao empalidecer. Sua pele estava por demais bronzeada para tornar-se totalmente lívida.
Finalmente disse, com os lábios trêmulos:
– Muito obrigado, senhor conselheiro. Eu também estou a par, agora. Acho que o senhor
não falaria comigo com... (não sei como expressar-me)... com tanta solenidade, se o caso de
Joachim não fosse grave. Também detesto cenas e gritarias; nesse ponto o senhor não me julga
bem. E quanto à discrição, não faltarei a ela. Disso pode estar certo.
– O senhor quer bem a seu primo, Hans Castorp? – perguntou o médico, agarrando de
repente a mão do jovem e fixando nele os olhos azuis, lacrimosos e injetados, por entre as
pestanas brancas.
– Não sei que lhe responder, senhor conselheiro. É um parente próximo, um bom amigo
e meu camarada aqui em cima. – Hans Castorp deixou escapar um breve soluço, fazendo um dos
pés girar sobre a ponta.
O médico apressou-se a soltar-lhe a mão.
– Pois então trate-o com gentileza durante estas seis ou oito semanas – disse. – Proceda
com a sua costumeira ingenuidade. Sem dúvida é isso o que ele preferirá. Eu também estarei
presente e providenciarei para que as coisas decorram, na medida do possível, de modo elegante e
confortável.
– É a laringe, não é? – perguntou Hans Castorp, sacudindo a cabeça.
– Laryngea – confirmou o conselheiro. – A destruição progride rapidamente. E a mucosa
da traqueia também já se acha em mau estado. Pode ser que as vozes de comando, lá no serviço,
hajam criado um locus minoris resistentiae. Sempre devemos estar preparados para tais
deslocamentos da doença. Há pouca esperança, meu filho. No fundo, não há nenhuma. Claro
que lançaremos mão de todos os recursos...
– A mãe... – disse Hans Castorp.
– Mais tarde, mais tarde. Por enquanto não há pressa. Empregue o seu tato e sua
delicadeza para informá-la gradativamente. E agora volte ao seu posto. Ele está notando o que se
passa, e com certeza lhe será desagradável saber que a gente fala dele pelas costas.
Todos os dias Joachim se deixava pincelar. O outono era lindo. Correto e marcial, nas
calças de flanela branca e na jaqueta azul, o jovem chegava frequentemente atrasado às refeições.
Cumprimentava os comensais com amabilidade, de um modo discreto e másculo, e pedia
desculpas pela sua pouca pontualidade. Sentava-se então para tomar a comida especial que lhe
preparavam agora, uma vez que não podia engolir os alimentos normais, devido ao perigo de se
engasgar. Serviam-lhe sopas, mingaus e picadinhos. Os companheiros de mesa compreenderam
rapidamente a situação. Retribuíam-lhe a saudação com enfática cortesia e extraordinário calor.
Tratavam Joachim de “tenente”. Na sua ausência interrogavam Hans Castorp, e também das
outras mesas acorriam pessoas para se informar. A Srª. Stöhr acudiu, torcendo as mãos e
choramingando no seu jeito vulgar. Mas Hans Castorp limitava as suas respostas a monossílabos.
Admitia a gravidade do caso, mas ao mesmo tempo negava-a até certo ponto. Agia assim por
causa das aparências, sentindo no seu íntimo que não devia abandonar Joachim antes do tempo.
Passeavam juntos; cobriam três vezes por dia a distância regulamentar, a que o
conselheiro acabava de restringir Joachim rigorosamente, para evitar qualquer desgaste
desnecessário de forças. Hans Castorp ia à esquerda do primo. Antes haviam caminhado assim
ou também de outra maneira, conforme a ocasião. Mas agora, Hans Castorp mantinha de
preferência a esquerda. Falavam pouco; proferiam as palavras que o dia normal do Berghof lhes
punha na boca, e nada mais. Sobre o assunto que se erguia entre eles nada era preciso dizer,
sobretudo entre pessoas de mentalidade reservada, que só em casos extremos se tratam pelo
nome de batismo. Mesmo assim havia instantes em que o sentimento borbulhava e efervescia no
peito civil de Hans Castorp a ponto de extravasar. Mas isso era impossível. O que se agitara
dolorosa e violentamente acalmava-se, e ele permanecia calado.
