em busca do tempo perdido
volume I
No Caminho de Swann
ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust
um amor de swann
III(e)
Mais importância, talvez, teve a segunda visita. A caminho da sua casa naquele dia, ia ele delineando em mente a imagem de Odette, como sempre fazia antes de um encontro; e a necessidade em que se via, para achar bonito o seu rosto, de limitar às maçãs róseas frescas aquelas faces que tão seguidamente se apresentavam amarelas e cansadas, salpicadas às vezes de manchinhas vermelhas, afligia-o como uma prova de que o ideal é inacessível e a felicidade medíocre. Levava-lhe uma gravura que ela desejava ver. Estava um pouco adoentada; recebeu-o com um penhoar de crepe da china de cor malva e tinha no colo, à guisa de abrigo, um estofo ricamente bordado. De pé ao lado de Swann, deixando pender ao longo das faces os cabelos soltos, dobrando uma perna em leve atitude de dança para poder curvar-se sem fadiga sobre a gravura que estava mirando, de cabeça inclinada, com os seus grandes olhos tão cansados e inexpressivos quando nada a excitava, ela impressionou a Swann por sua presença com aquela figura de Céfora, a filha de Jetro, que se vê num afresco da Capela Sistina.[1] Swann sempre tivera o particular gosto de descobrir na pintura dos mestres não apenas os caracteres gerais da realidade que nos cerca, mas aquilo que ao contrário parece menos suscetível de generalidade, os traços individuais dos rostos que conhecemos: assim, na matéria de um busto do doge Loredano por Antonio Rizzo, a saliência dos pômulos, a obliquidade das sobrancelhas, a espantosa parecença, enfim, com o seu cocheiro Rémi; sob as cores de Ghirlandaio, o nariz do sr. Palancy; num retrato de Tintoreto, a invasão das bochechas pela implantação dos primeiros pelos das suíças, o desvio do nariz, a agudeza do olhar, a congestão das pálpebras do dr. Du Boulbon. Como sempre guardara certo remorso de haver limitado sua vida às relações mundanas, à conversação, talvez julgasse encontrar uma espécie de perdão que lhe concediam os grandes artistas, no fato de que eles também haviam considerado com prazer e admitido na sua obra semelhantes fisionomias que dão a esta um singular certificado de realidade e de vida um sabor todo moderno; também podia ser que de tal modo se deixara invadir pela frivolidade mundana que sentia necessidade de encontrar numa obra antiga aquelas antecipadas e rejuvenescedoras alusões a nomes próprios de hoje. Talvez, pelo contrário, houvesse suficientemente conservado uma natureza de artista para que essas características individuais lhe causassem prazer, adquirindo uma significação mais geral, quando as distinguia, desenraizadas e libertas, na semelhança de um retrato mais antigo com um original que aquele não representava. Como quer que fosse e talvez porque a plenitude de impressões que fruía desde algum tempo, embora lhe tivesse vindo antes com o amor da música, houvesse também enriquecido o seu gosto pela pintura, a verdade é que foi tanto mais profundo, devendo exercer-lhe uma influência duradoura, o prazer que encontrou em tal momento na semelhança de Odette com a Céfora desse Sandro di Mariano a quem se dá de mais bom grado o popular apelido de Botticelli, depois que este evoca, em vez da obra verdadeira do pintor, a ideia banal e falsa que dela se vulgarizou. Não mais apreciou o rosto de Odette segundo a melhor ou pior qualidade de suas faces ou a suavidade puramente carnal que lhes supunha encontrar ao contato dos lábios, se jamais ousasse beijá-la, mas sim como uma meada de linhas sutis e belas que seus olhares dobavam, seguindo a curva de seu enrolamento, ligando a cadência da nuca à efusão dos cabelos e à flexão das pálpebras, como num retrato dela em que seu tipo se tornava inteligível e claro.
