segunda-feira, 8 de junho de 2020

histórias de avoinha: Obrigada, Açunta!

mulheres descalças


Obrigado, Açunta!
Ensaio 127Bw – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




Venha até a janela, paizinho, dona rosinha voltô insistí no chamado, oiava da janela a movimentação na praça, ele parecia uma tracada emperrada e travada duma porta enferrujada qui num é aberta por teimosia há muntu tempo, uma passagem estreita qui só a mão num vai abrí, só um pedido num vai destravá tanta moleza sinistra, caduca e indiferente, queria escavá dentro dele o pecado e a depravação da paixão sem freio qui já sentiu e endireitava as vontade qui tinha, aviva a boca com uma saliva grossa e morna dos canto mais secreto, mais continuava aturdido do pescoço inté os pé enquanto a cabeça preguiçosa e lenta, sem pensamento com graça, mais atrapaiava qui ajudava, cada dia se sentia mais misterioso e cruel, a calma era uma denguice distante qui num conseguia atendê, o prazê mundano seguia enroscado como um parasita nas virilha, tava perdido pra vida, era uma fraude dele mesmo

o siô augusto oiô pra siá rosinha sem entendê o feitiço daquela janela pra mãe e fia, a vontade de tá na praça qui elas num falava, o contentamento de só oiá, vivia assombrado com aquele feitio delas oiá e querê tá no meio da praça sentindo os fedô qui ele tanto odiava, Ai, Menino Deusinho! A mãezinha, também?

quanto desprazê naquela prugunta, quanta vontade num fazê uqui ela tava pedindo, num enxergava hora tudo aquilo acabá, sem repetição, sem levantá bunda do exílio dum bão assento, se fosse caso, a vontade dele já tinha acabado com tudo, julgamento feito na praça, A voz do povo é a voz de Deus! A sentença cumprida ali mesmo, sem muita conversa fiada.

pru siô augusto num tem coisa meió qui tá sentado com a perna curta – qui só ele vê  bem acomodada e escondida, essa conversa qui todo mundo tem defeito num dava muntu certo com ele, queria a riqueza da perfeição, e tumbém, a perfeição da riqueza, vivia descontente com certeza de num tê nem uma coisa nem otra, uma dô interminável, amarga e intolerante, precisava saciá a dô com mais dô, a tristeza nas muié da casa é a dô qui tava mais perto de tê

duas batida leve e fina na porta  como a brisa da noite que vem entrando sem pressa pruqui sabe qui num tem força feita pra lutá, impedí ela de cavalgá sem pudô de tropeçá na luz do dia  fez o siô augusto pendurá a resmungação como se faz com o lampião pendurado na parede, pavio afundado no óleo de baleia, graveto e fogo na mão, pronto pru uso, empanturrado pra tarefa da iluminação

pensô qui faz muntu tempo – um tempo qui tá além da conta amarga qui afoga e fareja moribundo no cortejo das lamentação – do pavio num tá enfiado no óleo da baleia pra uso do fogo no poente – lampião qui num acende só tem serventia pra alindamento das parede, cavalo de luta sem soldado a tumba espera indiferente pru alimento do milho

Entre, autorizô o dono acima de tudo e todas da casa, maió qui ele só deus acima de todas casa – villa amada, um grande guarda-chuva do teatro banal qui seduz pelo medo das treva, pelo menos, é como o siô augusto enxerga –, a porta foi se abrindo sem um rangido inté qui preta antônia açunta entrô na sala da música pianística

O café da tardinha, sô Augusto...

esse café da tardinha tem a moldura especial do sol morrente nas água do rio, tudo lambe as porta da entrada da villa, o poente tinge tudo de acerejado colorado, todo dia, o poente do siô augusto toma o café da tardinha oiando o horizonte róseo e luminoso na janela infernal, a sua janela, e mais triste fica, Tudo vai continuar quando  acabar para mim, dá uma pena saber que vai continuar e não terei deixado nenhuma lembrança. Eu só terei as trevas frias. É tudo tão ligeiro.

antônia carregava o tabulêro do café com as duas xícara de porcelana fina, desenhada com as flô mais delicada qui ela já tinha visto, o siô augusto gostava de anunciá qui as duas peça completa – xícara com pires – era as última do conjunto café e chá qui pertenceu desde sempre na casa dovô, elas sobreviveu aos descuido das muié da casa, as vista se enchia d’água quando chegava o compromisso do café da tardinha – mais as vista nunca derramô –, as muié da casa pensava qui era na tardinha qui as lembrança viva davó voltava do buraco da morte pra acariciá os pensamento do fim do dia, Antônia, pode deixar o café aqui na mesa ao lado do piano, todas tardinha ele repetia as mesma coisa

a preta deu mais dois passo arrastado, sofria com dô pra caminhá o peso do corpo, tudo jogado pra cima dos dois calcanhá rachado, as rachadura ia da carne inté quase o osso, largô o tabulêro com as duas porcelana mais o bulê enferrujado qui fingia sê prata, o açucarêro de vidro liso transparente, as duas faca de ponta redonda, dois montinho com biscoito de água e sal, um pequeno pote de mel, Adoro esses seus biscoitos assados, Antônia.

o siô augusto gonzaga cezar tinha desviado atenção da dona rosinha pra colocá as vista naquela muié escravizada, a sua escrava antônia açunta – qui ele passô muntu tempo chamando antônia e qui agora resolveu querê chamá de açunta –, levô um susto pruqui deu conta qui foi a primêra veiz qui lembra tê oiado pra antônia, lembrado da antônia açunta e só vê a açunta – tá bem, num foi bem um susto pruqui num teve medo, na verdade, ficô pasmado com a sua ceguêra, mais nada com muntu exagero

foi a veiz qui num viu só um pedaço da carne preta escravizada pra todo serviço, foi a veiz qui pensô na muié preta qui ficô véia, um bocado de carne preta barata se acabando, Meu Menino Deusinho, Antônia Açunta murchô e ainda acaba caducando! Ficou velha e doente, e mais um pouco perde o uso. Chegou o tempo da alforria. É isso ou vai vagabundear pela casa até morrer. Como não vi isso antes? A formosura, vigor e saúde se foram, esses anos todos comeram a mocidade e levaram junto a sua saúde. Mas aqui não é lugar para ficar esperando morrer, é meu lugar de morar e local de trabalho da Açunta. Sou um dono bom, eu tenho certeza. Cuidei até agora e não deixei faltar nada, o que mais ela haveria de querer? Mas não sou ama-de-leite de negra velha. Não tem jeito, daqui em diante, vai ser prejuízo ficar com a criola. É preciso entregar os anéis para ficar com os dedos. Não tem outra maneira, chegou o tempo da alforria da Açunta. A dona Rosinha não vai ficar feliz, mas é preciso resolver esse problema. Às vezes, é preciso tomar decisões difíceis, é isso ou carregar esse peso morto. E ainda, como recompensa, vou cair nas graças da domingueira, o libertador, nem vai ter gosto de abandono. Com sorte, trabalho e muito empenho vai vender quitutes na praça, o siô augusto gonzaga cesar nunca esqueceu de vê antônia como um pedaço de carne preta barata, mais agora, pra ele, açunta era só um pedaço de carne preta sem nehuma utilidade prus dia qui tava vindo

Obrigado, Açunta... está dispensada.






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