O Idiota
Fiódor Dostoiévski
Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira
Quarta Parte
6.
O que Varvára Ardaliónovna disse ao irmão sobre a recepção dos Epantchín,
para a qual a Princesa Bielokónskaia era esperada, estava perfeitamente correto.
Os convivas eram esperados essa noite. Era realmente correta a informação,
mas um pouco exagerada, pois tudo tinha sido arranjado às pressas, e mesmo
com desnecessária excitação, justamente porque naquela família “tudo quanto
se fazia era diferente do modo dos outros fazerem”. E tudo devido à
impaciência de Lizavéta Prokófievna que estava “ansiosa para não continuar
suspensa”, quer nos temores do coração paterno quanto ao que concernia à
felicidade de sua filha favorita.
Como a Princesa Bielokónskaia não se demoraria
e como vir ela a ser “madrinha” certamente pesaria na sociedade, e esperavam
que simpatizasse com Míchkin, os pais contavam que “o mundo” aceitaria com
bons olhos o noivado de Agláia sob os auspícios da onipotente princesa anciã e
que, por conseguinte, o que nele houvesse de estranho, viria a parecer muito
menos estranho debaixo de tal recomendação.
O fato real é que os pais não se
sentiam capazes de decidir a questão, por si mesmos, como se houvesse qualquer
coisa de anômalo nela. E se houvesse, tanto pior! Assim, não ficaria havendo
nada de estranho. A cândida e amistosa opinião de pessoas influentes e idôneas
não tendo sido precisa até agora visto Agláia não ter até então decidido nada. Em
todo o caso, mais tarde ou mais cedo, o príncipe teria de ser apresentado à
sociedade, da qual não tinha a menor ideia. Resumindo, estavam tentando
“mostrá-lo”.
A reunião arranjada era, porém, simples. Somente “amigos da
família” eram esperados e, esses mesmos, poucos.
Além da Princesa Bielokónskaia, viria uma outra dama, esposa de um importante
dignitário. Evguénii Pávlovitch era o único jovem esperado e deveria vir fazendo
honras à velha princesa. Míchkin ouvira dizer que a princesa viria com três dias
de antecedência. Da reunião só veio a saber na véspera. Notara, naturalmente, o
ar atarefado dos membros da família e, através de deduções tiradas das ansiosas
tentativas para lhe assinalarem o fato, percebeu que receavam a impressão que
viria a causar.
Mas, de qualquer maneira, os Epantchín todos, sem exceção,
estavam possuídos pela ideia de que ele era simplório demais para adivinhar que
estavam preocupados a seu
respeito, e por causa da recepção. E, assim, olhando-o, estavam todos interior
mente constrangidos. Ele, na verdade, ligou pouca importância ao acontecimento
porque estava mais preocupado com coisa bem diferente.
Agláia tornava-se
cada hora mais soturna e caprichosa, e isso o oprimia. Quando soube que
também contavam com a vinda de Evguénii Pávlovitch, ficou muito satisfeito e
disse que desde muito estava desejoso de vê-lo. Por qualquer equívoco, ninguém
gostou dessa observação. Agláia retirou-se amuada, da sala, e foi só mais tarde,
lá pela meia-noite, quando o príncipe se despediu, que ela aproveitou a
oportunidade para trocar algumas palavras com ele, quando saía:
- Gostaria que não viesse ver-nos, durante o dia, amanhã. Venha só à noite.
Chegue quando as visitas já estiverem aqui. Sabe que vai haver visitas, não sabe?
Tinha o ar impaciente e severo. Foi a única vez que lhe falou da recepção. Para
ela, também, a lembrança dessas visitas era insuportável. Todo o mundo notara
isso. Viera-lhe até a tentação de indispor-se com os pais, por tal motivo, só a
impedindo uma mistura de orgulho e modéstia. Míchkin percebeu imediatamente
que ela também estava apreensiva por causa dele, e conquanto não quisesse
admitir receio da parte dela, acabou subitamente se sentindo assustado.
- Sim, fui convidado - respondeu.
Ela, evidentemente, achou dificuldade em prosseguir. - Pode-se falar consigo a
respeito de uma coisa séria? Ao menos uma única vez? - sentiu-se
inesperadamente temerosa e aborrecida, não sabendo direito porque, mas ainda
assim não se contendo.
