terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Marcel Proust - No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Sofria ao ver aquela luz - k)

em busca do tempo perdido


volume I
No Caminho de Swann

ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust

um amor de swann

III(k) 

     Sofria ao ver aquela luz, em cuja atmosfera de ouro se movia, por trás dos postigos, o par invisível e detestado; sofria ao ouvir aquele murmúrio que revelava a presença do homem que chegara após a sua partida, a falsidade de Odette e o prazer que ela ia gozar com esse homem. E no entanto estava contente de ter vindo: a tortura que o tinha forçado a sair de casa perdera em acuidade o que ganhara em precisão, agora que a outra vida de Odette, de que tivera naquele momento a súbita e impotente suspeita, ele a tinha ali, alumiada em cheio pela lâmpada, aprisionada sem saber naquele quarto, onde entraria quando quisesse para a surpreender e capturar; ou antes, iria bater à janela, como muitas vezes o fazia quando chegava tarde; assim ao menos Odette ficaria sabendo que ele descobrira tudo, que vira a luz e ouvira a conversa, e ele, que ainda há pouco a imaginara a rir com o outro das suas ilusões, era agora ele quem os via, confiantes no seu erro, enganados em suma por ele, a quem supunham muito longe dali e que sabia, já, que ia bater nos postigos. E talvez o que naquele momento sentia de quase agradável também fosse outra coisa que não o apaziguamento de uma dúvida ou de uma dor: um prazer da inteligência. Se, desde que se enamorara, haviam as coisas retomado para ele um pouco do delicioso interesse que lhes achava outrora, mas só quando iluminadas pela recordação de Odette, era agora uma outra faculdade da sua estudiosa juventude que o ciúme vinha reanimar, a paixão da verdade, mas uma verdade também interposta entre ele e a sua amada, que só dela recebia a luz e tinha por objeto único, de um valor infinito e quase de uma beleza desinteressada, os atos de Odette, suas relações, seus projetos, seu passado. Em qualquer outra época da sua vida, as coisas particulares e gestos cotidianos de uma pessoa sempre haviam parecido sem valor a Swann: se lhe vinham falar a respeito, achava aquilo insignificante, e enquanto ouvia, era apenas a sua mais vulgar atenção que se via interessada: era um dos momentos em que se sentia mais medíocre socialmente. Mas nesse estranho período do amor, o individual assume algo de tão profundo, que aquela curiosidade que sentia despertar em si relativamente às menores ocupações de uma mulher era a mesma que tivera outrora pela História. E coisas de que até então sentiria vergonha, espiar por uma janela, quem sabe se amanhã sondar com astúcia os indiferentes, subornar os criados, escutar às portas, não lhe pareceriam, como a decifração dos textos, a comparação dos testemunhos e a interpretação dos monumentos, senão simples métodos de investigação científica de um verdadeiro valor intelectual e apropriados à pesquisa da verdade. 
     Prestes a bater nos postigos, sentiu um momento de pejo ao pensar que Odette ia saber que ele tivera suspeitas, que voltara, que se postara na rua. Muitas vezes lhe dissera ela o horror que tinha aos ciumentos, aos amantes que espionam. Era bem ridículo o que ia fazer, e ela iria detestá-lo dali por diante, ao passo que naquele momento, enquanto não batia, talvez ela ainda o amasse, mesmo enganando-o. Quantas possíveis venturas não sacrificamos assim à impaciência de um prazer imediato! Mas o desejo de conhecer a verdade era mais forte e pareceu-lhe mais nobre. Sabia que a realidade das circunstâncias, que ele daria a vida para reconstituir exatamente, achava-se ali legível por trás daquela janela estriada de luz, como sob a capa, iluminada a ouro, de um desses preciosos manuscritos, a cuja riqueza artística não pode ficar indiferente o erudito que os consulta. Sentia uma grande volúpia em conhecer a verdade que o apaixonava naquele exemplar único, efêmero e precioso, de um translúcido material, tão cálido e tão belo. E depois a vantagem que sentia — que tinha tanta necessidade de sentir — sobre eles não consistia tanto em saber, mas em poder mostrar-lhes que sabia. Ergueu-se na ponta dos pés. Bateu. Não tinham ouvido, bateu de novo, a conversação parou. Uma voz de homem, que ele procurou descobrir a qual dos amigos de Odette pertenceria, indagou:

— Quem está aí?

