segunda-feira, 2 de junho de 2025

Victor Hugo - Os Miseráveis: Cosette, Livro Sexto - O Petit Picpus / X - Origem de adoração perpétua

Victor Hugo - Os Miseráveis


Segunda Parte - Cosette

Livro Sexto — O Petit Picpus

X - Origem de adoração perpétua
     
      Com efeito, o locutório quase sepulcral, de que temos tentado dar uma ideia, é um fato inteiramente local, que não se reproduz com a mesma severidade noutros conventos, especialmente no convento da rua do Templo, que, na verdade, era de outra ordem. Neste convento, os postigos negros eram substituídos por cortinas de cor escura, e o locutório era uma sala soalhada, com cortinas de cassa nas janelas e quadros de toda a espécie pelas paredes entre os quais figurava o retrato de uma beneditina com o rosto descoberto, ramalhetes pintados e até a cabeça de um turco.
      Era no jardim do convento da rua do Templo que se achava o castanheiro da Índia que passava pelo mais belo e maior da França, e que entre o bom povo do século XVIII, tinha a fama de ser o pai de todos os castanheiros do reino.
     Como já tivemos ocasião de dizer, o convento do Templo era ocupado por beneditinas da Adoração Perpétua, beneditinas, porém, muito diferentes das que estavam na obediência de Cister. A ordem da Adoração Perpétua não é muito antiga, pois não remonta a mais de duzentos anos. Em 1649 foi duas vezes e com poucos dias de intervalo, profanado o Santíssimo Sacramento, em duas igrejas de Paris, em S. Sulpício e em S. Jean da Greve, sacrilégio horroroso e raro que encheu de comoção toda a cidade. Ordenou por este motivo o vigário-geral, prior de S. Germano-des-Prés, uma solene procissão, em que todo o seu clero tomou parte, oficiando o núncio do papa.
      Duas senhoras, porém, Madame de Courtin, marquesa de Boucs, e a condessa de Chateauvieux, julgaram insuficiente a expiação. Aquele ultraje, bem. que passageiro, feito ao «augustíssimo sacramento do altar» não saía daquelas duas almas piedosas, parecendo-lhes que não podia ser reparado senão por uma «Adoração Perpétua» em algum mosteiro de freiras. Fizeram ambas, pois, uma em 1652, a outra em 1653, doação de consideráveis quantias à madre Catarina de Bar, chamada do Santíssimo Sacramento, religiosa beneditina, para ela com este piedoso fim, fundar um mosteiro da ordem de S. Bento; a primeira licença para esta fundação foi dada à madre Catarina pelo senhor de Metz, abade de S. Germano com a condição de que nenhuma mulher pudesse ser admitida, sem trazer trezentas libras de pensão, que perfazem seis mil libras de capital». Depois do abade de S. Germano concedeu o rei cartas-patentes, e em 1654, tanto a licença abacial, como as cartas régias, foram homologadas no tribunal de contas e no parlamento.
     Eis aqui a origem e a consagração legal do estabelecimento das beneditinas da Adoração Perpétua do Santíssimo Sacramento em Paris. O seu primeiro convento foi «todo feito de novo» na rua da Cassete à custa de Madame de Boucs e de Madame Chateauvieux.
     Esta ordem, como se vê, não se confundia com as beneditinas chamadas de Cister. O seu superior era o abade de S. Germano-des-Prés, do mesmo modo que o superior das freiras do Sagrado Coração era o geral dos jesuítas, e o das irmãs da caridade o geral dos lazaristas.
      Era também completamente diferente das bernardas do Petit-Picpus, cujo interior acabamos de mostrar. Em 1657 o papa Alexandre VII, por um breve especial, dera autorização às bernardas do Petit-Picpus, para praticarem a Adoração Perpétua à semelhança das beneditinas do Santíssimo Sacramento. As duas ordens, porém, nem por isso deixaram de ficar inteiramente distintas, como dantes.

continua na página 386...
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
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Segunda Parte
Os Miseráveis: Cosette, Livro Sexto - X - Origem de adoração perpétua
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Victor Hugo
OS MISERÁVEIS 
Título original: Les Misérables (1862)
Tradução: Francisco Ferreira da Silva Vieira 

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