em busca do tempo perdido
volume IIIO Caminho de Guermantes
Primeira Parte
Primeira Parte
Como uma grande parte do que os médicos sabem lhes é ensinada pelas doenças, são facilmente levados a crer que esse saber dos "pacientes" é o mesmo em todos eles, e gabam-se de espantar aquele com quem se encontram com alguma observação aprendida com aqueles a quem trataram antes. Assim, foi com um fino sorriso de parisiense que, conversando com um camponês, esperaria assombrá-lo servindo-se de uma palavra dialetal, que o doutor Du Boulbon disse à minha avó:
- Provavelmente o tempo ventoso conseguiria fazê-la dormir, enquanto que fracassariam
os mais fortes hipnóticos.
- Pelo contrário, doutor, o vento me impede absolutamente de dormir.
Mas os médicos são suscetíveis:
- Ah! - murmurou Du Boulbon, franzindo as sobrancelhas, como se lhe tivessem pisado no
pé e se as insônias de minha avó nas noites tempestuosas lhe fossem uma injúria pessoal.
Todavia, não era dotado de muito amor-próprio e como, na situação de um "espírito superior",
julgava de seu dever não confiar muito na medicina, retomou logo a serenidade filosófica.
Minha mãe, no seu desejo apaixonado de ser tranquilizada pelo amigo de Bergotte,
acrescentou, em apoio ao médico, que uma prima-irmã de minha avó, presa de uma afecção
nervosa, ficara sete anos reclusa em seu quarto em Combray, sem se levantar mais que uma ou
duas vezes por semana.
- Veja, minha senhora; eu não sabia disso e poderia tê-lo dito.
- Mas doutor, eu não sou absolutamente igual a ela, pelo contrário. Meu médico não pode
me fazer ficar deitada - disse a minha avó, ou porque se sentisse irritada com as teorias do
médico, ou porque desejasse submeter-lhe as objeções que lhe poderiam ser feitas, na esperança
de que ele as refutasse, e que, tão logo ele partisse, ela não mais teria qualquer dúvida a opor a
seu feliz diagnóstico.
- Mas é claro, minha senhora, não é possível ter, perdoe-me a expressão, todas as
vesânias; a senhora tem outras, não essa. Ontem, visitei uma casa de saúde para neurastênicos.
No jardim, um homem estava em pé sobre um banco, imóvel como um faquir, o pescoço inclinado
numa posição que devia ser bastante penosa. Como lhe perguntasse o que fazia ali, respondeu
me sem fazer um movimento nem virar a cabeça:
- Doutor, sou extraordinariamente sujeito a reumatismo e resfriado; acabo de fazer muito
exercício e, enquanto assim me aquecia bestamente, meu pescoço estava abrigado na gola de
flanela. Se agora o afastasse desse abrigo, antes que meu corpo esfrie, tenho a certeza de ficar
com um torcicolo ou apanhar uma bronquite.
- "E de fato a apanharia. O senhor é um grande neurastênico, isso é que é" disse-lhe.
Sabem qual foi a razão que me deu para provar que não? É que, ao passo que todos os enfermos
do estabelecimento tinham a mania de ver o peso, a ponto de ser preciso colocar correntes na
balança para que não passassem o dia inteiro a se pesar, a ele eram obrigados a forçá-lo a subir
à balança, de tão pouca vontade que tinha em pesar-se. Gabava-se de não ter a mania dos
outros, sem pensar que também tinha a sua e que era ela que o preservava de uma outra. Não
fique ofendida com a comparação, minha senhora, pois aquele homem que não ousava virar o
pescoço, com medo de ficar resfriado, é o maior poeta do nosso tempo. Aquele pobre maníaco é
a mais alta inteligência que conheço. Tolere que a considerem nervosa. A senhora pertence a
essa família magnífica e lastimável que é o sal da terra. Tudo o que sabemos de grandioso nos
vem dos nervosos. Foram eles e não os outros que fundaram as religiões e compuseram as
obras-primas. O mundo jamais saberá tudo o que lhes deve, e principalmente o que eles sofreram
para lhe dar o que deram. Desfrutamos das finas músicas, dos belos quadros, mil delicadezas,
mas não sabemos o que essas obras custaram aos que as inventaram, em insônias, choros, risos
espasmódicos, urticárias, asmas, epilepsias, numa angústia de morrer que é pior que tudo isso, e
que a senhora talvez conheça - acrescentou ele, sorrindo à minha avó -, pois, confesse, quando
cheguei, a senhora não estava muito tranquila. A senhora se julgava doente, talvez
perigosamente enferma. Deus sabe de que afecção julgava a senhora descobrir em si mesma os
sintomas. E a senhora não se enganava, possuía-os. O nervosismo é um pastichador genial. Não
há doença que ele não imite às maravilhas. Ele imita, a ponto de iludir-nos, a dilatação dos
dispépticos, as náuseas da gravidez, a arritmia do cardíaco, o estado febril do tuberculoso. Capaz
de ensinar o médico, por que não enganaria o doente? Ah, não julgue que ridicularizo os seus
males; não me empenharia em tratá-los se não soubesse compreendê-los. E, veja bem, não há
boa confissão que não seja recíproca. Disse-lhe que sem doença nervosa não existe um grande
artista; digo-lhe mais acrescentou, erguendo gravemente o dedo -, não há um grande sábio.