     Não tinha certeza de conhecer. Bateu outra vez. Foi aberta a janela, depois os postigos. Agora não havia como recuar, e, já que ia saber tudo, para não parecer muito infeliz, muito ciumento e curioso, limitou-se a dizer, num tom negligente e alegre:

— Não se incomode, eu ia passando. Vi luz e queria saber se você não estava doente.

     Olhou. Diante dele, à janela, achavam-se dois senhores idosos, um dos quais segurava um lampião, e então viu o quarto, um quarto desconhecido. Acostumado, quando ia à casa de Odette em horas avançadas, a reconhecer a sua janela por ser a única iluminada entre as outras janelas idênticas, enganara-se e batera à janela da casa vizinha. Afastou-se se desculpando e regressou a casa, feliz de que a satisfação da sua curiosidade houvesse deixado intato o seu amor e, depois de haver por tanto tempo dissimulado uma espécie de indiferença para com Odette, não lhe ter dado, com uma demonstração de ciúme, a prova de que a amava demasiado, o que, entre dois amantes, dispensa para sempre, àquele que a recebe, de amar o suficiente.
     Não lhe falou em tal aventura, nem pensou mais naquilo. Mas por vezes uma volta de seu pensamento ia, sem o perceber, ao encontro daquela recordação, batia-lhe, aprofundava-a mais, e Swann sentia uma dor brusca e intensa. Como se fora uma dor física, os pensamentos de Swann não podiam atenuá-la; mas ao menos a dor física, como independe do pensamento, pode o pensamento deter-se nela, verificar que diminuiu, que cessou momentaneamente! Mas aquela dor, bastava recordá-la, para que o pensamento a criasse de novo. Querer não pensar nela era ainda pensar e sofrer ainda. E quando, a conversar com amigos, esquecia o seu mal, eis que de súbito uma palavra que lhe diziam o fazia mudar de expressão, como um ferido a quem um descuidado acabasse de tocar no ponto doloroso. Quando deixava Odette, sentia-se feliz, sentia-se calmo, lembrava os sorrisos que ela tivera, zombeteiros ao falar de um ou outro e meigos para ele, o peso de sua cabeça que ela destacava do eixo para incliná-la, deixá-la cair, quase que sem querer, sobre os seus lábios, como o fizera a primeira vez no carro, os lânguidos olhares que lançara quando em seus braços, apertando medrosamente contra o seu ombro a cabeça inclinada. 
     Mas logo o ciúme, como se fora a sombra do amor, se complementava com o duplo daquele novo sorriso que ela lhe dirigira naquela mesma noite — e que, inverso agora, escarnecia de Swann e enchia-se de amor por outro — com aquela inclinação de cabeça, mas dirigida a outros lábios, e, dadas a outro, todas as mostras de ternura que tivera para com ele. E todas as recordações voluptuosas que trazia do quarto de Odette eram como outros tantos esboços, outros tantos “projetos” iguais aos que nos submete um decorador, e que permitiam a Swann formar uma ideia das atitudes ardentes ou langues que ela podia ter com outros. De sorte que chegou a lamentar cada prazer que gozava com ela, cada carícia inventada e cuja doçura tivera a imprudência de lhe assinalar, cada graça que nela descobria, pois sabia que dali a instantes iriam enriquecer de novos instrumentos o seu suplício. 
     E tanto mais cruel se tornava esse suplício quando lhe vinha a lembrança de um breve olhar que dias antes surpreendera, e pela primeira vez, nos olhos de Odette. Foi depois do jantar nos Verdurin. Ou porque Forcheville, sentindo que Saniette, seu cunhado, não mais estava nas boas graças do casal, quisesse colocá-lo na berlinda e brilhar à sua custa diante deles, ou porque ficasse irritado com uma frase indiscreta que este acabava de lhe dizer e que aliás passara despercebida para os circunstantes que não sabiam que alusão desatenciosa poderia encerrar, contra a vontade daquele que a pronunciara sem malícia alguma, ou enfim porque viesse procurando desde algum tempo um ensejo de fazer sair da casa a alguém que muito bem o conhecia e que ele sabia muito delicado para que a sua simples presença não o perturbasse em certos momentos, Forcheville respondeu àquela frase infeliz de Saniette com tal grosseria, pondo-se a insultá-lo, animando-se mais e mais, à medida que vociferava, com o espanto, a dor, as súplicas do outro, que o desgraçado, depois de perguntar à sra. Verdurin se devia ficar, e não tendo obtido resposta, se retirou balbuciando, com os olhos rasos d’água. Odette assistira impassível à cena, mas quando a porta se fechou atrás de Saniette, como que fazendo descer de vários graus a expressão habitual de seu rosto, para ficar no mesmo nível de baixeza com Forcheville, acendera nas pupilas um astuto brilho de congratulações pela audácia que ele tivera e de ironia para com a vítima; lançara-lhe um olhar de cumplicidade no mal, que tão bem queria dizer: “Isto sim que é uma execução benfeita, ou eu não entendo nada da coisa. Viu o ar penalizado dele? Até chorava”, que Forcheville, quando seus olhos deram com aquele olhar, subitamente despojado da cólera ou da simulação de cólera que ainda o aquecia, sorriu e respondeu: 

