terça-feira, 24 de junho de 2025

Dostoiévski - O Idiota: Quarta Parte (6a) - A reunião arranjada

O Idiota


Fiódor Dostoiévski

Tradução portuguesa por José Geraldo Vieira

Quarta Parte

6.

      O que Varvára Ardaliónovna disse ao irmão sobre a recepção dos Epantchín, para a qual a Princesa Bielokónskaia era esperada, estava perfeitamente correto. Os convivas eram esperados essa noite. Era realmente correta a informação, mas um pouco exagerada, pois tudo tinha sido arranjado às pressas, e mesmo com desnecessária excitação, justamente porque naquela família “tudo quanto se fazia era diferente do modo dos outros fazerem”. E tudo devido à impaciência de Lizavéta Prokófievna que estava “ansiosa para não continuar suspensa”, quer nos temores do coração paterno quanto ao que concernia à felicidade de sua filha favorita.
      Como a Princesa Bielokónskaia não se demoraria e como vir ela a ser “madrinha” certamente pesaria na sociedade, e esperavam que simpatizasse com Míchkin, os pais contavam que “o mundo” aceitaria com bons olhos o noivado de Agláia sob os auspícios da onipotente princesa anciã e que, por conseguinte, o que nele houvesse de estranho, viria a parecer muito menos estranho debaixo de tal recomendação.
     O fato real é que os pais não se sentiam capazes de decidir a questão, por si mesmos, como se houvesse qualquer coisa de anômalo nela. E se houvesse, tanto pior! Assim, não ficaria havendo nada de estranho. A cândida e amistosa opinião de pessoas influentes e idôneas não tendo sido precisa até agora visto Agláia não ter até então decidido nada. Em todo o caso, mais tarde ou mais cedo, o príncipe teria de ser apresentado à sociedade, da qual não tinha a menor ideia. Resumindo, estavam tentando “mostrá-lo”.
     A reunião arranjada era, porém, simples. Somente “amigos da família” eram esperados e, esses mesmos, poucos. Além da Princesa Bielokónskaia, viria uma outra dama, esposa de um importante dignitário. Evguénii Pávlovitch era o único jovem esperado e deveria vir fazendo honras à velha princesa. Míchkin ouvira dizer que a princesa viria com três dias de antecedência. Da reunião só veio a saber na véspera. Notara, naturalmente, o ar atarefado dos membros da família e, através de deduções tiradas das ansiosas tentativas para lhe assinalarem o fato, percebeu que receavam a impressão que viria a causar.
     Mas, de qualquer maneira, os Epantchín todos, sem exceção, estavam possuídos pela ideia de que ele era simplório demais para adivinhar que estavam preocupados a seu respeito, e por causa da recepção. E, assim, olhando-o, estavam todos interior mente constrangidos. Ele, na verdade, ligou pouca importância ao acontecimento porque estava mais preocupado com coisa bem diferente.
     Agláia tornava-se cada hora mais soturna e caprichosa, e isso o oprimia. Quando soube que também contavam com a vinda de Evguénii Pávlovitch, ficou muito satisfeito e disse que desde muito estava desejoso de vê-lo. Por qualquer equívoco, ninguém gostou dessa observação. Agláia retirou-se amuada, da sala, e foi só mais tarde, lá pela meia-noite, quando o príncipe se despediu, que ela aproveitou a oportunidade para trocar algumas palavras com ele, quando saía:

- Gostaria que não viesse ver-nos, durante o dia, amanhã. Venha só à noite. Chegue quando as visitas já estiverem aqui. Sabe que vai haver visitas, não sabe?

     Tinha o ar impaciente e severo. Foi a única vez que lhe falou da recepção. Para ela, também, a lembrança dessas visitas era insuportável. Todo o mundo notara isso. Viera-lhe até a tentação de indispor-se com os pais, por tal motivo, só a impedindo uma mistura de orgulho e modéstia. Míchkin percebeu imediatamente que ela também estava apreensiva por causa dele, e conquanto não quisesse admitir receio da parte dela, acabou subitamente se sentindo assustado. 

- Sim, fui convidado - respondeu. 