- Podeis, sim. Estou ouvindo, de bom grado - balbuciou
ele.
Depois de um minuto de silêncio, ela começou, com evidente mortificação:
-
Não quis discutir com eles, a tal respeito, porque não há quem os demova de
certas coisas. Certos princípios de mamãe sempre me revoltaram. Quanto aos de
papai, nem falo nada; estamos habituados a não esperar nada dele.
Mamãe é uma nobre mulher, naturalmente. Se você ousasse propor-lhe a
compreensão de qualquer coisa, veria. Até hoje ela ainda se inclina
profundamente diante dessas criaturas insuportáveis. Não me refiro só à velha
princesa; esta então é uma velha desprezível, um desprezível caráter, mas muito
esperta e sabe como fazê-los girar ao redor do seu dedo. Ao menos tem isso! Oh!
A baixeza de todas essas coisas! E o ridículo! Nós sempre fomos gente
da classe média, como a classe média possivelmente possa ser. Por que forçar
nos para esse círculo aristocrático? E minhas irmãs adotam a mesma política.
Não viu como o Príncipe Chtch... as alvoroçou? Por falar nisso, por que se
alegrou você com a vinda de Evguénii Pávlovitch?
- Escutai, Agláia. Parece que
estais receosa de que eu me escarrapache aqui, amanhã... na recepção!
- Eu? Com medo? Por sua causa? - e Agláia enrubesceu - Não vejo por que hei de
eu ter receio, por sua causa, mesmo que você se arruíne totalmente!... Que tenho
eu de ver com isso, e como pode empregar tais palavras? Que quer dizer com
esse termo grosseiro “escarrapache!”?
- É... gíria de recreio de colégio.
- É sim, um termo de colégio! Horroroso! Decerto pretende usar expressões
como esta amanhã! Neste caso escolha mais umas, no seu dicionário, em casa. É
uma pena como você sabe entrar corretamente em um salão! Onde aprendeu?
Saberá como segurar uma xícara de chá e tomá-lo direitinho, quando todo o
mundo o estiver olhando?
- Creio que sim.
- Se sabe, é pena. Pois, se não soubesse, ao menos teria do que me rir. Em todo o
caso, preste atenção.
Imagine quebrar o vaso de porcelana da China da sala de visitas. É um vaso
extravagante. Por favor, quebre-o! Foi um presente. Mamãe ficaria tão fora de si
que choraria diante de todo o mundo. Ela o admira tanto! Gesticule, como você
sempre faz quando fala, bata nele e quebre-o! Sente-se perto, de propósito.
- Que
nada! Sentar-me-ei o mais longe possível! Obrigado por me terdes prevenido.
- Então, fique nervoso e acabe desengonçando os braços. Aposto o que quiser
como vai logo discorrer sobre qualquer coisa difícil, um assunto elevado. Isso...
demonstrará muito... tato!
- Se não for apropriado, acho que será estúpido.
- Ouça, uma vez por todas - disse
Agláia, perdendo a paciência - Se falar sobre qualquer coisa assim como pena
capital, ou a posição econômica da Rússia, ou como a Beleza salvará o mundo,
naturalmente eu ficarei radiante, aplaudirei, rirei.., mas desde já o previno, não
me apareça depois, nunca mais! Estou falando sério! Desta vez estou falando
sério.
Realmente a sua ameaça era séria. Algo de excepcional podia ser ouvido
nestas palavras e visto naqueles olhos; algo que não era brincadeira e que o
príncipe nunca reparara antes.
- Agora, depois do que acabastes de dizer, tenho a certeza de que vou falar
demais e que até vou quebrar o vaso. Antes não tinha receio de nada, agora tenho
pavor de tudo. Certamente “que me escarrapacharei!”.
- Então, contenha a
língua. Sente-se quieto e contenha a língua.
- Vou fazer o possível. Mas já tenho a
certeza de que vou ficar atrapalhado, que começarei a falar demais e que
espatifarei o vaso. Talvez até escorregue no assoalho encerado! Ou qualquer
coisa assim. Isso já me aconteceu uma vez. Agora vou sonhar com essa história.