— Bastava-lhe ser amável, e ainda estaria aqui, mas uma boa correção pode ser útil em qualquer idade. 

     Um dia em que Swann saíra no meio da tarde para fazer uma visita, não tendo encontrado a quem procurava, teve a ideia de ir ver Odette naquela hora em que nunca ia visitá-la, mas em que sabia que ela se achava em casa a sestear ou a escrever cartas antes da hora do chá, e em que teria o prazer de vê-la um instante sem a perturbar. Disse-lhe o porteiro que a supunha em casa; tocou a campainha, julgou ouvir ruído, passos, mas não vieram abrir. Ansioso, irritado, dirigiu-se à ruazinha dos fundos e postou-se diante da janela do quarto de Odette; as cortinas impediam-no de ver o que quer que fosse, bateu com força nas vidraças, chamou; ninguém abriu. Viu que uns vizinhos o estavam olhando. Partiu, pensando que afinal de contas talvez se houvesse enganado ao pensar que ouvira passos; mas ficou tão preocupado que não podia pensar noutra coisa. Uma hora depois voltou. Encontrou-a; disse-lhe Odette que se achava em casa ainda há pouco quando ele tocara a campainha, mas estava dormindo; o chamado a despertara, tinha adivinhado que era Swann, acorrera ao seu encontro, mas ele já tinha partido. Ouvira também bater nas vidraças. Swann logo reconheceu naquilo um desses fragmentos de verdade que os mentirosos em aperto se consolam em intercalar na composição da falsidade que inventam, julgando que assim ganham alguma coisa e roubam a semelhança à Verdade. De fato, quando acabava de fazer alguma coisa que não queria revelar, Odette guardava-a muito bem no fundo de si mesma. Mas logo que se via em presença daquele a quem queria mentir, perturbava-se, as ideias lhe escapavam, suas faculdades de invenção e raciocínio ficavam paralisadas, e ela encontrava na cabeça apenas o vácuo; mas era preciso dizer qualquer coisa, e eis que achava a seu alcance exatamente aquilo que pretendia dissimular e que, sendo verdadeiro, ali permanecera. Tirava-lhe então um pequeno fragmento, sem importância em si mesmo, pensando que afinal de contas seria melhor assim, pois era um detalhe falso. “Isso pelo menos é verdade”, considerava ela, “é sempre uma vantagem, ele pode informar-se e verá que é verdade, não há de ser isso que me vai trair.” Enganava-se, era exatamente aquilo que a traía; não advertia que aquele detalhe verdadeiro tinha ângulos que só podiam encaixar-se nos detalhes contíguos do fato verdadeiro de que imprudentemente o destacara e que, quaisquer que fossem os detalhes inventados entre os quais o colocasse, sempre revelariam, pela matéria excedente e os vazios não preenchidos, que não era ali o seu lugar. “Ela confessa que me ouviu tocar a campainha e depois bater à janela, e que supusera que era eu e tivera vontade de ver-me”, dizia Swann consigo. “Mas isso não combina com o fato de não me haver recebido.” 
     Mas não lhe fez notar essa contradição, pois pensava que Odette, entregue a si mesma, soltaria talvez alguma mentira que seria um débil indício da verdade; ela falava; ele não a interrompia, e ia recolhendo com uma piedade ávida e dolorosa aquelas palavras que ele bem sentia guardarem vagamente, como um véu sagrado (justamente porque Odette a ocultava atrás delas), a forma, e delinearem o impreciso modelado daquela realidade infinitamente preciosa e por desgraça inatingível: — o que fazia Odette às três horas quando ele chegara — e que jamais possuiria senão através daquelas mentiras, ilegíveis e divinos vestígios, e que só existia na recordação sonegadora daquela criatura que a contemplava sem saber apreciá-la, mas que não