quinta-feira, 26 de junho de 2025

Marcel Proust - O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Como uma grande parte)

em busca do tempo perdido

volume III
O Caminho de Guermantes

Primeira Parte

continuando...

      Como uma grande parte do que os médicos sabem lhes é ensinada pelas doenças, são facilmente levados a crer que esse saber dos "pacientes" é o mesmo em todos eles, e gabam-se de espantar aquele com quem se encontram com alguma observação aprendida com aqueles a quem trataram antes. Assim, foi com um fino sorriso de parisiense que, conversando com um camponês, esperaria assombrá-lo servindo-se de uma palavra dialetal, que o doutor Du Boulbon disse à minha avó: 

- Provavelmente o tempo ventoso conseguiria fazê-la dormir, enquanto que fracassariam os mais fortes hipnóticos. 
- Pelo contrário, doutor, o vento me impede absolutamente de dormir.

     Mas os médicos são suscetíveis: 

- Ah! - murmurou Du Boulbon, franzindo as sobrancelhas, como se lhe tivessem pisado no pé e se as insônias de minha avó nas noites tempestuosas lhe fossem uma injúria pessoal. Todavia, não era dotado de muito amor-próprio e como, na situação de um "espírito superior", julgava de seu dever não confiar muito na medicina, retomou logo a serenidade filosófica.

     Minha mãe, no seu desejo apaixonado de ser tranquilizada pelo amigo de Bergotte, acrescentou, em apoio ao médico, que uma prima-irmã de minha avó, presa de uma afecção nervosa, ficara sete anos reclusa em seu quarto em Combray, sem se levantar mais que uma ou duas vezes por semana.

