contos e poesia no butekudu baitasar.
a humanidade solidária e amorosa construída com todos incluídos num outro mundo possível, por la vida... siempre!
li nas redes sociais: "se tua religião te faz odiar pessoas por qualquer razão, procura frequentar um buteku e paga os mesmos 10% ao garçom!"
A amizade de Escobar fez-se grande e fecunda; a de José Dias não lhe quis ficar atrás. Na primeira semana disse-me este em casa:
– Agora é certo que você vai sair já do seminário.
– Como?
– Espere até amanhã. Vou jogar com eles que me chamaram; amanhã, lá no quarto, no quintal, ou na rua, indo à missa, conto-lhe o que há. A ideia é tão santa que não está mal no santuário. Amanhã, Bentinho.
– Mas é coisa certa?
– Certíssima!
No dia seguinte revelou-me o mistério. Ao primeiro aspecto, confesso que fiquei deslumbrado. Trazia uma nota de grandeza e de espiritualidade que falava aos meus olhos de seminarista. Era não menos que isto. Minha mãe, ao parecer dele, estava arrependida do que fizera, e desejaria ver-me cá fora, mas entendia que o vínculo moral da promessa a prendia indissoluvelmente. Cumpria rompê-lo, e para tanto valia a Escritura, com o poder de desligar dado aos apóstolos. Assim que, ele e eu iríamos a Roma pedir a absolvição do Papa... Que me parecia?
– Parece-me bem, respondi depois de alguns segundos de reflexão. Pode ser um bom remédio.
– É o único, Bentinho, é o único! Vou já hoje conversar com D. Glória, expondo-lhe tudo, e podemos partir daqui a dois meses, ou antes...
– Melhor é falar domingo que vem; deixe-me pensar primeiro...
– Oh! Bentinho! interrompeu o agregado. Pensar em quê? Você o que quer... Digo? Não se amofina com o seu velho? Você o que quer é consultar a uma pessoa.
Rigorosamente, eram duas pessoas, Capitu e Escobar, mas eu neguei a pés juntos que quisesse consultar ninguém. E que pessoa, o reitor? Não era natural que lhe confiasse tal assunto. Não, nem reitor, nem professor, nem ninguém; era só o tempo de refletir uma semana, no domingo daria a resposta, e desde já lhe dizia que a ideia não me parecia má.
– Não?
– Não.
– Pois resolvamos hoje mesmo.
– Não se vai a Roma brincando.
– Quem tem boca vai a Roma, e boca no nosso caso é a moeda. Ora, você pode muito bem gastar consigo... Comigo, não; um par de calças, três camisas e o pão diário, não preciso mais. Serei como São Paulo, que vivia do ofício enquanto ia pregando a palavra divina. Pois eu vou, não pregá-la, mas buscá-la. Levaremos cartas do internúncio e do bispo, cartas para nosso ministro, cartas de capuchinhos... Bem sei a objeção que se pode opor a esta ideia; dirão que é dado pedir a dispensa cá de longe; mas, além do mais que não digo basta refletir que é muito mais solene e bonito ver entrar no Vaticano, e prostrar-se aos pés do papa o próprio objeto do favor, o levita prometido, que vai pedir para sua mãe terníssima e dulcíssima a dispensa de Deus. Considere o quadro, você beijando o pé ao príncipe dos apóstolos; Sua Santidade, com o sorriso evangélico, inclina-se, interroga, ouve, absolve e abençoa. Os anjos o contemplam, a Virgem recomenda ao santíssimo filho que todos os seus desejos, Bentinho, sejam santificados, e que o que você amar na terra seja igualmente amado no céu...
Não digo mais, porque é preciso acabar o capítulo, e ele não acabou o discurso. Falou a todos os meus sentimentos de católico e de namorado. Vi a alma aliviada de minha mãe, vi a alma feliz de Capitu, ambas em casa, e eu com elas, e ele conosco, tudo mediante uma pequena viagem a Roma, que eu só geograficamente sabia onde ficava; espiritualmente, também, mas a distância que estaria da vontade de Capitu é que não. Eis o ponto essencial. Se Capitu achasse longe, não iria; mas era preciso ouvi-la, e assim também a Escobar, que me daria um bom conselho.
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Texto de referência:
Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.
