Fiódor Dostoiévski
28.
14 de agosto
Que lhe sucedeu, Makar Alexeievitch? Terá, porventura, perdido o temor de Deus? Não só dá comigo em doida, como o senhor mesmo caminha a passos largos para a completa ruína. Não tem vergonha de assim proceder? Pense na sua reputação! É um homem honrado, respeitável, trabalhador... Que dirão quando todos tiverem conhecimento da vida que leva? O senhor mesmo, Makar Alexeievitch, morrerá de vergonha! Lembre-se de que já tem cabelos brancos! Não perca, ao menos, o temor de Deus!
Fédora diz que não mais o ajudará, e eu, se o senhor continuar nessa vida, também não lhe mandarei mais dinheiro. Que ideia faz de mim? Imagina que não sofro com a sua conduta incorreta?
O senhor bem sabe o que tenho passado por sua causa! Nem coragem tenho de aparecer nas escadas, pois todos me olham e me apontam a dedo, dizendo o que lhes dá na veneta... Olhe, meu amigo: chegam a dizer-me que ando metida com um bêbedo! Acha que não me custa dizer coisas assim? E quando o trazem bêbedo para casa, toda a gente diz, com desprezo: «Aí vêm trazer o funcionário!» Mas eu... Eu coro de vergonha por sua causa. Hei de sair desta casa, nem que tenha de ir servir, juro-lhe! Continuar aqui, isso de modo nenhum!
Pedi-lhe que viesse a minha casa, e o senhor não apareceu. Então, Makar Alexeievitch, os meus pedidos e as minhas lágrimas deixam-no indiferente? Por amor de Deus, tenha cuidado, senão está irremediavelmente perdido, creia! E que vergonha, que ignomínia! Ontem a sua patroa não quis abrir-lhe a porta, e o senhor passou a noite nas escadas... Estou ao fato de tudo. Se soubesse quanto sofro quando me contam essas coisas!
Venha ver-nos; passará melhor o tempo na nossa companhia; leremos e falaremos do passado. A Fédora contar-nos-á coisas da sua vida. Não se perca, que me perde a mim também, creia, Makar Alexeievitch! É para si que eu vivo, por sua causa é que continuo nesta casa. E o senhor porta-se dessa maneira! Seja um homem de linha, tenha caráter e coragem mesmo na desgraça! Sabe muito bem que ser pobre não é vergonha. Porque se desespera então? Esta vida é efémera. Com a ajuda de Deus, se o senhor entrar no bom caminho, tudo se arranjará!
Mando-lhe vinte kopeks, para o meu bom amigo comprar tabaco ou o que lhe aprouver, mas não dê mau destino ao dinheiro, por amor de Deus! Reabilite-se! Venha visitar-nos sem falta! É possível que se sinta envergonhado como da última vez... Não lhe dê, porém, isso cuidado, porque essa vergonha é falsa, de outro modo ter-se-ia sinceramente arrependido... Tenha confiança em Deus e verá que tudo se há de remediar da melhor maneira.
Fédora diz que não mais o ajudará, e eu, se o senhor continuar nessa vida, também não lhe mandarei mais dinheiro. Que ideia faz de mim? Imagina que não sofro com a sua conduta incorreta?
O senhor bem sabe o que tenho passado por sua causa! Nem coragem tenho de aparecer nas escadas, pois todos me olham e me apontam a dedo, dizendo o que lhes dá na veneta... Olhe, meu amigo: chegam a dizer-me que ando metida com um bêbedo! Acha que não me custa dizer coisas assim? E quando o trazem bêbedo para casa, toda a gente diz, com desprezo: «Aí vêm trazer o funcionário!» Mas eu... Eu coro de vergonha por sua causa. Hei de sair desta casa, nem que tenha de ir servir, juro-lhe! Continuar aqui, isso de modo nenhum!
Pedi-lhe que viesse a minha casa, e o senhor não apareceu. Então, Makar Alexeievitch, os meus pedidos e as minhas lágrimas deixam-no indiferente? Por amor de Deus, tenha cuidado, senão está irremediavelmente perdido, creia! E que vergonha, que ignomínia! Ontem a sua patroa não quis abrir-lhe a porta, e o senhor passou a noite nas escadas... Estou ao fato de tudo. Se soubesse quanto sofro quando me contam essas coisas!