- Veja, minha senhora; eu não sabia disso e poderia tê-lo dito. 
- Mas doutor, eu não sou absolutamente igual a ela, pelo contrário. Meu médico não pode me fazer ficar deitada - disse a minha avó, ou porque se sentisse irritada com as teorias do médico, ou porque desejasse submeter-lhe as objeções que lhe poderiam ser feitas, na esperança de que ele as refutasse, e que, tão logo ele partisse, ela não mais teria qualquer dúvida a opor a seu feliz diagnóstico. 
- Mas é claro, minha senhora, não é possível ter, perdoe-me a expressão, todas as vesânias; a senhora tem outras, não essa. Ontem, visitei uma casa de saúde para neurastênicos. No jardim, um homem estava em pé sobre um banco, imóvel como um faquir, o pescoço inclinado numa posição que devia ser bastante penosa. Como lhe perguntasse o que fazia ali, respondeu me sem fazer um movimento nem virar a cabeça: 
- Doutor, sou extraordinariamente sujeito a reumatismo e resfriado; acabo de fazer muito exercício e, enquanto assim me aquecia bestamente, meu pescoço estava abrigado na gola de flanela. Se agora o afastasse desse abrigo, antes que meu corpo esfrie, tenho a certeza de ficar com um torcicolo ou apanhar uma bronquite. 
- "E de fato a apanharia. O senhor é um grande neurastênico, isso é que é" disse-lhe. Sabem qual foi a razão que me deu para provar que não? É que, ao passo que todos os enfermos do estabelecimento tinham a mania de ver o peso, a ponto de ser preciso colocar correntes na balança para que não passassem o dia inteiro a se pesar, a ele eram obrigados a forçá-lo a subir à balança, de tão pouca vontade que tinha em pesar-se. Gabava-se de não ter a mania dos outros, sem pensar que também tinha a sua e que era ela que o preservava de uma outra. Não fique ofendida com a comparação, minha senhora, pois aquele homem que não ousava virar o pescoço, com medo de ficar resfriado, é o maior poeta do nosso tempo. Aquele pobre maníaco é a mais alta inteligência que conheço. Tolere que a considerem nervosa. A senhora pertence a essa família magnífica e lastimável que é o sal da terra. Tudo o que sabemos de grandioso nos vem dos nervosos. Foram eles e não os outros que fundaram as religiões e compuseram as obras-primas. O mundo jamais saberá tudo o que lhes deve, e principalmente o que eles sofreram para lhe dar o que deram. Desfrutamos das finas músicas, dos belos quadros, mil delicadezas, mas não sabemos o que essas obras custaram aos que as inventaram, em insônias, choros, risos espasmódicos, urticárias, asmas, epilepsias, numa angústia de morrer que é pior que tudo isso, e que a senhora talvez conheça - acrescentou ele, sorrindo à minha avó -, pois, confesse, quando cheguei, a senhora não estava muito tranquila. A senhora se julgava doente, talvez perigosamente enferma. Deus sabe de que afecção julgava a senhora descobrir em si mesma os sintomas. E a senhora não se enganava, possuía-os. O nervosismo é um pastichador genial. Não há doença que ele não imite às maravilhas. Ele imita, a ponto de iludir-nos, a dilatação dos dispépticos, as náuseas da gravidez, a arritmia do cardíaco, o estado febril do tuberculoso. Capaz de ensinar o médico, por que não enganaria o doente? Ah, não julgue que ridicularizo os seus males; não me empenharia em tratá-los se não soubesse compreendê-los. E, veja bem, não há boa confissão que não seja recíproca. Disse-lhe que sem doença nervosa não existe um grande artista; digo-lhe mais acrescentou, erguendo gravemente o dedo -, não há um grande sábio. Acrescentarei que, sem que ele próprio seja atingido por uma doença nervosa, não há, não me faça dizer um bom médico, mas um médico correto das doenças nervosas. Na patologia nervosa, um médico que não diz muita asneira é um doente meio curado, como um crítico é um poeta que já não faz versos, um policial é um ladrão que já não rouba. Quanto a mim, não me julgo albuminúrico feito a senhora, não tenho o medo nervoso do alimento, do ar livre, mas não consigo dormir sem me levantar mais de vinte vezes para verificar se minha porta está fechada. E, nessa casa de saúde onde encontrei ontem um poeta que não virava o pescoço, eu ia reservar um quarto, pois, cá entre nós, lá passo as minhas férias a me tratar, desde que aumentei meus males cansando-me demais em curar os males alheios. 
- Mas, doutor, deverei fazer uma cura semelhante? - disse espantada a minha avó. 
- É inútil, minha senhora. As manifestações que acusa cederão ante a minha palavra. E depois, a senhora tem por perto alguém muito poderoso que de agora em diante se constituirá o seu médico. É o seu mal, o seu excesso de atividade nervosa. Se soubesse a forma de curá-la, evitaria fazê-lo. Basta-me dirigir esse mal. Vejo sobre sua mesa um livro de Bergotte. Curada de seu nervosismo, a senhora não gostaria mais dele. Ora, teria eu o direito de trocar as alegrias que ele proporciona pela integridade nervosa que será certamente incapaz de proporcioná-las? E essas mesmas alegrias constituem um poderoso remédio, talvez o mais eficaz de todos. Não, não quero mal à sua energia nervosa. Peço-lhe apenas que me ouça; confio a senhora a ela. Que dê marcha a ré. A força que empregava para impedi-la de passear, de se alimentar bastante, que a empregue em fazê-la comer, sair, ler, se distrair de todas as formas. Não me diga que está cansada. O cansaço é a realização orgânica de uma ideia preconcebida. Comece por não pensar nele. E, se tiver uma pequena indisposição, o que pode ocorrer com todo mundo, será como se não a tivesse, pois ela terá feito da senhora, conforme uma expressão profunda do Sr. de Talleyrand, um sadio imaginário. Olhe, ela principiou a curá-la, a senhora está me escutando bem ereta, sem ter se apoiado uma só vez, o olho vivo, fisionomia atenta, e isso há uma meia hora marcada no relógio; e nem mesmo se deu conta de tal. Senhora, tenho muita honra em cumprimentá-la. 
 
