quinta-feira, 19 de junho de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Cosette, Livro Sétimo - Parêntesis / IV - O convento à luz dos princípios

Victor Hugo - Os Miseráveis


Segunda Parte - Cosette

Livro Sétimo — Parêntesis

IV - O convento à luz dos princípios
     
      Reúnem-se uns poucos de homens e habitam em comum. Em virtude de que direito? Em virtude do direito de associação.
      Encerram-se em sua casa. Em virtude de que direito? Em virtude do direito que todo o homem tem de ter a sua porta aberta ou fechada. 
      Não saem. Em virtude de que direito? Em virtude do direito que cada um tem de ir para onde lhe aprouver, direito que traz consigo o de se deixar estar em casa.
      Lá em casa que fazem?
      Falam baixo, baixam os olhos, trabalham. Renunciam ao mundo, às cidades, às sensualidades, aos prazeres, às vaidades, às soberbas, aos interesses. Andam vestidos de grosseira lã. Nem um só de entre eles possui como propriedade o que quer que seja.
      Entrando ali, o que era rico, faz-se pobre. O que tem, dá-o a todos. Aquele que no mundo era o que se chama nobre, gentil-homem e senhor, é igual ao que era aldeão. A cela é idêntica para todos. Todos sofrem a mesma tonsura, trazem a mesma cogula, comem o mesmo pão negro, dormem sobre as mesmas palhas, morrem sobre a mesma cinza. O mesmo saco nas costas, a mesma corda em volta dos rins. Se resolvem andar descalços, andam todos descalços. Haja ali um príncipe, esse príncipe será a mesma sombra que as outras. Não há títulos ali. Até os nomes de família desaparecem. Apenas usam sobrenomes. Todos se curvam sob a igualdade dos nomes de batismo.
     Dissolvem a família carnal para constituir na sua comunidade a família espiritual. Os seus parentes são todos os homens.
      Socorrem os pobres, tratam dos doentes. Elegem aqueles a quem obedecem, e quando falam para os outros, dizem:

— Meu irmão.

     Vós, porém, fazeis-me parar e gritais-me:

 — Isso é o convento ideal!

     Basta que seja o convento possível para eu dever fazer menção dele.
     Daí vem que no livro precedente falei de um convento em tom respeitoso.
     Afastada a meia idade, afastada a Ásia. reservada a questão histórica e política, considerado o convento debaixo do ponto de vista puramente filosófico, fora das necessidades da polémica militante, com a condição de que o mosteiro seja absolutamente voluntário e que os que nele se encerram consintam nisso e em tudo, considerarei sempre a comunidade claustral com certa gravidade atenciosa e a certos respeitos reverente. Onde houver comunidade há comuna e onde houver comuna há direito. O mosteiro é o produto da fórmula: Igualdade, Fraternidade. Oh! Como é grande a liberdade! Que esplêndida transfiguração! Basta a liberdade para transformar o mosteiro em república!
     Continuemos.
     Mas esses homens ou essas mulheres, encerradas dentro dessas quatro paredes, vestem-se de burel, são iguais, chamam-se irmãos; bem está; mas fazem mais alguma coisa?
     Fazem.
     O quê?
     Olham para a sombra, põem-se de joelhos e erguem as mãos.
     Que significa isso?



continua na página 392...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Cosette, Livro Sétimo - IV - O convento à luz dos princípios
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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