a revelaria. É claro que, por momentos, suspeitava que os atos cotidianos de Odette não eram por si mesmos arrebatadoramente interessantes, e que as relações que pudesse ter com outros homens não tresandavam naturalmente, de modo universal e para toda criatura pensante, uma tristeza mórbida, capaz de produzir a febre do suicídio. Compreendia então que esse interesse e essa tristeza só existiam no seu íntimo como uma doença e que, quando esta fosse curada, os atos de Odette, os beijos que ela tivesse dado se tornariam inofensivos como os de tantas outras mulheres. Mas que a dolorosa curiosidade que agora Swann lhes dedicava só tivesse causa em si mesmo, isso não era motivo para que achasse desarrazoado considerá-la importante e tudo envidar para satisfazê-la. É que Swann chegava a uma idade cuja filosofia — favorecida pela da época e também pela do ambiente em que tanto vivera, o daquele grupo da princesa Des Laumes, onde estava convencionado que se é inteligente na proporção em que de tudo se duvida e onde só se considerava como real e incontestável o gosto de cada um — já não era a filosofia da mocidade, mas uma filosofia positiva, quase medicinal, de homens que, em vez de exteriorizar o objeto de suas aspirações, tentam extrair dos anos transcorridos um resíduo fixo de hábitos, de paixões, que possam considerar característicos e permanentes, e aos quais procurarão antes de tudo satisfazer com o gênero de vida que adotam. Swann achava sensato aceitar na vida a parte de sofrimento que experimentava por ignorar o que Odette fizera, como aceitava a parte de agravamento que causava a seu eczema um clima úmido; aprazia-lhe calcular em seu orçamento uma soma disponível para obter dados relativos ao que fazia Odette, sem o que padeceria muito, da mesma forma que reservava dinheiro para outros gastos que lhe proporcionavam prazer, ao menos antes de enamorar-se, como o gosto das coleções e da boa cozinha.
     Quando quis despedir-se de Odette para voltar, pediu-lhe ela que ficasse mais um pouco e até o reteve vivamente, pegando-lhe do braço, no momento em que ele ia abrir a porta para sair. Mas Swann não o notou, pois na multidão dos gestos, das palavras, dos pequenos incidentes que enchem uma conversação, é inevitável que passemos por alto, sem nada lhes notar que desperte a nossa atenção, aqueles que ocultam uma verdade que as nossas suspeitas procuram ao acaso, e que nos detenhamos ao contrário naqueles sob os quais nada existe. “É uma pena que tu, que nunca vens à tarde”, repetia-lhe Odette todo o tempo, “eu não tenha podido ver-te exatamente quando vieste”. Bem sabia Swann que Odette não se achava tão enamorada para que sentisse tamanho pesar por tal coisa, mas como ela era boa e gostava de lhe ser agradável e muitas vezes se entristecia quando lhe causava uma contrariedade, achou muito natural que agora também se entristecesse por havê-lo privado daquele prazer de passarem uma hora juntos, prazer que era tão grande, não para ela, mas para ele. Era no entanto uma coisa tão sem importância que Swann acabou por espantar-se com o ar doloroso de Odette. Lembrava-lhe assim, mais do que habitualmente, as mulheres do pintor da Primavera. Tinha em tal momento aquela mesma face abatida e dolorosa, como que sucumbindo ao peso de uma dor muito intensa para elas, simplesmente porque deixam o Menino Jesus brincar com uma romã ou veem Moisés deitar água numa tina.