Fernando Pessoa
Alberto Caeiro
(heterônimo de Fernando Pessoa)
XXXVII - Como um Grande Borrão
Como um grande borrão de fogo sujo
Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma.
Deve ser dum comboio longínquo.
Neste momento vem-me uma vaga saudade
E um vago desejo plácido
Que aparece e desaparece.
Também às vezes, à flor dos ribeiros,
Formam-se bolhas na água
Que nascem e se desmancham
E não têm sentido nenhum
Salvo serem bolhas de água
Que nascem e se desmancham.
XXXVIII - Bendito seja o Mesmo
Sol Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,
E, nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspiro que mal sentem
Ao homem verdadeiro e primitivo
Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural — mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E a arte e a moral ...
XXXIX - O Mistério das Cousas
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.
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O Guardador de Rebanhos
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
(Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)
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Leia também:
26. O Guardador de Rebanhos - XL - Passa uma Borboleta - Alberto Caeiro
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