Contemplava-a: transparecia em seu rosto e em seu corpo um fragmento do afresco,
que desde então procurou vislumbrar sempre que estava junto de Odette ou quando
apenas pensava nela, e embora certamente só se ativesse à obra-prima porque nela
encontrava a sua amada, todavia tal parecença conferia a Odette maior beleza, tornava-a
mais preciosa. Censurou-se por haver desconhecido o valor de uma criatura que teria
parecido adorável ao grande Sandro, e congratulou-se de que o prazer que sentia ao vê-la encontrasse justificativa em sua própria cultura estética. Considerou que, associando o
pensamento de Odette a seus sonhos de felicidade, não se resignara a uma coisa tão
imperfeita por falta de outra melhor, como pensara até então, pois ela lhe satisfazia os
mais refinados gostos artísticos. Esquecia-se de que nem por isso era Odette uma
mulher conforme o seu desejo, visto que seu desejo sempre fora precisamente orientado
em sentido oposto a seus gostos estéticos. A expressão “obra florentina” prestou grande
serviço a Swann. Permitiu-lhe, como um título, introduzir a imagem de Odette num
mundo de sonhos, a que até então ela não tivera acesso e onde se impregnou de nobreza.
E ao passo que a visão puramente carnal que tivera daquela mulher, renovando-lhe
perpetuamente as dúvidas quanto à qualidade de seu rosto, de seu corpo, de toda a sua
beleza, enfraquecia o seu amor, aquelas dúvidas foram dissipadas e esse amor
assegurado quando teve ele por base os dados de uma estética exata; sem contar que o
beijo e a posse, que lhe pareciam naturais e medíocres se concedidos por uma carne
fanada, ao virem coroar a adoração de uma peça de museu, afiguravam-lhe
sobrenaturais e deliciosos.ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust
um amor de swann
Mais importância, talvez, teve a segunda visita. A caminho da sua casa naquele dia, ia ele delineando em mente a imagem de Odette, como sempre fazia antes de um encontro; e a necessidade em que se via, para achar bonito o seu rosto, de limitar às maçãs róseas frescas aquelas faces que tão seguidamente se apresentavam amarelas e cansadas, salpicadas às vezes de manchinhas vermelhas, afligia-o como uma prova de que o ideal é inacessível e a felicidade medíocre. Levava-lhe uma gravura que ela desejava ver. Estava um pouco adoentada; recebeu-o com um penhoar de crepe da china de cor malva e tinha no colo, à guisa de abrigo, um estofo ricamente bordado. De pé ao lado de Swann, deixando pender ao longo das faces os cabelos soltos, dobrando uma perna em leve atitude de dança para poder curvar-se sem fadiga sobre a gravura que estava mirando, de cabeça inclinada, com os seus grandes olhos tão cansados e inexpressivos quando nada a excitava, ela impressionou a Swann por sua presença com aquela figura de Céfora, a filha de Jetro, que se vê num afresco da Capela Sistina.[1] Swann sempre tivera o particular gosto de descobrir na pintura dos mestres não apenas os caracteres gerais da realidade que nos cerca, mas aquilo que ao contrário parece menos suscetível de generalidade, os traços individuais dos rostos que conhecemos: assim, na matéria de um busto do doge Loredano por Antonio Rizzo, a saliência dos pômulos, a obliquidade das sobrancelhas, a espantosa parecença, enfim, com o seu cocheiro Rémi; sob as cores de Ghirlandaio, o nariz do sr. Palancy; num retrato de Tintoreto, a invasão das bochechas pela implantação dos primeiros pelos das suíças, o desvio do nariz, a agudeza do olhar, a congestão das pálpebras do dr. Du Boulbon. Como sempre guardara certo remorso de haver limitado sua vida às relações mundanas, à conversação, talvez julgasse encontrar uma espécie de perdão que lhe concediam os grandes artistas, no fato de que eles também haviam considerado com prazer e admitido na sua obra semelhantes fisionomias que dão a esta um singular certificado de realidade e de vida um sabor todo moderno; também podia ser que de tal modo se deixara invadir pela frivolidade mundana que sentia necessidade de encontrar numa obra antiga aquelas antecipadas e rejuvenescedoras alusões a nomes próprios de hoje. Talvez, pelo contrário, houvesse suficientemente conservado uma natureza de artista para que essas características individuais lhe causassem prazer, adquirindo uma significação mais geral, quando as distinguia, desenraizadas e libertas, na semelhança de um retrato mais antigo com um original que aquele não representava. Como quer que fosse e talvez porque a plenitude de impressões que fruía desde algum tempo, embora lhe tivesse vindo antes com o amor da música, houvesse também enriquecido o seu gosto pela pintura, a verdade é que foi tanto mais profundo, devendo exercer-lhe uma influência duradoura, o prazer que encontrou em tal momento na semelhança de Odette com a Céfora desse Sandro di Mariano a quem se dá de mais bom grado o popular apelido de Botticelli, depois que este evoca, em vez da obra verdadeira do pintor, a ideia banal e falsa que dela se vulgarizou. Não mais apreciou o rosto de Odette segundo a melhor ou pior qualidade de suas faces ou a suavidade puramente carnal que lhes supunha encontrar ao contato dos lábios, se jamais ousasse beijá-la, mas sim como uma meada de linhas sutis e belas que seus olhares dobavam, seguindo a curva de seu enrolamento, ligando a cadência da nuca à efusão dos cabelos e à flexão das pálpebras, como num retrato dela em que seu tipo se tornava inteligível e claro.
