sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Edgar Allan Poe - Contos: Uma Descida ao Maelstrom (02)

Edgar Allan Poe - Contos


Uma Descida ao Maelstrom
Título original: A Descent into the Maelstrom
Publicado em 1841

continuando...

   As explicações que se têm dado ao fenómeno — de que recordo algumas que me pareciam suficientemente plausíveis à leitura — tinham agora um aspecto muito diferente e muito pouco satisfatório. A explicação geralmente dada era que, como os três turbilhões das ilhas Feroé, este « não tinha outra coisa senão o choque das vagas, subindo e descendo como o fluxo e o refluxo, ao longo de um banco de rochas que contém as águas e as lança como uma catarata; e que assim, quanto mais a maré sobe, mais profunda é a queda, e que o resultado natural é um turbilhão ou vórtice, cujo prodigioso poder de sucção é suficientemente demonstrado pelos mais pequenos exemplos» . Tais são as palavras da Enciclopédia Britânica. Kircher e outros imaginam que no meio do canal de Maelstrom está um abismo que atravessa o globo e termina em alguma região muito afastada; o golfo de Bótnia foi mesmo designado uma vez, um pouco levianamente. Esta opinião bastante pueril era aquela à qual, enquanto eu contemplava o lugar, a minha imaginação dava da melhor vontade a sua adesão. E quando a manifestei ao guia, fiquei bastante surpreendido depois de o ouvir dizer que, se bem que fosse a opinião quase geral dos noruegueses a esse respeito, não era todavia a sua. Quanto a esta ideia, confessou que era incapaz de a compreender, e acabei por estar de acordo com ele, porque, por muito convincente que parecesse no papel, tornara-se absolutamente incompreensível e absurda lace ao estrondear do abismo. 

— Agora que viu bem o turbilhão — disse o velho — se quer que nos coloquemos por detrás desta rocha, ao abrigo do vento, de maneira que amorteça o barulho da água, vou contar-lhe uma história que o convencerá de que devo saber alguma coisa disso, do Moskoe-Strom! 

« Eu e os meus dois irmãos possuíamos outrora um barco aparelhado em goleta, de setenta toneladas mais ou menos, com o qual pescávamos perto de Vurrgh. Todos os violentos remoinhos do mar dão boa pesca, contanto que se apanhe um tempo oportuno e que se tenha a coragem de tentar a aventura. Mas entre todos os da costa, só nós os três íamos com regularidade às ilhas, como lhe disse. Os pescadores vulgares vão em muito maior quantidade para o sul. Pode apanhar-se o peixe a qualquer hora, sem correr grande risco, e, naturalmente, esses sítios são preferidos; mas os pesqueiros, por aqui, entre os rochedos, dão não só o peixe da melhor qualidade, mas também em maior abundância. Tão bem que apanhávamos muitas vezes, num só dia, o que os tímidos no ofício não poderiam alcançar numa semana. Resumindo, nós fazíamos disso uma espécie de negócio desesperado — o risco da vida substituía o trabalho e a coragem ocupava o lugar principal. 

« Abrigávamos o nosso barco de pesca numa enseada a cinco milhas da costa acima desta, e era nosso costume, quando estava bom tempo, para aproveitar a trégua de quinze minutos, lançarmo-nos através do canal de Moskoe-Strom, mesmo por cima do buraco, e ir lançar a âncora em qualquer parte na proximidade de Otterholm ou de Sandflesen onde os remoinhos não são tão violentos como noutras partes. Ali esperávamos vulgarmente quase até à hora da acalmia das águas. Nós não nos aventurávamos jamais nesta espécie de expedição sem um vento de popa para a ida e vinda — e raramente nos enganávamos sobre esse ponto. Duas vezes, em seis anos, fomos obrigados a passar a noite à âncora, em consequência de uma acalmia absoluta, o que é um caso bem raro nestas paragens. E, uma outra vez, ficámos em terra perto de uma semana, esfomeados até mais não, devido à ventania que começou a soprar, pouco depois da nossa chegada, e tornou o canal demasiado tempestuoso para pensar em atravessá-lo. Nessa ocasião, teríamos sido arrastados pelo vento a despeito de tudo (porque os turbilhões balançavam-nos para aqui e para acolá, com uma tal violência, que por fim tivemos de largar, ao vermos a âncora partir-se) se não tivéssemos derivado para uma dessas inumeráveis correntes que se formam, aqui hoje e amanhã noutra parte, e que nos conduz para Flimen, aonde, por felicidade, nós pudéssemos fundear. 

« Não direi a vigésima parte dos perigos que passámos nas pescarias era uma má paragem, mesmo com bom tempo — mas encontrávamos sempre meio de desafiar o Moskoe-Strom sem acidente. Por vezes, contudo, o coração quase me saltava da boca quando estávamos um minuto adiantados ou atrasados em relação à acalmia. Algumas vezes, o vento não era tão forte como nós esperávamos ao colocar a vela, e então íamos menos depressa do que teríamos querido, enquanto a corrente tornava o barco mais difícil de governar.

« O meu irmão mais velho tinha um filho de dezoito anos, e eu tinha para me ajudar dois grandes rapagões. Ainda que tivessem sido um grande auxílio em semelhantes casos, quer pegando os remos, quer pescando na popa, na verdade, se bem que nós consentíssemos em arriscar a nossa vida, não tínhamos a coragem de deixar os nossos filhos afrontar o perigo, porque, pensando bem, estas expedições eram muitíssimo perigosas. É a pura verdade. 

« Há já três anos menos alguns dias que aconteceu o que vou contar. Estávamos a 10 de julho de 18..., um dia que as pessoas desta terra não mais esquecerão — porque foi um dia em que soprou a mais horrível tempestade que jamais caiu da calote dos céus. No entanto, toda a manhã e mesmo muito antes da tarde, tivemos uma agradável brisa que vinha do sudoeste, o sol estava soberbo, tão bom que o mais velho lobo-do-mar não teria podido prever o que ia acontecer. 

« Tínhamos passado os três, os meus dois irmãos e eu, através das ilhas, cerca das duas horas da tarde, e logo carregámos o barco de muito bom peixe, que — já tínhamos os três notado — era abundante nesse dia como nunca tínhamos visto. Eram precisamente sete horas no meu relógio quando levantámos a âncora para voltar às nossas casas, de forma a percorrer a parte mais perigosa do Strom no intervalo em que as águas estavam tranquilas, o qual, conforme nós sabíamos, seria às oito horas.

« Partimos com uma boa brisa a estibordo, e durante algum tempo, seguimos muito em círculo, sem pensar sequer no mais pequeno perigo, porque na realidade não víamos o mais pequeno motivo para apreensões. 

continua na página 368...
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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.
Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).
Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.
Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe
CONTOS
Originalmente publicados entre 1831 e 1849
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