Acrescentarei que, sem que ele próprio seja atingido por uma doença nervosa, não há, não me
faça dizer um bom médico, mas um médico correto das doenças nervosas. Na patologia nervosa,
um médico que não diz muita asneira é um doente meio curado, como um crítico é um poeta que
já não faz versos, um policial é um ladrão que já não rouba. Quanto a mim, não me julgo
albuminúrico feito a senhora, não tenho o medo nervoso do alimento, do ar livre, mas não consigo
dormir sem me levantar mais de vinte vezes para verificar se minha porta está fechada. E, nessa
casa de saúde onde encontrei ontem um poeta que não virava o pescoço, eu ia reservar um
quarto, pois, cá entre nós, lá passo as minhas férias a me tratar, desde que aumentei meus males
cansando-me demais em curar os males alheios.
- Mas, doutor, deverei fazer uma cura semelhante? - disse espantada a minha avó.
- É inútil, minha senhora. As manifestações que acusa cederão ante a minha palavra. E
depois, a senhora tem por perto alguém muito poderoso que de agora em diante se constituirá o
seu médico. É o seu mal, o seu excesso de atividade nervosa. Se soubesse a forma de curá-la,
evitaria fazê-lo. Basta-me dirigir esse mal. Vejo sobre sua mesa um livro de Bergotte. Curada de
seu nervosismo, a senhora não gostaria mais dele. Ora, teria eu o direito de trocar as alegrias que
ele proporciona pela integridade nervosa que será certamente incapaz de proporcioná-las? E
essas mesmas alegrias constituem um poderoso remédio, talvez o mais eficaz de todos. Não, não
quero mal à sua energia nervosa. Peço-lhe apenas que me ouça; confio a senhora a ela. Que dê
marcha a ré. A força que empregava para impedi-la de passear, de se alimentar bastante, que a
empregue em fazê-la comer, sair, ler, se distrair de todas as formas. Não me diga que está
cansada. O cansaço é a realização orgânica de uma ideia preconcebida. Comece por não pensar
nele. E, se tiver uma pequena indisposição, o que pode ocorrer com todo mundo, será como se
não a tivesse, pois ela terá feito da senhora, conforme uma expressão profunda do Sr. de
Talleyrand, um sadio imaginário. Olhe, ela principiou a curá-la, a senhora está me escutando bem
ereta, sem ter se apoiado uma só vez, o olho vivo, fisionomia atenta, e isso há uma meia hora
marcada no relógio; e nem mesmo se deu conta de tal. Senhora, tenho muita honra em
cumprimentá-la.