     Quando, após ter conduzido o doutor até a porta, voltei para o quarto onde minha mãe estava sozinha, o desgosto que me oprimia há várias semanas se desfez; senti que minha mãe ia deixar explodir sua alegria e que ia ver a minha, e experimentei essa impossibilidade de suportar a espera do instante próximo, em que uma pessoa, junto a nós, vai se emocionar, impossibilidade que, em outra ordem, é um tanto como o medo que experimentamos quando sabemos que alguém vai entrar e assustar-nos, por uma porta ainda fechada; quis dizer uma palavra a mamãe, mas minha voz se quebrou e, rompendo em lágrimas, fiquei por muito tempo com a cabeça em seu ombro, chorando, saboreando, aceitando essa dor, agora que sabia que ela saíra da minha vida, como gostamos de exaltar-nos com projetos virtuosos que as circunstâncias não nos permitem pôr em prática. Françoise me exasperou por não tomar parte em nossa alegria. Estava muito comovida porque rebentara uma cena terrível entre o lacaio e o porteiro delator. Fora preciso que a duquesa interviesse com sua bondade, restabelecesse uma aparência de paz e perdoasse ao lacaio. Pois era bondosa, e o emprego seria ideal se ela não desse ouvidos aos mexericos.
     Há vários dias já tinham começado a saber que minha avó estava doente e todos pediam notícias. Saint-Loup me escrevera: "Não quero aproveitar essas horas em que a tua querida avó não passa bem para te fazer o que é muito mais que simples censuras e das quais ela não tem culpa nenhuma. Porém mentiria se dissesse, mesmo provisoriamente, que alguma vez esquecerei a perfídia da tua conduta, e que jamais haverá perdão para a tua trapaça e tua traição."
     Porém alguns amigos, achando minha avó pouco doente ou até ignorando que ela o estivesse, tinham-me pedido que os encontrasse no dia seguinte nos Champs-Élysées, para ali fazer uma visita e comparecer, no campo, a um jantar que me agradava. Não tinha mais nenhum motivo para renunciar a esses dois prazeres. Quando haviam dito à minha avó que agora era necessário, para obedecer ao doutor Du Boulbon, que ela passeasse muito, viu-se que ela imediatamente falou nos Champs-Élysées. Ser-me-ia fácil conduzi-la até lá; e, enquanto ela estivesse lendo sentada, poderia me entender com meus amigos acerca do local onde nos encontraríamos, e ainda teria tempo, se me apressasse, de pegar com eles o trem para Ville d'Avray. No momento combinado, minha avó não quis sair, achando-se cansada. Mas minha mãe, instruída por Du Boulbon, teve a energia de se zangar e se fazer obedecer. Quase chorava à ideia de que minha avó recairia em sua fraqueza nervosa e não mais se recobraria. Nunca um dia tão bonito e quente se prestou de modo mais admirável à saída de casa. O sol, mudando de lugar, intercalava aqui e ali, na solidez quebrada do balcão, suas musselinas inconstantes e dava à pedra de cantaria uma tépida epiderme, um halo de ouro impreciso. Como Françoise não tivera tempo de enviar um "cabo" à sua filha, deixou-nos logo após o almoço. Já era muito que antes tivesse entrado na loja de Jupien, para que ele desse um ponto no mantelete que a minha avó iria pôr para sair. Voltando justo naquele instante de meu passeio matinal, fui com ela à casa do coleteiro. 

- É o seu patrãozinho quem a traz aqui, é a senhora quem o traz, ou então é algum vento favorável que os traz a ambos? - perguntou Jupien a Françoise.

     Embora não tivesse muito ensino, Jupien respeitava tão naturalmente a sintaxe como o Sr. de Guermantes, apesar de seus esforços, a violava. Logo que Françoise partiu e o mantelete já estava consertado, foi necessário que minha avó se vestisse. Tendo recusado obstinadamente que mamãe ficasse com ela, levou um tempo enorme, sozinha, para se aprontar. E agora que eu sabia que ela estava bem de saúde, com essa estranha indiferença que temos para com os parentes enquanto estão vivos, que faz com que os negligenciemos em favor de todo o mundo, achava-a muito egoísta por demorar tanto, por me arriscar a ficar atrasado quando ela sabia que eu tinha um encontro com meus amigos e devia jantar em Ville d'Avray. De tanta impaciência, acabei por descer antes, depois de me dizerem duas vezes que ela já estaria pronta. Por fim ela foi ao meu encontro (sem se desculpar pelo atraso, como fazia de costume nesses casos, vermelha e distraída como uma pessoa que está com pressa e esqueceu metade de suas coisas), no momento em que eu chegava à porta envidraçada, entreaberta, que deixava entrar o ar líquido, vibrante e morno de fora, como se tivessem aberto um reservatório entre as gélidas paredes do prédio, sem absolutamente aquecê-las.  