Quando era tentado a lamentar que desde meses não fizesse outra coisa senão ver
Odette, considerava razoável dedicar muito de seu tempo a uma obra-prima inestimável,
moldada desta vez em matéria diferente e particularmente saborosa, num exemplar
raríssimo que ele contemplava ora com a humildade, a espiritualidade e o desinteresse de
um artista, ora com o orgulho, o egoísmo e a sensualidade de um colecionador.
Colocou sobre a mesa de trabalho, como se fora uma fotografia de Odette, uma
reprodução da filha de Jetro. Admirava os grandes olhos, o rosto delicado que deixava
adivinhar a pele imperfeita, os cabelos maravilhosos ao longo das faces fatigadas, e
adaptando aquilo que até então lhe parecia belo do ponto de vista estético à ideia de uma
mulher de verdade, transformava-o em méritos físicos, que se regozijava de encontrar
reunidos numa criatura a quem poderia possuir. Essa vaga simpatia que nos atrai para
uma obra-prima que estamos contemplando, agora que conhecia o original de carne da
filha de Jetro, se converteu em desejo, que supria o que a princípio não lhe inspirara o
corpo de Odette. Depois de contemplar por muito tempo aquele Botticelli, pensava no
seu Botticelli, que achava ainda mais belo, e, quando achegava a si a fotografia de
Céfora, julgava que era Odette que estava apertando contra o coração.
E no entanto não era apenas o cansaço de Odette que ele se empenhava em prevenir,
era às vezes o seu próprio cansaço; sentindo que Odette, desde que dispunha das
maiores facilidades para vê-lo, parecia não ter grande coisa que lhe dizer, temia que a
atitude um pouco insignificante, monótona, e como que definitivamente assentada, que
ela assumia em sua presença, acabasse por matar nele a romanesca esperança de que ela
um dia se lhe declarasse, esperança esta que o tornara e conservara enamorado. E para
renovar um pouco o aspecto moral, por demais reservado, de Odette, e de que tinha
medo de fatigar-se, inopinadamente lhe escrevia uma carta cheia de fingidas decepções e
cóleras dissimuladas, que mandava entregar-lhe antes do jantar. Sabia que Odette ia
assustar-se, responder-lhe, e esperava que, no choque do medo de o perder, brotariam
palavras que ela nunca havia dito; e, com efeito, foi dessa maneira que obteve as cartas
mais ternas que ela lhe escreveu, uma das quais, remetida da Maison Dorée (era no dia
da festa de Paris-Múrcia, em benefício dos flagelados de Múrcia[2]) assim começava:
“Meu amigo, minha mão treme tanto que mal posso escrever”; guardara-a na mesma
gaveta do crisântemo. Ou então, se ela não tivera tempo de escrever-lhe, logo que Swann
chegava em casa dos Verdurin, iria vivamente ao encontro dele e diria: “Tenho de lhe
falar”, e ele contemplaria com curiosidade, em seu rosto e em suas palavras, o que ela até
ali lhe ocultara de seu coração.