Que suplício que foi o jantar! Felizmente, Sabina fez-me sentar ao pé da filha do Damasceno, uma Dona Eulália, ou mais familiarmente Nhã-loló, moça bem graciosa, um tanto acanhada a princípio, mas só a princípio. Faltava-lhe elegância, mas compensava-a com os olhos, que eram soberbos e só tinham o defeito de se não arrancarem de mim, exceto quando desciam ao prato; mas Nhã-loló comia tão pouco, que quase não olhava para o prato. De noite cantou; a voz era como dizia o pai, “muito mimosa”. Não obstante, esquivei-me. Sabina veio até à porta, e perguntou-me que tal achara a filha do Damasceno.
— Assim, assim.
— Muito simpática, não é? acudiu ela; falta-lhe um pouco mais de corte. Mas que coração! é uma pérola. Bem boa noiva para você.
— Não gosto de pérolas.
— Casmurro! Para quando é que você se guarda? Para quando estiver a cair de maduro, já sei. Pois, meu rico, quer você queira quer não, há de casar com Nhã-loló. E dizia isto a bater-me na face com os dedos, meiga como uma pomba, e ao mesmo tempo intimativa e resoluta. Santo Deus! seria esse o motivo da reconciliação? Fiquei um pouco desconsolado com a ideia, mas uma voz misteriosa chamava-me à casa do Lobo Neves; disse adeus a Sabina e às suas ameaças.
Enquanto, no processo opressor, as elites vivem da “morte em vida” dos oprimidos e só na relação vertical entre elas e eles se autenticam, no processo revolucionário, só há, um caminho para a autenticidade da liderança que emerge: “morrer” para reviver através dos oprimidos e com eles.
Na verdade, enquanto no primeiro, é lícito dizer que alguém oprime alguém, no segundo, já não se pode afirmar que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas que os homens se libertam em comunhão. Com isto, não queremos diminuir o valor e a importância da liderança revolucionária. Pelo contrário, estamos enfatizando esta importância e este valor. E haverá importância maior que conviver com os oprimidos, com os esfarrapados do mundo, com os “condenados da terra”?
Nisto, a liderança revolucionária deve encontrar não só a sua razão de ser, mas a razão de uma sã alegria. Por sua natureza, ela pode fazer o que a outro, por sua natureza, se proíbe de fazer, em termos verdadeiros.
Daí que toda aproximação que aos oprimidos façam os opressores, enquanto classe, os situa inexoravelmente na falsa generosidade a que nos referimos no primeiro capítulo deste trabalho. Isto não pode fazer a liderança revolucionária: ser falsamente generosa. Nem tampouco dirigista.
Se as elites opressoras se fecundam, necrofilamente, no esmagamento dos oprimidos, a liderança revolucionária somente na comunhão com eles pode fecundar-se.
Esta é a razão pela qual o quefazer opressor não pode ser humanista, enquanto o revolucionário necessariamente o é. Tanto quanto o desumanismo dos opressores, o humanismo revolucionário implica na ciência. Naquele, esta se encontra a serviço da “reificação”; nesta, a serviço da humanização. Mas, se no uso da ciência e da tecnologia para “reificar”, o sine qua desta ação é fazer dos oprimidos sua pura incidência, já, não é o mesmo o que se impõe no uso da ciência e da tecnologia para a humanização. Aqui, os oprimidos ou se tornam sujeitos, também, do processo, ou continuam “reificados”.
E o mundo não é um laboratório de anatomia nem os homens são cadáveres que devam ser estudados passivamente.
O humanista científico revolucionário não pode, em nome da revolução, ter nos oprimidos objetos passivos de sua análise, da qual decorram prescrições que eles devam seguir.
Isto significa deixar-se cair num dos mitos da ideologia opressora, o da absolutização da ignorância, que implica na existência de alguém que a decreta a alguém.
No ato desta decretação, quem o faz, reconhecendo os outros como absolutamente ignorantes, se reconhece e à classe a que pertence como os que sabem ou nasceram para saber. Ao assim reconhecer- se tem nos outros o seu oposto. Os outros se fazem estranheza para ele. A sua passa a ser a palavra “verdadeira”, que impõe ou procura impor aos demais. E estes são sempre os oprimidos, roubados de sua palavra.
Desenvolve-se no que rouba a palavra dos outros, uma profunda descrença neles, considerados como incapazes. Quanto mais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão proibidos de dizê-la, tanto mais exercita o poder e o gosto de mandar, de dirigir, de comandar. Já não pode viver se não tem alguém a quem dirija sua palavra de ordem.
Desta forma, é impossível o diálogo. Isto é próprio das elites opressoras que, entre seus mitos, têm de vitalizar mais este, com o qual dominam mais.