     Ela, evidentemente, achou dificuldade em prosseguir. - Pode-se falar consigo a respeito de uma coisa séria? Ao menos uma única vez? - sentiu-se inesperadamente temerosa e aborrecida, não sabendo direito porque, mas ainda assim não se contendo.  

- Podeis, sim. Estou ouvindo, de bom grado - balbuciou ele.

     Depois de um minuto de silêncio, ela começou, com evidente mortificação:

-  Não quis discutir com eles, a tal respeito, porque não há quem os demova de certas coisas. Certos princípios de mamãe sempre me revoltaram. Quanto aos de papai, nem falo nada; estamos habituados a não esperar nada dele. Mamãe é uma nobre mulher, naturalmente. Se você ousasse propor-lhe a compreensão de qualquer coisa, veria. Até hoje ela ainda se inclina profundamente diante dessas criaturas insuportáveis. Não me refiro só à velha princesa; esta então é uma velha desprezível, um desprezível caráter, mas muito esperta e sabe como fazê-los girar ao redor do seu dedo. Ao menos tem isso! Oh! A baixeza de todas essas coisas! E o ridículo! Nós sempre fomos gente da classe média, como a classe média possivelmente possa ser. Por que forçar nos para esse círculo aristocrático? E minhas irmãs adotam a mesma política. Não viu como o Príncipe Chtch... as alvoroçou? Por falar nisso, por que se alegrou você com a vinda de Evguénii Pávlovitch?
- Escutai, Agláia. Parece que estais receosa de que eu me escarrapache aqui, amanhã... na recepção!
- Eu? Com medo? Por sua causa? - e Agláia enrubesceu - Não vejo por que hei de eu ter receio, por sua causa, mesmo que você se arruíne totalmente!... Que tenho eu de ver com isso, e como pode empregar tais palavras? Que quer dizer com esse termo grosseiro “escarrapache!”?
- É... gíria de recreio de colégio. 
- É sim, um termo de colégio! Horroroso! Decerto pretende usar expressões como esta amanhã! Neste caso escolha mais umas, no seu dicionário, em casa. É uma pena como você sabe entrar corretamente em um salão! Onde aprendeu? Saberá como segurar uma xícara de chá e tomá-lo direitinho, quando todo o mundo o estiver olhando?
- Creio que sim.  
- Se sabe, é pena. Pois, se não soubesse, ao menos teria do que me rir. Em todo o caso, preste atenção. Imagine quebrar o vaso de porcelana da China da sala de visitas. É um vaso extravagante. Por favor, quebre-o! Foi um presente. Mamãe ficaria tão fora de si que choraria diante de todo o mundo. Ela o admira tanto! Gesticule, como você sempre faz quando fala, bata nele e quebre-o! Sente-se perto, de propósito.
- Que nada! Sentar-me-ei o mais longe possível! Obrigado por me terdes prevenido.
- Então, fique nervoso e acabe desengonçando os braços. Aposto o que quiser como vai logo discorrer sobre qualquer coisa difícil, um assunto elevado. Isso... demonstrará muito... tato!
- Se não for apropriado, acho que será estúpido.
- Ouça, uma vez por todas - disse Agláia, perdendo a paciência - Se falar sobre qualquer coisa assim como pena capital, ou a posição econômica da Rússia, ou como a Beleza salvará o mundo, naturalmente eu ficarei radiante, aplaudirei, rirei.., mas desde já o previno, não me apareça depois, nunca mais! Estou falando sério! Desta vez estou falando sério. 

     Realmente a sua ameaça era séria. Algo de excepcional podia ser ouvido nestas palavras e visto naqueles olhos; algo que não era brincadeira e que o príncipe nunca reparara antes.

- Agora, depois do que acabastes de dizer, tenho a certeza de que vou falar demais e que até vou quebrar o vaso. Antes não tinha receio de nada, agora tenho pavor de tudo. Certamente “que me escarrapacharei!”.
- Então, contenha a língua. Sente-se quieto e contenha a língua.
- Vou fazer o possível. Mas já tenho a certeza de que vou ficar atrapalhado, que começarei a falar demais e que espatifarei o vaso. Talvez até escorregue no assoalho encerado! Ou qualquer coisa assim. Isso já me aconteceu uma vez. Agora vou sonhar com essa história. Por que me fostes falar?