Joachim caminhava a seu lado, com a cabeça baixa. Tinha os olhos fixos no solo, como se
contemplasse a terra. Era muito esquisito: ali andava ele, correto e asseado, saudando os
transeuntes na sua maneira cavalheiresca, cuidava do seu exterior e da sua bienséancei como sempre – e, contudo, pertencia à terra. Bem, nós todos pertenceremos a ela, mais cedo ou mais tarde.
Mas, quando se é tão jovem e tão cheio da boa e ardorosa vontade de servir sob a bandeira da
pátria, é muito amargo pertencer a ela dentro de pouquíssimo tempo. E é ainda mais amargo e
mais incompreensível para quem, como Hans Castorp, caminha a seu lado, sabendo de tudo
aquilo, do que para o próprio homem destinado à terra, cuja sabedoria reticente e discreta tem,
no fundo, natureza muito acadêmica, carece para ele de caráter realístico e interessa mais aos
outros do que a ele mesmo. Com efeito, a nossa morte é assunto dos sobreviventes, mais do que
de nós próprios. Quer a conheçamos, quer não, conserva pleno valor para a alma aquela sentença
de um sábio espirituoso que reza: enquanto existimos, não existe a morte, e quando ela existe,
nós já deixamos de existir; por conseguinte, não há, entre nós e a morte, nenhuma relação real, e
ela é uma coisa que para nós absolutamente não tem interesse e que, quando muito, afeta ao
mundo e à natureza; motivo por que todas as criaturas a contemplam com grande calma, com
indiferença, com certa ingenuidade egoística, e sem assumir responsabilidades. Durante as
semanas a que nos referimos, Hans Castorp encontrava na atitude de Joachim muito de ingênuo
e de irresponsável, e compreendia que o primo, embora sabendo de tudo, não tivesse dificuldade
em guardar um silêncio correto a respeito desse seu saber, porque as relações íntimas que o
ligavam a ele eram apenas frouxas e teóricas, ou, na medida em que requeriam consideração
prática, estavam sendo reguladas e determinadas por um sadio senso das conveniências, que não
admitia a discussão dessa sabedoria, tanto como a de muitas outras independências funcionais,
das quais a vida tem consciência, e que a condicionam, mas que não a impedem de guardar as
aparências.
Assim, passeavam e guardavam silêncio sobre os assuntos indecorosos da natureza.
Também aquelas lamentações furiosas e exaltadas que Joachim no começo proferira, por ter de
faltar às manobras e ao serviço militar em geral, haviam cedido ao mutismo. Mas, por que as
substituía com tanta frequência, e apesar de toda a referida ingenuidade, aquela expressão turva
de pavor nos olhos meigos de Joachim, aquela insegurança que provavelmente decidiria a vitória
da Superiora, se esta fizesse nova investida? Era porque sabia que tinha as órbitas cavas e as faces
encovadas? Pois era esse o aspecto que seu rosto assumia quase a olhos vistos, no curso dessas
semanas, e que piorara muito em comparação com aquele que tivera quando da sua volta da
planície. Dia a dia, sua tez trigueira ia adquirindo uma aparência mais parecida com couro
amarelo. Era como se tivesse razões de envergonhar-se e de desprezar-se a si próprio num
ambiente que, em conformidade com a atitude do Sr. Albin, não tinha outras preocupações a não
ser as de desfrutar as imensas vantagens oferecidas pela ignomínia. Diante de que e de quem se
abaixava e fugia, então, o seu olhar outrora tão franco? Que coisa singular, esse pudor que a
criatura sente em face da vida, e que a faz refugiar-se num esconderijo para morrer, convencida
de que não pode esperar da natureza exterior nenhum respeito e nenhuma piedade para com o
seu sofrimento e a sua agonia; e com razão, uma vez que até um bando de pássaros orgulhosos
das suas asas não somente não costuma honrar o companheiro enfermo, mas até o maltrata com
bicadas violentas e desdenhosas. Mas esse exemplo é tirado da natureza ordinária. O peito de
Hans Castorp, porém, enchia-se de uma compaixão carinhosa e sumamente humana, quando
notava nos olhos do pobre Joachim esse obscuro e instintivo pudor. Caminhava à esquerda do
primo, fazia-o cada vez mais propositadamente, e como Joachim começasse a andar um tanto
trôpego, apoiava-o desde que se tratasse de galgar uma pequena encosta coberta de capim. Então
o cingia com o braço, e certa vez até lhe aconteceu esquecer de retirar a mão do ombro do primo,
que sacudiu com alguma irritação, dizendo:
– Escute, deixe disso! Parecemos uns bêbados quando andamos assim.