Mal se aproximava da casa dos Verdurin, ao avistar, iluminadas pelas lâmpadas, as
grandes janelas cujos postigos nunca se fechavam, enternecia-se pensando na
encantadora criatura que ia ver em meio àquela luz dourada. Às vezes as sombras dos
convidados se destacavam esbeltas e negras, diante das lâmpadas, como essas pequenas
figuras que se intercalam de espaço em espaço num abajur transparente, deixando o
restante em plena claridade. Procurava distinguir a silhueta de Odette. Depois, logo que
entrava, sem que se desse conta, seus olhos fulguravam com tal alegria que o sr.
Verdurin dizia ao pintor: “Parece que a coisa está ardendo”. E para Swann, com efeito, a
presença de Odette dava àquela casa uma coisa que faltava em todas as outras em que era
recebido: uma espécie de aparelho sensitivo, de rede nervosa que se ramificava por todas
as peças e lhe trazia ao coração constantes excitações.
Assim, o simples funcionamento daquele organismo social que era o pequeno “clã”
proporcionava automaticamente a Swann encontros cotidianos com Odette e permitia-lhe
fingir indiferença de a ver, ou até desejo de não mais a ver, que não lhe trazia grandes
riscos, pois, o que quer que lhe tivesse escrito durante o dia, forçosamente a veria à
noite e a conduziria até em casa.
Mas uma vez em que, considerando aborrecidamente aquele inevitável regresso em
sua companhia, levara até o Bois a jovem operária para retardar o momento de ir aos
Verdurin, sucedeu-lhe chegar tão tarde que Odette já havia partido, julgando que ele não
viesse. Ao ver que ela já não se achava na sala, Swann sentiu um golpe no coração;
tremia ao se ver privado de um prazer que pela primeira vez avaliava, pois até então
tivera a certeza de o encontrar quando quisesse, coisa que sempre diminui ou até nos
impede de apreciar o que vale um prazer.
— Viste a cara que ele fez quando viu que ela não estava aqui? — perguntou o sr.
Verdurin à mulher. — Creio que se pode dizer que ele está apanhado!
— A cara que ele fez? — perguntou com veemência o dr. Cottard que, tendo ido
ver um doente, voltara em busca da mulher e não sabia de que se tratava.
— Como! Não encontrou à porta um Swann dos melhores?
— Não. Ele veio?
— Oh!, um instante apenas. Tivemos um Swann muito agitado, muito nervoso.
Compreende: Odette já havia saído.
— Quer dizer que estão num excelente pé e que ele andou vendo passarinho verde?
— disse o doutor, experimentando com prudência o sentido de tais expressões.
— Mas não há absolutamente nada, e, cá entre nós, acho que Odette faz mal e se
porta como uma verdadeira tola, que disto ela não passa.
— Ora, ora! — disse o sr. Verdurin. — Como é que sabes que não há nada? Nós
não fomos espiar, não é verdade?
— A mim ela teria dito — replicou altivamente a sra. Verdurin. — Fiquem sabendo
que Odette me conta todas as suas intimidades. Como está sem ninguém de momento, eu
lhe disse que deveria deitar-se com Swann. Diz ela que não pode, que chegou a ter um
sério béguin por ele,[3] mas que Swann se mostra tímido, o que por sua vez a intimida,
e depois, não é dessa maneira que o ama, pois se trata de uma criatura ideal e ela tem
medo de desflorar o sentimento que lhe dedica, e que sei mais! No entanto, seria mesmo
o melhor para ela.
— Hás de permitir-me que não seja da tua opinião — disse o sr. Verdurin. — Eu
não vou muito com esse cavalheiro: acho-o posudo.
A sra. Verdurin imobilizou-se, assumindo uma expressão inerte, como se tivesse
virado estátua, atitude que lhe permitiu não ter ouvido aquele insuportável qualificativo
de posudo, que parecia implicar que alguém poderia fazer “pose” com eles, e que
portanto era “mais do que eles”.
— Enfim, se não há nada, creio que seja porque esse senhor a julgue virtuosa —
disse ironicamente o sr. Verdurin.
— E depois, que se pode saber? Pois ele parece julgá-la inteligente. Não sei se
ouviste as coisas que ele lhe dizia na outra noite sobre a sonata de Vinteuil; estimo Odette
de todo o coração, mas, para lhe expor teorias de estética, é preciso ser mesmo um
grande tolo!
— Que é isso? Não fales mal de Odette — disse a sra. Verdurin com um ar
inocente. — Ela é encantadora.