     Agláia olhou-o soturnamente.

- Vou dizer uma coisa: será melhor que eu não venha amanhã. Darei parte de doente e assim tudo acabará bem - concluiu ele. 

     Agláia bateu com o pé e ficou branca de raiva. - Bom Deus! Onde é que já se viu uma coisa destas? Agora que tudo está arranjado por sua causa, não quer vir! Ó, meu Deus. Mas é um regalo tratar com uma pessoa tão insensata.

- Então eu venho! Então eu venho! - interrompeu-a apressadamente o príncipe - E dou minha palavra de honra que ficarei todo o tempo sentado, sem abrir a boca. Vou tomar tento em mim. 
- E faria bem. Mas por que disse, há pouco, que ia “dar parte” de doente? Onde colhe estas expressões? Que o atacou para as usar deste modo? Ou está querendo que eu me aborreça de propósito?
- Peço perdão. Isto foi mais um termo de colégio... Não uso mais. Compreendo perfeitamente que fiqueis preocupada por minha causa. (Sim, não fiqueis zangada.) Até fico contente quando me emendais. Agora, por exemplo, nem sabeis como estou ao mesmo tempo, assustado e contente. Mas asseguro que todo esse receio é despropositado e insignificante. Deveras, Agláia. Mas permanece a alegria. Estou formidavelmente contente por serdes a criança que sois; uma criança tão bondosa! Oh! Como podeis ser maravilhosa, Agláia!

     Agláia naturalmente estava a ponto de ter um acesso de raiva mas subitamente tomou posse da sua alma, em um instante, um sentimento inteiramente inesperado.

- E nunca me censurará pelas palavras grosseiras que acabei de lhe dizer? Nunca? Em dia algum? - perguntou.
- Como podeis pensar isso? Que ideia! Estais um deslumbramento! Oh! Por que enrubescestes? Mas ficastes tristonha, outra vez! E agora já estais de novo me olhando desapontada. Destes para me olhar, de vez em quando, de um modo esquisito, Agláia. Não eras assim, antes. Eu sei por que é! 
-Psiu! 
- Não, é melhor que eu diga logo! Desde muito que estou querendo dizer. Até já comecei, mas não é o bastante, visto terdes o costume de não acreditar no que eu falo. Há uma pessoa entre nós...
- Psiu! Psiu! Psiu! Psiu! - ela interrompeu-o imediatamente, segurando- lhe a mão com força, olhando-o quase com terror. Nisto, lá de dentro chamaram por ela. Com ar de alívio, deixou-o logo e correu.

     O príncipe teve febre a noite toda. Uma febre que já desde várias noites não o largava. Mas, aquela noite, estando em subdelírio, um pensamento lhe sobreveio: e se, no dia seguinte diante de todo o mundo, tivesse um ataque? Já tivera ataques em público. Tal pensamento gelou-o. Em sonho, se imaginou no meio de uma estrada e incrível companhia de gente desconhecida. E o pior é que não parava de falar. Sabia que não devia falar, mas falava o tempo todo, tentando persuadir essa gente de alguma coisa, voltando-se ora para Ippolít, ora para Evguénii Pávlovitch que estavam extremamente amistosos para com ele. As nove horas, quando se levantou, sentia o espírito confuso; as impressões lhe vinham de um modo compacto e a cabeça lhe doía. Veio-lhe uma vontade indomável e disparatada de ir ver Rogójin, de ficar horas e horas a conversar com ele. Sobre quanta coisa não conversariam! Mas logo caiu em si: era a Ippolít que deveria ir ver. Sentia uma sensação esquisita em seu coração, tanto que quando lhe aconteceu certa coisa, pouco depois, ficou sem perceber o que era. Todavia tudo não passava de quê? De uma visita de Liébediev.
     Dera-se um pouco depois das nove horas a entrada de Liébediev. Vinha já completamente bêbado. Desde que o General Ívolguin o tinha largado, havia uns três dias, até Míchkin, que ultimamente já não era tão observador, reparou que Liébediev ia de mal a pior. Andava todo engordurado e sujo, a gravata para um lado, a gola do paletó puída. No cubículo onde morava erguia a todo instante uma tempestade que se ouvia do pátio. Vera, mais de uma vez, em lagrimas, viera, por causa disso, chamar o príncipe. Mas esta manhã ao se apresentar, começou a falar de um modo enigmático, batendo no peito, culpando-se de uma porção de coisas.

