O filho-da-puta me salvou!
Precisava quebrar a espinha daquela resistência descabida. E nada melhor
que agir pessoalmente, sempre gostei de ficar presente
─ Chupa-racha, eu sei: tu não
me agüentava quando chegava hora de começar alguma caçada!
─ General!
─ O que é cabo?
─ Precisava matar?
─ Isso é assunto meu! Não
aceito ingerência, nem por hoje...
Essa chinelagem é toda igual, basta um olho de bondade e já se acha
gente.
O entendimento não retornou ao corpo do tal Beijamim, o
metido já tava moído, adormecido das pancadas. Havia na cela uma máquina ventiladora
descolorida, barulhenta, com suas pás enferrujadas num zumbido de asmático, ora
num lado ora noutro. Eu sabia que aquele mestiço idiota torcia pela ventosidade
artificial da máquina. Eu desviava a ventania do tal Beijamim. Gostava da
sacanagem.
Eu sei algo mais dessa coisa de perguntar por
respostas. Fui muito inteligente para descobrir as respostas que queriam me
dar. Depois de começar não abandonava o serviço pelo meio, precisava satisfazer
minha curiosidade.
Naquele dia, como tortura, por certo, criava o
desespero no socado por um pequeno jato de ar, mas nada ganhava além de
insultos. Até que perdi minha paciência
─ Para de
gritar, seu gordalhaço de merda!
─ Filho-da-
puta!
─ O que é
que ta me olhando?
─ Nada...
─ Como é?
─ Nada,
senhor de merda.
─ Olha
essas fotos, reconhece algum dos companheiros?
─ Não.
Rapaz, nessa altura, eu fiquei puto com o cara, mentia
descarado. Baixei a mão com vontade, já esquecido que segurava um porrete. O
barulho de coco quebrando me lembrou meus passeios pelas praias de areia quentinha
e as bundinhas caminhando pra lá e cá
─ Olha o coco
verde!
Merda! Quase que não tomo mais água de coco. Tudo por
causa daquele comunista mau caráter.
Cada coco quebrado era como provar sangue pela
primeira vez
─ Chupa-racha,
não existem palavras pra descrever!
─ Acredito,
General!
O prisioneiro fechou os olhos, a boca e o sentido de
escuta. A imobilidade ficou coberta de sangue e escorreu pelo porrete frio e
mudo, às cegas, vazou pelos coturnos escuros em caminho até o chão do meu mancar
ansioso. Ele era o entreato da refeição
pequena. Mais socos e choques e odores de suor, mais fome no pavilhão dos
vinhos. Não tinha mais xixi nem cocô. Esvaziou por dentro.
Já fazia tempo que vivia amputado da humanidade, assim
me sentia aliviado de culpas. O filho-da-puta me salvou. Esses putos de merda
foram a minha salvação, cada uma das vezes em que os fiz descerem pelos ralos
da história. Com eles saí do anonimato, deixei a mediocridade, mas ninguém
jamais irá lembrar. Não existe vergonha na falta de memória, mas no medo de
agir
─ Chupa-racha,
o que foi feito, está feito e pronto! Esquece...
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III - General! Sinto saudades!
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