Quando, após ter conduzido o doutor até a porta, voltei para o quarto onde minha mãe
estava sozinha, o desgosto que me oprimia há várias semanas se desfez; senti que minha mãe ia
deixar explodir sua alegria e que ia ver a minha, e experimentei essa impossibilidade de suportar a
espera do instante próximo, em que uma pessoa, junto a nós, vai se emocionar, impossibilidade
que, em outra ordem, é um tanto como o medo que experimentamos quando sabemos que
alguém vai entrar e assustar-nos, por uma porta ainda fechada; quis dizer uma palavra a mamãe,
mas minha voz se quebrou e, rompendo em lágrimas, fiquei por muito tempo com a cabeça em
seu ombro, chorando, saboreando, aceitando essa dor, agora que sabia que ela saíra da minha
vida, como gostamos de exaltar-nos com projetos virtuosos que as circunstâncias não nos
permitem pôr em prática. Françoise me exasperou por não tomar parte em nossa alegria. Estava
muito comovida porque rebentara uma cena terrível entre o lacaio e o porteiro delator. Fora
preciso que a duquesa interviesse com sua bondade, restabelecesse uma aparência de paz e
perdoasse ao lacaio. Pois era bondosa, e o emprego seria ideal se ela não desse ouvidos aos
mexericos.
Há vários dias já tinham começado a saber que minha avó estava doente e todos pediam
notícias. Saint-Loup me escrevera: "Não quero aproveitar essas horas em que a tua querida avó
não passa bem para te fazer o que é muito mais que simples censuras e das quais ela não tem
culpa nenhuma. Porém mentiria se dissesse, mesmo provisoriamente, que alguma vez esquecerei
a perfídia da tua conduta, e que jamais haverá perdão para a tua trapaça e tua traição."
Porém alguns amigos, achando minha avó pouco doente ou até ignorando que ela o
estivesse, tinham-me pedido que os encontrasse no dia seguinte nos Champs-Élysées, para ali
fazer uma visita e comparecer, no campo, a um jantar que me agradava. Não tinha mais nenhum
motivo para renunciar a esses dois prazeres. Quando haviam dito à minha avó que agora era
necessário, para obedecer ao doutor Du Boulbon, que ela passeasse muito, viu-se que ela
imediatamente falou nos Champs-Élysées. Ser-me-ia fácil conduzi-la até lá; e, enquanto ela
estivesse lendo sentada, poderia me entender com meus amigos acerca do local onde nos
encontraríamos, e ainda teria tempo, se me apressasse, de pegar com eles o trem para Ville
d'Avray. No momento combinado, minha avó não quis sair, achando-se cansada. Mas minha mãe,
instruída por Du Boulbon, teve a energia de se zangar e se fazer obedecer. Quase chorava à ideia
de que minha avó recairia em sua fraqueza nervosa e não mais se recobraria. Nunca um dia tão
bonito e quente se prestou de modo mais admirável à saída de casa. O sol, mudando de lugar,
intercalava aqui e ali, na solidez quebrada do balcão, suas musselinas inconstantes e dava à
pedra de cantaria uma tépida epiderme, um halo de ouro impreciso. Como Françoise não tivera
tempo de enviar um "cabo" à sua filha, deixou-nos logo após o almoço. Já era muito que antes
tivesse entrado na loja de Jupien, para que ele desse um ponto no mantelete que a minha avó iria
pôr para sair. Voltando justo naquele instante de meu passeio matinal, fui com ela à casa do
coleteiro.
- É o seu patrãozinho quem a traz aqui, é a senhora quem o traz, ou então é algum vento
favorável que os traz a ambos? - perguntou Jupien a Françoise.
Embora não tivesse muito ensino, Jupien respeitava tão naturalmente a sintaxe como o Sr.
de Guermantes, apesar de seus esforços, a violava. Logo que Françoise partiu e o mantelete já
estava consertado, foi necessário que minha avó se vestisse. Tendo recusado obstinadamente
que mamãe ficasse com ela, levou um tempo enorme, sozinha, para se aprontar. E agora que eu
sabia que ela estava bem de saúde, com essa estranha indiferença que temos para com os
parentes enquanto estão vivos, que faz com que os negligenciemos em favor de todo o mundo,
achava-a muito egoísta por demorar tanto, por me arriscar a ficar atrasado quando ela sabia que
eu tinha um encontro com meus amigos e devia jantar em Ville d'Avray. De tanta impaciência,
acabei por descer antes, depois de me dizerem duas vezes que ela já estaria pronta. Por fim ela
foi ao meu encontro (sem se desculpar pelo atraso, como fazia de costume nesses casos,
vermelha e distraída como uma pessoa que está com pressa e esqueceu metade de suas coisas),
no momento em que eu chegava à porta envidraçada, entreaberta, que deixava entrar o ar líquido,
vibrante e morno de fora, como se tivessem aberto um reservatório entre as gélidas paredes do
prédio, sem absolutamente aquecê-las.