- Recebi.., recebi o castigo da minha baixeza e da minha vilania... uma formidável bofetada – concluiu tragicamente.
- Uma bofetada? De quem? E já tão cedo?
- Já tão cedo? - e Liébediev sorriu sarcasticamente - Que tem o tempo a ver com isso de castigos corporais? Além de que o que recebi foi um castigo moral, e não físico!

     Sentou-se logo, sem cerimônia, e começou a contar a sua história que, aliás, era muito incoerente. O príncipe, fechando o cenho, esteve para se ir, mas certas palavras lhe prenderam a atenção. Ficou completamente mudo de espanto ante as coisas estranhíssimas que este Sr. Liébediev estava a contar. Aparentemente, para poder começar, meteu a história de uma carta. O nome de Agláia Ivánovna foi encaixado... Depois, Liébediev entrou a falar mal do próprio Míchkin. Só se podia concluir que estava zangado com o príncipe. Relembrou, inicialmente, que o Príncipe o honrara com a sua confiança, em determinadas transações com “certa pessoa” (com Nastássia Filíppovna), interrompendo-as completamente e ignominiosamente o despedindo, chegando até a tomar contra o pobre dele atitudes ofensivas, como ainda no outro dia repelindo, com imediata grosseria, “uma inocente pergunta a respeito de próximas alterações íntimas”. Com lágrimas de bêbado protestou que, depois disso, tinha de explodir, principalmente sabendo o mundo de coisas que sabia de Rogójin, de Nastássia Filíppovna e da amiga dela, da própria Varvára Ardaliónovna mesmo de... sim... de Agláia Ivánovna. 

- Se não acredita em mim, saiba então que foi através de Vera, através de minha adorada filha única... isto é, a bem dizer não é a única, pois na verdade tenho três... E quem foi que informou Lizavéta Prokófievna, por meio de cartas, em segredo de morte, naturalmente? Eh! Eh! Quem andou escrevendo a ela, informando-a direitinho das astúcias e alternativas da “personagem” Nastássia Filíppovna? Eh! Eh! Eh! Quem, quem é o escritor anônimo, permita-me perguntar-lhe!? 
- Serás tu? - exclamou o príncipe. 
- Nem mais nem menos! - replicou o bêbado com dignidade - E esta manhã mesmo, há meia hora, aí pelas oito e meia. Não, faz três quartos de hora! Informei àquela mãe de coração tão generoso que tinha um fato... de importância a participar-lhe. Informei por carta entregue à empregada, pela porta dos fundos. O papel lhe foi ter às mãos. 
 - Você já esteve hoje com Lizavéta Prokófievna? - perguntou o príncipe, incapaz de crer nos seus ouvidos.
- Agora mesmo, e recebi um golpe moral. Devolveu-me a carta; ou melhor, atirou-a na minha cara, sem a abrir. E me deu, moralmente falando, um pontapé. Não fisicamente, lá isso não! Embora quase fosse físico também; não esteve mesmo longe de o ser!... 
- Que carta foi essa que ela lhe atirou sem abrir?
- Ora! Eh! Eh! Já não lhe disse? Pensei que já lhe tinha dito. Era uma carta que me fora entregue de propósito com o fim de a... entregar a...
- De quem? De quem?

     Era difícil de ligar pé com cabeça, nas explicações de Liébediev, ou de entender fosse o que fosse. Mas, tanto quanto depreendeu, Míchkin ficou sabendo que a carta tinha sido trazida, por uma empregada, a Vera Liébedieva que, por sua vez, a deveria entregar à pessoa a quem era endereçada. “Tal como da outra vez, a uma certa personagem, da parte de uma outra... pessoa. Pois, como vê, designo uma das partes aqui chamando-a “personagem” e à outra simplesmente “pessoa”, por ser assim mais derrogatório e distinguível, visto haver grande distinção entre uma inocente e bem-nascida senhorita da família de um general e.., uma senhora de uma outra espécie. A carta provinha dessa pessoa cujo nome começa pela letra “A”...