- Meu Deus, já que vais ver os teus amigos, eu bem podia ter posto outro mantelete. Com este, fico parecendo meio miserável.

     Impressionou-me vê-la tão congestionada e compreendi que, atrasando-se, devia ter se apressado muito. Como acabávamos de deixar o fiacre à entrada da avenida Gabriel, nos Champs-Élysées, vi que minha avó se afastara, sem me falar, e se dirigia para o pequeno pavilhão antigo, de grades verdes, onde um dia eu tinha esperado por Françoise. O mesmo guarda florestal que ali se encontrava então ainda permanecia junto da "marquesa", quando, seguindo minha avó que, devido certamente a uma náusea, levava a mão à boca, subi os degraus do teatrinho rústico erguido no meio dos jardins. Na fiscalização, como nesses circos de feira em que o clown, pronto para entrar em cena e todo enfarinhado, recebe ele mesmo à porta os ingressos, a "marquesa", arrecadando as entradas, estava sempre ali com o seu rosto enorme e irregular, endurecido de grosseira maquilagem, e seu bonezinho de flores vermelhas e renda preta encarrapitado sobre a peruca ruiva. Mas não creio que me reconhecesse. O guarda, abandonando a vigilância da grama, com cuja cor seu uniforme combinava, conversava sentado a seu lado. 

- Pelo visto - dizia -, está sempre aqui. Não pensa em se aposentar? 
- E por que me aposentaria, meu senhor? Diga-me onde estarei melhor do que aqui, a meu gosto e com todo o conforto? E depois, sempre há movimento e distração; é o que chamo meu pequeno Paris; meus fregueses me põem a par do que está acontecendo. Olhe, há um que saiu há menos de cinco minutos, é um magistrado da mais alta posição. Pois bem, senhor! -exclamou com ardor, como se estivesse pronta para sustentar essa afirmação pela violência, caso o agente da autoridade fizesse cara de lhe contestar a exatidão - há oito anos, está ouvindo, todos os dias que Deus dá, às três em ponto ele está aqui, sempre bem-educado; nunca levantou a voz, nem sujou coisa alguma; e fica lendo seus jornais por mais de meia hora, e mais as suas necessidades. Apenas num só dia ele não compareceu. No momento não reparei, mas à noite, de repente, pensei comigo: "Olha, aquele senhor não veio, talvez esteja morto." Aquilo mexeu comigo, pois eu crio amizade às pessoas quando são bem-educadas. Por isso, fiquei muito contente quando o vi no dia seguinte, e lhe disse: "Senhor, aconteceu-lhe alguma coisa ontem?" Então ele me disse que nada lhe acontecera, que sua mulher é que havia morrido, e ele ficara tão transtornado que não pudera vir. Claro que estava muito triste, compreende, vinte e cinco anos de casados, mas mesmo assim parecia contente por voltar. A gente percebia que ele tinha sido transtornado nos seus pequenos hábitos. Procurei reanimá-lo e disse: "É preciso não se deixar abater. Venha sempre como antes; no seu desgosto, será uma pequena distração."  

     A "marquesa" assumiu um tom mais doce, pois havia constatado que o vigia das árvores e gramados a escutava com bonomia, sem pensar em contradizê-la, mantendo inofensiva na bainha uma espada que parecia antes algum instrumento de jardinagem ou um atributo de horticultura. 

- E depois - disse ela -, escolho os meus fregueses, não recebo qualquer um no que chamo os meus salões. Será que isto não parece um salão, com as minhas flores? Como tenho fregueses muito gentis, um ou outro sempre deseja me trazer um raminho de lilases, de jasmins ou de rosas, esta minha flor predileta.

     Enrubesci à ideia de que talvez fôssemos mal avaliados por essa senhora, por nunca lhe trazer lilases nem rosas bonitas; e, para tentar escapar fisicamente ou de não ser por ela julgado senão por contumácia a um julgamento desfavorável, avancei para a porta de saída. Mas nem sempre na vida são tidas por mais amáveis as pessoas que trazem lindas rosas, pois a "marquesa", julgando que eu me aborrecia, dirigiu-se a mim: 

- Não quer que eu lhe abra um reservado?