Venha ver-nos; passará melhor o tempo na nossa companhia; leremos e falaremos do passado. A Fédora contar-nos-á coisas da sua vida. Não se perca, que me perde a mim também, creia, Makar Alexeievitch! É para si que eu vivo, por sua causa é que continuo nesta casa. E o senhor porta-se dessa maneira! Seja um homem de linha, tenha caráter e coragem mesmo na desgraça! Sabe muito bem que ser pobre não é vergonha. Porque se desespera então? Esta vida é efémera. Com a ajuda de Deus, se o senhor entrar no bom caminho, tudo se arranjará!
Mando-lhe vinte kopeks, para o meu bom amigo comprar tabaco ou o que lhe aprouver, mas não dê mau destino ao dinheiro, por amor de Deus! Reabilite-se! Venha visitar-nos sem falta! É possível que se sinta envergonhado como da última vez... Não lhe dê, porém, isso cuidado, porque essa vergonha é falsa, de outro modo ter-se-ia sinceramente arrependido... Tenha confiança em Deus e verá que tudo se há de remediar da melhor maneira.
B. D.
19 de agosto
Querida Bárbara Alexeievna:
Estou envergonhado, muito envergonhado, minha boa amiguinha. Mas, afinal de contas, que sucedeu de especial? Porque não havemos de alegrar um pouco o coração? Olhe: já nem me lembro das solas das minhas botas, pois uma sola nada representa e nunca passará de ser uma sola, simples e suja. Até mesmo as botas nada valem! Os sábios gregos andavam descalços. Para que havemos de nos preocupar com insignificâncias? Será caso para me ofenderem e desprezarem? Ai, meu amor, o que se lembrou de me escrever! Diga à Fédora que ela é uma maluca, sem juízo algum, uma tonta e, ainda por cima, estúpida, de uma estupidez incrível! No que se refere aos meus cabelos brancos, está enganada, pois ainda não sou nenhum velho, como imagina.
Emelia envia-lhe cumprimentos. Manda-me a minha boa amiga dizer que, ao ler a minha carta, sentiu vontade de chorar. Pois, devo é dizer-lhe, também as suas palavras me causaram um grande desgosto e me fizeram chorar. Para terminar, desejo-lhe saúde e muitas felicidades.
Quanto a mim, encontro-me bem e sinto-me também muito feliz.
Sempre seu amigo
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Esse é o tipo de livro que modifica algo na gente. “Pobre gente” foi o primeiro romance de Dostoievski, começou a escrever em 1844 e terminou no ano seguinte. O personagem Makar Dévushkin, um auxiliar administrativo que leva trinta anos copiando documentos, mora numa pensão humilde, seu pequeno quarto fica ao lado da cozinha, é o que pode pagar com o seu salário também minúsculo. O frio e a frieza de uma sociedade que ignora os pobres. Crítica social contundente, comendo pelas beiradas narrativas. Segundo alguns historiadores, uma das obras que mandou o autor para a cadeia siberiana. Eram os 25 anos de um gênio então já se apurando na escrita, despertando assim, para sentir seu tempo e as humilhações da época, desesperos; um olhar sobre todas as coisas da sofrida gente. Triste narrativa pungente da condição humana em torno desses dois personagens, como vítimas de fatalidades da vida numa sociedade onde poucos conseguem realmente sair do ramerão, e onde muitos se movem numa crueldade austera entre si, forçada pelas inóspitas condições em que vivem. Makar e Varenka vivem um amor idílico ensombrado pelo que os circunda (Makar é muito mais velho que Varenka), agravando as suas próprias condições a um nível desesperador e quase doentio, mas sempre com alguma perspectiva de esperança fundadas em ilusões muitas das vezes patéticas, algo falsamente ingênuas, ilustrativas, no entanto, ao alcance do coração humano que tudo pode sonhar, sem se importar com as verdadeiras condições em que se encontra, principalmente nessas condições por assim dizer desprezíveis.
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Fiódor Dostoiévski
GENTE POBRE
Título original: Bednye Lyudi (1846)
Tradução anônima 2014 © Centaur Editions
centaur.editions@gmail.com
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