- Meu Deus, já que vais ver os teus amigos, eu bem podia ter posto outro mantelete. Com
este, fico parecendo meio miserável.
Impressionou-me vê-la tão congestionada e compreendi que, atrasando-se, devia ter se
apressado muito. Como acabávamos de deixar o fiacre à entrada da avenida Gabriel, nos
Champs-Élysées, vi que minha avó se afastara, sem me falar, e se dirigia para o pequeno
pavilhão antigo, de grades verdes, onde um dia eu tinha esperado por Françoise. O mesmo
guarda florestal que ali se encontrava então ainda permanecia junto da "marquesa", quando,
seguindo minha avó que, devido certamente a uma náusea, levava a mão à boca, subi os degraus
do teatrinho rústico erguido no meio dos jardins. Na fiscalização, como nesses circos de feira em
que o clown, pronto para entrar em cena e todo enfarinhado, recebe ele mesmo à porta os
ingressos, a "marquesa", arrecadando as entradas, estava sempre ali com o seu rosto enorme e
irregular, endurecido de grosseira maquilagem, e seu bonezinho de flores vermelhas e renda preta
encarrapitado sobre a peruca ruiva. Mas não creio que me reconhecesse. O guarda,
abandonando a vigilância da grama, com cuja cor seu uniforme combinava, conversava sentado a
seu lado.
- Pelo visto - dizia -, está sempre aqui. Não pensa em se aposentar?
- E por que me aposentaria, meu senhor? Diga-me onde estarei melhor do que aqui, a meu
gosto e com todo o conforto? E depois, sempre há movimento e distração; é o que chamo meu
pequeno Paris; meus fregueses me põem a par do que está acontecendo. Olhe, há um que saiu
há menos de cinco minutos, é um magistrado da mais alta posição. Pois bem, senhor! -exclamou
com ardor, como se estivesse pronta para sustentar essa afirmação pela violência, caso o agente
da autoridade fizesse cara de lhe contestar a exatidão - há oito anos, está ouvindo, todos os dias
que Deus dá, às três em ponto ele está aqui, sempre bem-educado; nunca levantou a voz, nem
sujou coisa alguma; e fica lendo seus jornais por mais de meia hora, e mais as suas
necessidades. Apenas num só dia ele não compareceu. No momento não reparei, mas à noite, de
repente, pensei comigo: "Olha, aquele senhor não veio, talvez esteja morto." Aquilo mexeu
comigo, pois eu crio amizade às pessoas quando são bem-educadas. Por isso, fiquei muito
contente quando o vi no dia seguinte, e lhe disse: "Senhor, aconteceu-lhe alguma coisa ontem?"
Então ele me disse que nada lhe acontecera, que sua mulher é que havia morrido, e ele ficara tão
transtornado que não pudera vir. Claro que estava muito triste, compreende, vinte e cinco anos de
casados, mas mesmo assim parecia contente por voltar. A gente percebia que ele tinha sido
transtornado nos seus pequenos hábitos. Procurei reanimá-lo e disse: "É preciso não se deixar
abater. Venha sempre como antes; no seu desgosto, será uma pequena distração."
A "marquesa" assumiu um tom mais doce, pois havia constatado que o vigia das árvores e
gramados a escutava com bonomia, sem pensar em contradizê-la, mantendo inofensiva na bainha
uma espada que parecia antes algum instrumento de jardinagem ou um atributo de horticultura.
- E depois - disse ela -, escolho os meus fregueses, não recebo qualquer um no que
chamo os meus salões. Será que isto não parece um salão, com as minhas flores? Como tenho
fregueses muito gentis, um ou outro sempre deseja me trazer um raminho de lilases, de jasmins
ou de rosas, esta minha flor predileta.
Enrubesci à ideia de que talvez fôssemos mal avaliados por essa senhora, por nunca lhe
trazer lilases nem rosas bonitas; e, para tentar escapar fisicamente ou de não ser por ela julgado
senão por contumácia a um julgamento desfavorável, avancei para a porta de saída. Mas nem
sempre na vida são tidas por mais amáveis as pessoas que trazem lindas rosas, pois a
"marquesa", julgando que eu me aborrecia, dirigiu-se a mim:
- Não quer que eu lhe abra um reservado?