- Como assim? Para Nastássia Filíppovna? Absurdo! exclamou Míchkin.
- Era, sim; era, sim. E se não para ela, para Rogójin. Dá no mesmo. Foi para Rogójin... e havia uma outra, também, para o Sr. Tieriéntiev, para lhe ser entregue, vinda da pessoa que começa pela letra “A” – disse Liêbediev, sorrindo e piscando. 

     Como continuamente misturava uma coisa com outra e esquecia o que tinha começado a falar, o príncipe teve paciência em deixá-lo ir falando. Ainda assim ficou obscuro se a correspondência fora levada por ele ou por Vera. Apesar de ter declarado que dava no mesmo que as cartas fossem dirigidas para Rogójin ou para Nastássia Filíppovna, pareceu mais provável a Míchkin que as cartas não lhe tivessem passado pelas mãos, se é que cartas havia. Ficava, pois, sem explicação, como conseguira ele ter em mãos aquela carta. O mais provável é que a tivesse surrupiado de Vera, roubando-a com jeito, visto lhe convir ir entregá-la a Lizavéta Prokófievna. Foi, pelo menos, o que, de certo modo, o príncipe depreendeu e deduziu.  

- Isso só existe na sua cabeça! - disse-lhe, em extrema agitação.
- Não só nela, nobilíssimo príncipe! - respondeu Liébediev, não sem alguma malícia - Pensei até em trazer-lhe e depô-la em suas mãos, para lhe render um serviço.., mas refleti que a melhor maneira de usá-la, nestas circunstâncias, era levá-la à mãe de tão nobre coração, visto já me ter comunicado com ela, por carta anônima; e quando, ainda agora mesmo, lhe escrevi um bilhete preliminar, pedindo-lhe que me recebesse às oito e vinte da manhã, tornei a assinar. “Do vosso secreto informante”. E então, pela porta dos fundos, fui pronta e imediatamente introduzido à presença da ilustre dama. 
- E então?
- E então... lá, como já disse, quase me espancou. Sim, quase ou melhor, até se poderia dizer que, praticamente, me espancou. Arremessou-me à cara a carta! Bem reparei que desejou guardá-la. Vi isso muitíssimo bem; mas refletiu melhor e a jogou nas minhas fuças. “Já que um indivíduo da sua marca aceita destes encargos... tome!” Estava positivamente ofendida. Deduzo que estava ofendida porque não se envergonhou. É uma senhora muito esquentada! 
- E onde está a carta? 
- Tenho-a ainda comigo. Está aqui. - E estendeu a Míchkin o bilhete de Agláia a Gavril Ardaliónovitch, o mesmo que este, duas horas antes, mostrara, com tanto triunfo, à irmã.
- Esta carta não pode ficar com você. 
- Então é sua. Dou-lhe - apressou-se em declarar, calorosamente, Liébediev - De agora em diante, sou do senhor, inteiramente do senhor, da cabeça ao coração, servo do senhor, depois da minha passada vilania. “Puna-se o coração, poupe-se a barba”, como disse Thomas Moore, na Inglaterra e na Grã-Bretanha. “Mea culpa, mea culpa”, como diz o Papa romano, isto é, quero dizer o Papa de Roma, embora tenha dito o Papa romano. 
- Esta carta tem de ser enviada imediatamente - disse, muito ansioso, o príncipe - Vou entregá-la.  
- Mas, não seria muito melhor, não seria muito melhor, muitíssimo culto príncipe, fazer isto... com ela? Isto!... - e fez com as mãos um gesto para os lados e para baixo, um gesto significativo, piscando, dissimuladamente, com uma porção de caretas, remexendo-se no seu lugar, violentamente, como se tivesse sido inesperadamente picado por uma agulha. 

Terceira Parte
O Idiota: Quarta Parte (6a) - A reunião arranjada
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