Por que me fostes falar?
Agláia olhou-o soturnamente.
- Vou dizer uma coisa: será melhor que eu não venha amanhã. Darei parte de
doente e assim tudo acabará bem - concluiu ele.
Agláia bateu com o pé e ficou
branca de raiva. - Bom Deus! Onde é que já se viu uma coisa destas? Agora que
tudo está arranjado por sua causa, não quer vir! Ó, meu Deus. Mas é um regalo
tratar com uma pessoa tão insensata.
- Então eu venho! Então eu venho! - interrompeu-a apressadamente o príncipe - E dou minha palavra de honra que ficarei todo o tempo sentado, sem abrir a
boca. Vou tomar tento em mim.
- E faria bem. Mas por que disse, há pouco, que ia “dar parte” de doente? Onde
colhe estas expressões? Que o atacou para as usar deste modo? Ou está querendo
que eu me aborreça de propósito?
- Peço perdão. Isto foi mais um termo de
colégio... Não uso mais. Compreendo perfeitamente que fiqueis preocupada por
minha causa. (Sim, não fiqueis zangada.) Até fico contente quando me emendais.
Agora, por exemplo, nem sabeis como estou ao mesmo tempo, assustado e
contente. Mas asseguro que todo esse receio é despropositado e insignificante.
Deveras, Agláia. Mas permanece a alegria. Estou formidavelmente contente por
serdes a criança que sois; uma criança tão bondosa! Oh! Como podeis ser
maravilhosa, Agláia!
Agláia naturalmente estava a ponto de ter um acesso de
raiva mas subitamente tomou posse da sua alma, em um instante, um sentimento
inteiramente inesperado.
- E nunca me censurará pelas palavras grosseiras que acabei de lhe dizer?
Nunca? Em dia algum? - perguntou.
- Como podeis pensar isso? Que ideia! Estais um deslumbramento! Oh! Por que
enrubescestes? Mas ficastes tristonha, outra vez! E agora já estais de novo me
olhando desapontada.
Destes para me olhar, de vez em quando, de um modo esquisito, Agláia.
Não eras assim, antes. Eu sei por que é!
-Psiu!
- Não, é melhor que eu diga logo! Desde muito que estou querendo dizer. Até já
comecei, mas não é o bastante, visto terdes o costume de não acreditar no que eu
falo. Há uma pessoa entre nós...
- Psiu! Psiu! Psiu! Psiu! - ela interrompeu-o
imediatamente, segurando- lhe a mão com força, olhando-o quase com terror.
Nisto, lá de dentro chamaram por ela. Com ar de alívio, deixou-o logo e correu.
O príncipe teve febre a noite toda. Uma febre que já desde várias noites não o
largava.
Mas, aquela noite, estando em subdelírio, um pensamento lhe sobreveio: e se, no
dia seguinte diante de todo o mundo, tivesse um ataque? Já tivera ataques em
público. Tal pensamento gelou-o. Em sonho, se imaginou no meio de uma estrada
e incrível companhia de gente desconhecida. E o pior é que não parava de falar.
Sabia que não devia falar, mas falava o tempo todo, tentando persuadir essa
gente de alguma coisa, voltando-se ora para Ippolít, ora para Evguénii Pávlovitch
que estavam extremamente amistosos para com ele. As nove horas, quando se
levantou, sentia o espírito confuso; as impressões lhe vinham de um modo
compacto e a cabeça lhe doía. Veio-lhe uma vontade indomável e disparatada de
ir ver Rogójin, de ficar horas e horas a conversar com ele. Sobre quanta coisa
não conversariam! Mas logo caiu em si: era a Ippolít que deveria ir ver. Sentia
uma sensação esquisita em seu coração, tanto que quando lhe aconteceu certa
coisa, pouco depois, ficou sem perceber o que era. Todavia tudo não passava de
quê? De uma visita de Liébediev.