E, como eu recusasse:
- Não quer mesmo? - acrescentou com um sorriso -; é oferecido de boa vontade, mas bem
sei que são necessidades que não basta não pagar para senti-las.
Nesse momento, uma mulher mal vestida entrou precipitadamente, parecendo justamente
senti-las. Mas não fazia parte do mundo da "marquesa", pois esta, com uma ferocidade de
esnobe, disse-lhe secamente:
- Nenhum está livre, senhora.
- Será que vai demorar muito? - indagou a pobre senhora, vermelha sob suas flores
amarelas.
- Ah, senhora, aconselho-a a ir a outra parte, pois, como vê, ainda há estes dois senhores
à espera - disse ela, apontando para mim e para o guarda -, e só tenho um reservado; os outros
estão em obras... Tem cara de mau pagador disse a "marquesa". - Não é esse o tipo daqui, essa
gente não tem asseio, nenhum respeito, e eu teria de passar uma hora limpando por causa dela.
Não lastimo os seus dois tostões.
Por fim a minha avó saiu e, imaginando que ela não procuraria compensar com uma
gorjeta a indiscrição que havia mostrado ficando ali tanto tempo, bati em retirada para não sofrer
uma parte do desdém que certamente lhe testemunharia a "marquesa", e me enfiei por uma
alameda, mas devagar, para que minha avó pudesse me alcançar com facilidade e continuar junto
comigo. Foi o que logo aconteceu. Pensava que minha avó ia dizer: "Eu te fiz esperar demais;
mas acho que mesmo assim não vais faltar ao encontro com teus amigos", mas ela não disse
uma só palavra, e, embora um tanto desapontado, eu não quis ser o primeiro a falar. Por fim,
erguendo o olhar para ela, vi que, sempre caminhando a meu lado, ela tinha a cara virada para o
lado oposto. Receei que ainda estivesse com náuseas. Encarei-a melhor e me espantei com seu
passo sacudido. Seu chapéu estava torto na cabeça, seu casaquinho sujo, e ela apresentava uma
fisionomia descomposta e descontente, o rosto rubro e preocupado de uma pessoa que acaba de
ser atropelada por um carro ou que tiraram de um fosso.
- Receei que tivesse tido um enjoo, vovó; estás te sentindo melhor?
Sem dúvida ela pensou que era impossível não responder sem inquietar-me.
- Ouvi toda a conversa entre a "marquesa" e o guarda disse. - Era exatamente como
Guermantes e o pequeno clã dos Verdurin. Meu Deus! Em que termos galantes eram tratadas
aquelas coisas! - E ela acrescentou ainda, diligentemente, esta frase da sua marquesa, a dela,
Sra. de Sévigné: "Ao ouvi-los, pensava que eles me preparavam as delícias de uma despedida."
Estas foram as palavras que me disse, e nas quais pusera toda a sua finura, o seu gosto
pelas citações, sua memória relativa aos clássicos, até um pouco mais do que habitualmente faria
e como para mostrar que mantinha mesmo a posse daquilo tudo. Mas essas frases, adivinhei-as
mais do que as ouvi, de tanto que as pronunciava com uma voz pastosa e cerrando os dentes
mais do que poderia explicá-lo o medo de vomitar.
- Vamos - disse eu com bastante displicência, a fim de não parecer que levava a sério
demais o seu mal-estar -; já que estás um pouco enjoada, voltemos para casa, não quero fazer
passear pelos Champs-Élysées uma avó que está com indigestão.
- Não tinha coragem de te pedir isto por causa dos teus amigos - respondeu ela. - Pobre
pequeno! Mas já que o queres, é o mais aconselhável.
Tive medo de que ela própria reparasse na maneira como pronunciava estas palavras.
- Vamos - disse-lhe bruscamente -, não te canses falando, já que estás com enjoo, seria
um absurdo; pelo menos espera que entremos em casa.
Ela me sorriu tristemente e apertou-me a mão. Compreendera que não tinha como me
ocultar aquilo que eu adivinhara logo: acabara de sofrer um pequeno ataque.
continua na página 140...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
Volume 3
O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Como uma grande parte)
Volume 7
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