Mas veio um momento em que a perturbação do olhar de Joachim se apresentou ao
jovem Hans Castorp sob um outro aspecto ainda. Em princípios de novembro, quando a neve
estava muito alta, Joachim recebeu ordem de meter-se na cama. Naquela época já se lhe tornara
excessivamente difícil ingerir os picadinhos e os mingaus, porque se engasgava a cada instante.
Parecia indicada uma alimentação exclusivamente líquida, e ao mesmo tempo Behrens prescreveu
repouso ininterrupto na cama, para poupar as forças do doente. Foi, portanto, na véspera de
Joachim acamar-se definitivamente, a última noite que passou de pé, que Hans Castorp o
surpreendeu... o surpreendeu conversando com Marusja, aquela moça injustificadamente risonha,
com o lencinho perfumado de flor de laranjeira e com os seios exteriormente formosos. Deu-se
isso depois do jantar, durante a reunião noturna, no vestíbulo. Hans Castorp, que se demorara no
salão de música, saiu para procurar Joachim e encontrou-o em frente à lareira revestida de
azulejos, ao lado da cadeira de Marusja. Era uma cadeira de balanço, e com a mão esquerda sobre
o espaldar, Joachim inclinava-a para trás, de maneira que Marusja se achava numa posição
semideitada, erguendo os olhos redondos e castanhos para o rosto do jovem, que este
aproximava do seu. Enquanto isso, falava ele em voz baixa e entrecortada, ao passo que ela às
vezes dava de ombros, com um sorriso entre desdenhoso e emocionado.
Hans Castorp afastou-se apressadamente, não sem ter notado que outros pensionistas
observavam a cena divertidos, como era de esperar; Joachim, entretanto, não os percebia ou, pelo
menos, não lhes prestava atenção. Esse espetáculo do primo abandonando-se sem a menor
reserva a uma conversa com a Marusja dos seios opulentos, a cuja mesa estivera sentado tanto
tempo sem nunca trocar com ela uma única palavra; diante de cuja pessoa e existência sempre
baixara razoável e honestamente os olhos com expressão austera, embora empalidecesse e sua tez
se tornasse terrosa, quando se falava dela – esse espetáculo comoveu Hans Castorp muito mais
do que qualquer outro sinal de debilidade que nessas últimas semanas notara em seu primo. “Sim,
ele está perdido!”, pensou, e sentou-se em silêncio numa das cadeiras do salão de música, a fim de
deixar a Joachim o tempo necessário para o que ele se concedia, lá no vestíbulo, na derradeira
noite de que dispunha.
A partir de então Joachim tomou a posição horizontal, e Hans Castorp avisou Luise
Ziemssen desse fato. Escreveu-lhe, na sua excelente espreguiçadeira, que havia uma coisa a
acrescentar às notícias dadas anteriormente, a saber, que Joachim se achava acamado, e que o
desejo de ver a mãe perto de si podia ler-se nos olhos dele, embora nada dissesse a esse respeito.
O Dr. Behrens apoiava expressamente esse tácito desejo, segundo Hans Castorp comunicava de
uma forma delicada, mas clara. Não era, portanto, de admirar que a Srª. Ziemssen recorresse aos
meios mais rápidos de transporte para se unir ao filho. Três dias após a remessa da carta
alarmante apesar dos termos carinhosos, já estava em Davos. Em meio a uma tempestade de
neve, Hans Castorp foi de trenó à estação da “aldeia”, a fim de esperá-la. Na plataforma,
enquanto o trenzinho entrava na estação, compôs o semblante, para que a mãe não se assustasse
em excesso, mas também para que o seu primeiro olhar não descobrisse nele qualquer alegria
falaz.