Dera-se um pouco depois das nove horas a
entrada de Liébediev. Vinha já completamente bêbado. Desde que o General
Ívolguin o tinha largado, havia uns três dias, até Míchkin, que ultimamente já não
era tão observador, reparou que Liébediev ia de mal a pior. Andava todo
engordurado e sujo, a gravata para um lado, a gola do paletó puída. No cubículo
onde morava erguia a todo instante uma tempestade que se ouvia do pátio. Vera,
mais de uma vez, em lagrimas, viera, por causa disso, chamar o príncipe.
Mas esta manhã ao se apresentar, começou a falar de um modo enigmático,
batendo no peito, culpando-se de uma porção de coisas.
- Recebi.., recebi o castigo da minha baixeza e da minha vilania... uma
formidável bofetada – concluiu tragicamente.
- Uma bofetada? De quem? E já
tão cedo?
- Já tão cedo? - e Liébediev sorriu sarcasticamente - Que tem o tempo
a ver com isso de castigos corporais? Além de que o que recebi foi um castigo
moral, e não físico!
Sentou-se logo, sem cerimônia, e começou a contar a sua história que, aliás, era
muito incoerente. O príncipe, fechando o cenho, esteve para se ir, mas certas
palavras lhe prenderam a atenção. Ficou completamente mudo de espanto ante
as coisas estranhíssimas que este Sr. Liébediev estava a contar. Aparentemente,
para poder começar, meteu a história de uma carta. O nome de Agláia Ivánovna
foi encaixado... Depois, Liébediev entrou a falar mal do próprio Míchkin. Só se
podia concluir que estava zangado com o príncipe. Relembrou, inicialmente, que
o Príncipe o honrara com a sua confiança, em determinadas transações com
“certa pessoa” (com Nastássia Filíppovna), interrompendo-as completamente e
ignominiosamente o despedindo, chegando até a tomar contra o pobre dele
atitudes ofensivas, como ainda no outro dia repelindo, com imediata grosseria,
“uma inocente pergunta a respeito de próximas alterações íntimas”. Com
lágrimas de bêbado protestou que, depois disso, tinha de explodir, principalmente
sabendo o mundo de coisas que sabia de Rogójin, de Nastássia Filíppovna e da
amiga dela, da própria Varvára Ardaliónovna mesmo de... sim... de Agláia
Ivánovna.
- Se não acredita em mim, saiba então que foi através de Vera, através
de minha adorada filha única... isto é, a bem dizer não é a única, pois na verdade
tenho três... E quem foi que informou Lizavéta Prokófievna, por meio de cartas,
em segredo de morte, naturalmente? Eh! Eh! Quem andou escrevendo a ela,
informando-a direitinho das astúcias e alternativas da “personagem” Nastássia
Filíppovna? Eh! Eh! Eh! Quem, quem é o escritor anônimo, permita-me
perguntar-lhe!?
- Serás tu? - exclamou o príncipe.
- Nem mais nem menos! - replicou o bêbado com dignidade - E esta manhã
mesmo, há meia hora, aí pelas oito e meia. Não, faz três quartos de hora!
Informei àquela mãe de coração tão generoso que tinha um fato... de
importância a participar-lhe. Informei por carta entregue à empregada, pela
porta dos fundos. O papel lhe foi ter às mãos.
- Você já esteve hoje com Lizavéta
Prokófievna? - perguntou o príncipe, incapaz de crer nos seus ouvidos.
- Agora mesmo, e recebi um golpe moral. Devolveu-me a carta; ou melhor,
atirou-a na minha cara, sem a abrir. E me deu, moralmente falando, um pontapé. Não
fisicamente, lá isso não! Embora quase fosse físico também; não esteve mesmo
longe de o ser!...
- Que carta foi essa que ela lhe atirou sem abrir?
- Ora! Eh! Eh! Já não lhe disse?
Pensei que já lhe tinha dito. Era uma carta que me fora entregue de propósito
com o fim de a... entregar a...
- De quem? De quem?
Era difícil de ligar pé com cabeça, nas explicações de Liébediev, ou de entender
fosse o que fosse. Mas, tanto quanto depreendeu, Míchkin ficou sabendo que a
carta tinha sido trazida, por uma empregada, a Vera Liébedieva que, por sua vez,
a deveria entregar à pessoa a quem era endereçada. “Tal como da outra vez, a
uma certa personagem, da parte de uma outra... pessoa. Pois, como vê, designo
uma das partes aqui chamando-a “personagem” e à outra simplesmente
“pessoa”, por ser assim mais derrogatório e distinguível, visto haver grande
distinção entre uma inocente e bem-nascida senhorita da família de um general
e.., uma senhora de uma outra espécie. A carta provinha dessa pessoa cujo nome
começa pela letra “A”...