[1] Já lhe vira uma vez aquela tristeza mas não se lembrava quando. E, de súbito, lembrou-se: era quando Odette mentira à sra. Verdurin no dia seguinte ao daquele jantar a que não comparecera sob pretexto de doença e na realidade para ficar com ele, Swann. Nem que fosse a mais escrupulosa das mulheres, está visto que não poderia ter remorsos de mentira tão inocente. Mas as mentiras habituais de Odette eram menos inocentes e serviam para impedir descobertas que lhe trariam terríveis embaraços com os outros. Assim, quando mentia, cheia de medo, sentindo-se pouco armada para se defender, incerta do êxito, vinha-lhe a vontade de chorar, como acontecia a certas crianças que não dormiram. De resto, sabia que a sua mentira, em geral, prejudicava gravemente o homem a quem a diria e que, se mentia mal, iria ficar à sua mercê. Então se sentia ao mesmo tempo humilde e culposa perante ele. E quando tinha de pregar uma mentira insignificante e mundana, apresentava, por associação de sensações e lembranças, o mal-estar de uma estafa e o pesar de uma ação indecorosa.
     Que deprimente mentira não estaria dizendo a Swann, para que tivesse aquele olhar doloroso, aquela voz queixosa, que pareciam abater-se sob o esforço que ela se impunha e implorar misericórdia? Swann teve a ideia de que não era apenas a verdade sobre o incidente da tarde que ela se esforçava por lhe ocultar, mas algo de mais atual, talvez ainda não sucedido e muito próximo, e que poderia esclarecê-lo quanto àquela verdade. Naquele momento, ouviu um toque de campainha. Odette não mais parou de falar, mas suas palavras eram apenas um gemido: o pesar de não ter visto Swann à tarde, de não ter aberto a porta, tornava-se um verdadeiro desespero.
     Ouviu-se fechar a porta da rua e o ruído de um carro, como se alguma pessoa desse volta — provavelmente aquela que Swann não devia encontrar — e a quem havia dito que Odette não estava em casa. Pensando então que bastava ter vindo numa hora diversa da habitual para estorvar tantas coisas que Odette não desejava que ele soubesse, experimentou um sentimento de desânimo, quase de desespero. Mas como amava Odette, como tinha o hábito de lhe dirigir todos os seus pensamentos, a compaixão que poderia ter por si mesmo foi por ela que a sentiu, e murmurou: “Coitadinha!”. Quando a deixou, tomou Odette várias cartas que tinha sobre a mesa e lhe pediu que as pusesse no correio. Swann levou-as e, uma vez chegado em casa, viu que ainda trazia as cartas consigo. Voltou até o correio e, antes de as lançar na caixa, leu os endereços. Eram todas para fornecedores, exceto uma para Forcheville. Conservava-a na mão. Dizia consigo: “Se a lesse, eu saberia como ela o chama, como lhe fala, se há alguma coisa entre os dois. Talvez que, não a lendo, até cometa uma indelicadeza para com Odette, pois é a única maneira de livrar-me de uma suspeita talvez caluniosa para ela, que em todo caso a faria sofrer e que nada poderia destruir depois de remetida a carta”.[2]

continua na página 187...
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Leia também:

Volume 1
No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Sofria ao ver aquela luz - k)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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[1] Referência a dois quadros de Botticelli, A Virgem do Magnificat e A Virgem com romã, em que o Menino Jesus vem figurado brincando com uma romã. Já a cena de Moisés deitando água numa tina consta de um dos afrescos da Capela Sistina. [n. e.]
[2] Com a morte de Swann, Forcheville se casará com Odette, que em meio à onda antissemita despertada pelo “Caso Dreyfus”, adotará rapidamente o sobrenome do novo marido. [n. e.]

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