     E, como eu recusasse: 

- Não quer mesmo? - acrescentou com um sorriso -; é oferecido de boa vontade, mas bem sei que são necessidades que não basta não pagar para senti-las.

     Nesse momento, uma mulher mal vestida entrou precipitadamente, parecendo justamente senti-las. Mas não fazia parte do mundo da "marquesa", pois esta, com uma ferocidade de esnobe, disse-lhe secamente: 

- Nenhum está livre, senhora. 
- Será que vai demorar muito? - indagou a pobre senhora, vermelha sob suas flores amarelas. 
- Ah, senhora, aconselho-a a ir a outra parte, pois, como vê, ainda há estes dois senhores à espera - disse ela, apontando para mim e para o guarda -, e só tenho um reservado; os outros estão em obras... Tem cara de mau pagador disse a "marquesa". - Não é esse o tipo daqui, essa gente não tem asseio, nenhum respeito, e eu teria de passar uma hora limpando por causa dela. Não lastimo os seus dois tostões.

     Por fim a minha avó saiu e, imaginando que ela não procuraria compensar com uma gorjeta a indiscrição que havia mostrado ficando ali tanto tempo, bati em retirada para não sofrer uma parte do desdém que certamente lhe testemunharia a "marquesa", e me enfiei por uma alameda, mas devagar, para que minha avó pudesse me alcançar com facilidade e continuar junto comigo. Foi o que logo aconteceu. Pensava que minha avó ia dizer: "Eu te fiz esperar demais; mas acho que mesmo assim não vais faltar ao encontro com teus amigos", mas ela não disse uma só palavra, e, embora um tanto desapontado, eu não quis ser o primeiro a falar. Por fim, erguendo o olhar para ela, vi que, sempre caminhando a meu lado, ela tinha a cara virada para o lado oposto. Receei que ainda estivesse com náuseas. Encarei-a melhor e me espantei com seu passo sacudido. Seu chapéu estava torto na cabeça, seu casaquinho sujo, e ela apresentava uma fisionomia descomposta e descontente, o rosto rubro e preocupado de uma pessoa que acaba de ser atropelada por um carro ou que tiraram de um fosso. 

- Receei que tivesse tido um enjoo, vovó; estás te sentindo melhor?

     Sem dúvida ela pensou que era impossível não responder sem inquietar-me. 

- Ouvi toda a conversa entre a "marquesa" e o guarda disse. - Era exatamente como Guermantes e o pequeno clã dos Verdurin. Meu Deus! Em que termos galantes eram tratadas aquelas coisas! - E ela acrescentou ainda, diligentemente, esta frase da sua marquesa, a dela, Sra. de Sévigné: "Ao ouvi-los, pensava que eles me preparavam as delícias de uma despedida."

     Estas foram as palavras que me disse, e nas quais pusera toda a sua finura, o seu gosto pelas citações, sua memória relativa aos clássicos, até um pouco mais do que habitualmente faria e como para mostrar que mantinha mesmo a posse daquilo tudo. Mas essas frases, adivinhei-as mais do que as ouvi, de tanto que as pronunciava com uma voz pastosa e cerrando os dentes mais do que poderia explicá-lo o medo de vomitar. 

- Vamos - disse eu com bastante displicência, a fim de não parecer que levava a sério demais o seu mal-estar -; já que estás um pouco enjoada, voltemos para casa, não quero fazer passear pelos Champs-Élysées uma avó que está com indigestão. 
- Não tinha coragem de te pedir isto por causa dos teus amigos - respondeu ela. - Pobre pequeno! Mas já que o queres, é o mais aconselhável.

     Tive medo de que ela própria reparasse na maneira como pronunciava estas palavras. 

- Vamos - disse-lhe bruscamente -, não te canses falando, já que estás com enjoo, seria um absurdo; pelo menos espera que entremos em casa.

     Ela me sorriu tristemente e apertou-me a mão. Compreendera que não tinha como me ocultar aquilo que eu adivinhara logo: acabara de sofrer um pequeno ataque.

continua na página 140...
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Volume 2
Volume 3
O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Como uma grande parte)
Volume 7

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