- Como assim? Para Nastássia Filíppovna? Absurdo!
exclamou Míchkin.
- Era, sim; era, sim. E se não para ela, para Rogójin. Dá no
mesmo. Foi para Rogójin... e havia uma outra, também, para o Sr. Tieriéntiev,
para lhe ser entregue, vinda da pessoa que começa pela letra “A” – disse
Liêbediev, sorrindo e piscando.
Como continuamente misturava uma coisa com outra e esquecia o que tinha
começado a falar, o príncipe teve paciência em deixá-lo ir falando. Ainda assim
ficou obscuro se a correspondência fora levada por ele ou por Vera. Apesar de
ter declarado que dava no mesmo que as cartas fossem dirigidas para Rogójin ou
para Nastássia Filíppovna, pareceu mais provável a Míchkin que as cartas não lhe
tivessem passado pelas mãos, se é que cartas havia. Ficava, pois, sem explicação,
como conseguira ele ter em mãos aquela carta. O mais provável é que a tivesse
surrupiado de Vera, roubando-a com jeito, visto lhe convir ir entregá-la a
Lizavéta Prokófievna. Foi, pelo menos, o que, de certo modo, o príncipe
depreendeu e deduziu.
- Isso só existe na sua cabeça! - disse-lhe, em extrema agitação.
- Não só nela,
nobilíssimo príncipe! - respondeu Liébediev, não sem alguma malícia - Pensei até em trazer-lhe e depô-la em suas mãos, para lhe render um
serviço.., mas refleti que a melhor maneira de usá-la, nestas circunstâncias, era
levá-la à mãe de tão nobre coração, visto já me ter comunicado com ela, por
carta anônima; e quando, ainda agora mesmo, lhe escrevi um bilhete preliminar,
pedindo-lhe que me recebesse às oito e vinte da manhã, tornei a assinar. “Do
vosso secreto informante”. E então, pela porta dos fundos, fui pronta e
imediatamente introduzido à presença da ilustre dama.
- E então?
- E então... lá, como já disse, quase me espancou. Sim, quase ou melhor, até se
poderia dizer que, praticamente, me espancou. Arremessou-me à cara a carta!
Bem reparei que desejou guardá-la. Vi isso muitíssimo bem; mas refletiu melhor
e a jogou nas minhas fuças. “Já que um indivíduo da sua marca aceita destes
encargos... tome!” Estava positivamente ofendida.
Deduzo que estava ofendida porque não se envergonhou. É uma senhora muito
esquentada!
- E onde está a carta?
- Tenho-a ainda comigo. Está aqui. - E estendeu a Míchkin o bilhete de Agláia a
Gavril Ardaliónovitch, o mesmo que este, duas horas antes, mostrara, com tanto
triunfo, à irmã.
- Esta carta não pode ficar com você.
- Então é sua. Dou-lhe - apressou-se em declarar, calorosamente, Liébediev - De
agora em diante, sou do senhor, inteiramente do senhor, da cabeça ao coração,
servo do senhor, depois da minha passada vilania. “Puna-se o coração, poupe-se
a barba”, como disse Thomas Moore, na Inglaterra e na Grã-Bretanha. “Mea
culpa, mea culpa”, como diz o Papa romano, isto é, quero dizer o Papa de Roma,
embora tenha dito o Papa romano.
- Esta carta tem de ser enviada imediatamente - disse, muito ansioso, o príncipe - Vou entregá-la.
- Mas, não seria muito melhor, não seria muito melhor, muitíssimo culto príncipe,
fazer isto... com ela? Isto!... - e fez com as mãos um gesto para os lados e para
baixo, um gesto significativo, piscando, dissimuladamente, com uma porção de
caretas, remexendo-se no seu lugar, violentamente, como se tivesse sido
inesperadamente picado por uma agulha.
continua página 478...
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