sexta-feira, 31 de agosto de 2018

26. O Guardador de Rebanhos - XL - Passa uma Borboleta - Alberto Caeiro

Fernando Pessoa


Alberto Caeiro
(heterônimo de Fernando Pessoa)




XL - Passa uma Borboleta  


Passa uma borboleta por diante de mim 
E pela primeira vez no Universo eu reparo 
Que as borboletas não têm cor nem movimento, 
Assim como as flores não têm perfume nem cor. 
A cor é que tem cor nas asas da borboleta, 
No movimento da borboleta o movimento é que se move, 
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta 
E a flor é apenas flor.





XLI - No Entardecer 


No entardecer dos dias de Verão, às vezes, 
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece 
Que passa, um momento, uma leve brisa... 
Mas as árvores permanecem imóveis 
Em todas as folhas das suas folhas 
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão, 
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria... 

Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem! 
Fôssemos nós como devíamos ser 
E não haveria em nós necessidade de ilusão ... 
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida 
E nem repararmos para que há sentidos ... 

Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo 
Porque a imperfeição é uma cousa, 
E haver gente que erra é original, 
E haver gente doente torna o Mundo engraçado. 
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos, 
E deve haver muita cousa 
Para termos muito que ver e ouvir. . .





XLII - Passou a Diligência 


Passou a diligência pela estrada, e foi-se; 
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia. 
Assim é a ação humana pelo mundo fora. 
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; 
E o sol é sempre pontual todos os dias.




_________________

O Guardador de Rebanhos
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
(Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)


___________________

Leia também:





25. O Guardador de Rebanhos - XXXVII - Como um Grande Borrão - Alberto Caeiro

27. O Guardador de Rebanhos - XLIII - Antes o Voo da Ave - Alberto Caeiro


Nenhum comentário:

Postar um comentário