— Mas isso não impede que seja encantadora; não falamos mal dela, apenas dizemos
que não é nem uma virtude nem uma inteligência. No fundo — disse ao pintor —, faz
você muita questão de que ela seja virtuosa? Assim talvez ficasse muito menos
encantadora.
No patamar, Swann fora abordado pelo mordomo, que se achava ausente no
momento da sua chegada e que Odette encarregara de lhe dizer — mas já fazia pelo
menos uma hora —, caso ele ainda viesse, que iria provavelmente tomar chocolate no
Prévost antes de recolher-se.[4] Swann partiu para o Prévost, mas a cada instante seu
carro era detido por outros ou por gente que atravessava a rua, odiosos obstáculos que
lhe seria grato derribar se o inquérito do agente não o atrasasse ainda mais que a
passagem do pedestre. Contava o tempo que levava, acrescentando alguns segundos a
cada minuto para ter certeza de que não os fazia muito curtos, o que poderia induzi-lo a
julgar maiores do que na realidade as suas probabilidades de chegar a tempo e ainda
encontrar Odette. E houve um momento em que, como um doente em febre que acaba
de dormir e toma consciência do absurdo dos sonhos que ruminava sem os separar
nitidamente da sua pessoa, Swann percebeu de súbito em si a estranheza dos
pensamentos que o assediavam desde que lhe haviam dito em casa dos Verdurin que
Odette já se fora, e sentiu a novidade daquela dor no coração, que só agora percebia,
como se acabasse de despertar. Como? Toda aquela agitação porque só veria Odette no
dia seguinte, o que precisamente desejava uma hora antes, ao dirigir-se à casa da sra.
Verdurin? Viu-se obrigado a reconhecer que, naquele mesmo carro que o levava ao
Prévost, ele não era mais o mesmo e já não estava sozinho, pois um ser novo ali estava,
aderido, amalgamado a ele, do qual não poderia talvez se desembaraçar, e que seria
preciso tratar com os cuidados que se tem para com um amo ou uma doença. E no
entanto, desde que sentia que uma nova pessoa se ajuntara assim a ele, a vida lhe parecia
mais interessante. Mal considerava que aquele possível encontro no Prévost (cuja espera
confundia e anulava a tal ponto os momentos precedentes que não se lhe deparava uma
só ideia, uma só lembrança em que pudesse descansar o espírito), caso ocorresse, seria
provavelmente como os outros encontros, isto é, quase nada. Como todas as noites,
logo que estivesse com Odette, lançando ao seu rosto mutável um furtivo olhar, logo
desviado, de medo que ela o interpretasse como uma insinuação de desejo e deixasse de
acreditar em seu desinteresse, ser-lhe-ia então impossível pensar nela, por demais
preocupado em achar pretextos para não a deixar em seguida, e assegurar-se, sem que
parecesse dar maior importância ao caso, de que a encontraria no dia seguinte no salão
dos Verdurin, quer dizer, de prolongar por um instante e renovar por um dia mais a
decepção e tortura que lhe trazia a vã presença daquela mulher de quem se aproximava
tanto sem ousar enlaçá-la
continua na página 155...
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Leia também:
Volume 1
No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Mais importância, talvez - e)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
_________________[1] Afresco pintado por Botticelli. [n. e.]
[2] A cidade de Múrcia, na Espanha, havia sido inundada em outubro de 1879. A
festa “em benefício dos flagelados” ocorreu no dia 18 de dezembro daquele ano. A
referência temporal precisa permite situar “Um amor de Swann” no Segundo Império,
mas entra em certa contradição com a data do funeral de Gambetta (1883) e a reprise da
peça Danichef , já citados. [n. e.]
[3] Gíria que significava na época uma paixão passageira — sintomática, pois
justamente na noite em que será selada a paixão de Swann por Odette o sentimento dela,
de acordo com a sra. Verdurin, já estava resfriado. [n. e.]
[4] Especialidade ainda hoje do Café Prévost. A busca desesperada de Odette parte,
assim, de um inocente chocolate quente tomado antes de ir se deitar. Em sua
perambulação, Swann percorrerá uma série de outros estabelecimentos localizados nos
Grandes Bulevares de Paris. [n. e.]
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