Quantas vezes encontros desse caráter se haviam realizado nesse lugar, quantas vezes os
que desciam do trem tinham examinado insistente e angustiadamente as feições de quem os
recebia, enquanto um se lançava nos braços do outro! A Srª. Ziemssen dava a impressão de ter
corrido a pé de Hamburgo a Davos. Com o rosto ardente, apertou contra o peito a mão de Hans
Castorp. Olhou em torno como que amedrontada e cochichou apressadas perguntas, como se se
tratasse de um segredo. Hans Castorp esquivou-se às respostas, agradecendo-lhe por ter vindo
tão depressa. Ótimo! Como não estaria contente o Joachim! Bem, o primo, infelizmente, achava
se acamado. Era porque só tomava alimentos líquidos, o que, naturalmente, não deixava de
exercer influência sobre o estado de suas forças. Mas, para tais casos existiam certos recursos,
como, por exemplo, a alimentação artificial. Ora, ela perceberia por si mesma...
Percebeu, e a seu lado Hans Castorp percebeu também. Até esse instante não se dera
conta, com tamanha clareza, das mudanças que se haviam produzido em Joachim. Gente moça
não costuma observar essas coisas. Agora, porém, perto da mãe vinda de longe, contemplou-o,
por assim dizer, com os olhos dela, como se não o visse desde muito tempo, e reconheceu com
absoluta segurança o que ela, sem dúvida, reconhecia também, e que Joachim, decerto, sabia
melhor do que ninguém, isto é, que o primo era um moribundo. O jovem oficial comprimia a
mão da Srª. Ziemssen na sua, essa mão tão definhada e amarela como o seu rosto, no qual,
justamente devido ao emagrecimento, as orelhas, aquela ligeira contrariedade dos seus anos
felizes, haviam-se despegado mais intensamente do que outrora, desfigurando-o de modo
lamentável. Mas, à parte esse defeito, e apesar dele, o semblante de Joachim parecia antes
embelezado e mais viril pelo cunho do sofrimento e pela expressão grave, austera e mesmo
orgulhosa, se bem que os lábios, encimados pelo bigodinho negro, fossem um tanto grossos em
confronto com as sombras das faces encovadas. Dois sulcos se haviam aberto na pele amarelada
da testa, entre os olhos. Estes, embora profundamente sumidos nas órbitas ossudas, eram
maiores e mais belos do que nunca, e deliciavam Hans Castorp. Desde que Joachim se acamara,
desaparecera deles o menor traço de perturbação, tristeza e insegurança. Unicamente aquela luz
continuava perceptível no seu fundo calmo e escuro, e também aquele quê “ominoso”. Joachim
não sorriu, ao estreitar a mão da mãe e ao dar-lhe, em voz baixa, as boas-vindas. Não sorria
tampouco por ocasião da sua entrada, e essa impassibilidade, esse ar imutável da sua fisionomia
revelavam tudo...
continua pág 345...
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Leia também:
Capítulo II
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Da pia batismal e dos dois aspectos do avô
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Como um soldado, como um valente (f)
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A Montanha Mágica (Der Zauberberg, no original alemão) é um romance de Thomas Mann que foi publicado em 1924. É considerado o romance mais importante de seu autor e um clássico da literatura de língua alemã do século XX que foi traduzido para inúmeros idiomas, sendo de domínio público em países como Estados Unidos, Espanha, Brasil, entre outros.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
Thomas Mann começou a escrever o romance em 1912, após uma visita à sua esposa no Wald Sanatorium em Davos, onde ela foi hospitalizada. Ele inicialmente o concebeu como um romance curto, mas o projeto cresceu ao longo do tempo para se tornar um trabalho muito maior. A obra narra a permanência de seu personagem principal, o jovem Hans Castorp, em um sanatório nos Alpes suíços, onde inicialmente vinha apenas como visitante. A obra tem sido descrita como um romance filosófico, pois, embora se enquadre no molde genérico do Bildungsroman ou romance de aprendizagem, introduz reflexões sobre os mais variados temas, tanto pelo narrador quanto pelos personagens (especialmente Nafta e Settembrini, aqueles encarregados da educação do protagonista). Entre esses temas, o do "tempo" ocupa um lugar preponderante, a ponto de o próprio autor o descrever como um "romance do tempo" (Zeitroman), mas muitas páginas também são dedicadas a discutir a doença, a morte, a estética ou a política.
O romance tem sido visto como um vasto afresco do modo de vida decadente da burguesia europeia nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial.
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