A liderança revolucionária, pelo contrário, científico-humanista, não pode absolutizar a ignorância das massas. Não pode crer neste mito. Não tem sequer o direito de duvidar, por um momento, de que isto é um mito.
Não pode admitir, como liderança, que só ela sabe e que só ela pode saber – o que seria descrer das massas populares. Ainda quando seja legítimo reconhecer-se em um nível de saber revolucionário, em função de sua mesma consciência revolucionária, diferente do nível de conhecimento ingênuo das massas, não pode sobrepor-se a este, com, o seu saber.
Por isto mesmo é que não pode sloganizar as massas, mas dialogar com elas para que o seu conhecimento experiencial em torno da realidade, fecundado pelo conhecimento crítico da liderança, se vá transformando em razão da realidade.
Assim como seria ingênuo esperar das elites opressoras a denúncia deste mito da absolutização da ignorância das massas, é uma contradição que a liderança revolucionária não o faça e, maior contradição ainda, que atue em função dele.
O que tem de fazer a liderança revolucionária é problematizar aos oprimidos, não só este, mas todos os mitos de que se servem as elites opressoras para oprimir. Se assim não se comporta, insistindo em. imitar os opressores em seus métodos dominadores, provavelmente duas respostas possam dar as massas populares. Em determinadas circunstâncias históricas, se deixarem “domesticar” por um novo conteúdo nelas depositado. Noutras, se assustarem diante de uma “palavra” que ameaça ao opressor “hospedado” nelas. [1]
[1] Às vezes, nem sequer esta palavra é dita. Basta a presença de alguém (não necessariamente pertencente a um grupo revolucionário) que possa ameaçar ao opressor "hospedado" nas massas, para que elas, assustadas, assumam posturas destrutivas. Contou-nos um aluno nosso, de um país latino - americano, que, em certa comunidade camponesa indígena de seu país, bastou que um sacerdote fanático denunciasse a presença de dois "comunistas" na comunidade, “pondo em risco a fé católica", para que, na noite deste mesmo dia, os camponeses, unânimes, queimassem vivos aos dois simples professores primários que exerciam seu trabalho de educadores infantis. Talvez esse sacerdote tivesse visto, na casa daqueles infelizes maestros rurales algum livro em cuja capa houvesse a cara de um homem barbado.
Em qualquer dos casos, não se fazem revolucionários. No primeiro, a revolução é um engano; no segundo, uma impossibilidade.
Há os que pensam, às vezes, com boa intenção, mas equivocamente, “que sendo demorado o processo [2] dialógico – o que não é verdade – se deve fazer a revolução sem comunicação, através dos ‘comunicados' e, depois de feita, então, se desenvolverá um amplo esforço educativo. Mesmo porque, continuam, não é possível fazer educação antes da chegada ao poder. Educação libertadora.”
[2] Salientamos, mais uma vez, que não estabelecemos nenhuma dicotomia entre o diálogo e a ação revolucionária, como se houvesse um tempo de diálogo, e outro, diferente, de revolução. Afirmamos, pelo contrário, que o diálogo é a “essência” da ação revolucionária. Daí que na teoria desta ação, seus atores, intersubjetivamente, incidam sua ação sobre o objetivo, que é a realidade que os mediatiza, tendo, como objetivo, através da transformação desta, a humanização dos homens. Isto não ocorre na teoria da ação opressora, cuja “essência” é antidialógica. Nesta, o esquema se simplifica. Os atores têm, como objetos de sua ação, a realidade e os oprimidos, simultaneamente e, como objetivo, a manutenção da opressão, através da manutenção da realidade opressora.
Há alguns pontos fundamentais a analisar nas afirmações dos que assim pensam.
Acreditam (não todos), na necessidade do diálogo com as massas, mas não creem na sua viabilidade antes da chegada ao poder. Ao admitirem que não é possível uma forma de comportamento educativo - critica, antes da chegada ao poder por parte da liderança, negam o caráter pedagógico da revolução, como Revolução cultural. Por outro lado, confundem o sentido pedagógico da revolução com a nova educação a ser instalada com a chegada ao poder.
A nossa posição, já afirmada e que se vem afirmando em todas as páginas deste ensaio, é que seria realmente ingenuidade esperar das elites opressoras uma educação de caráter libertário. Mas, porque a revolução tem, indubitavelmente, um caráter pedagógico que não pode ser esquecido, na razão em que é libertadora ou não é revolução, a chegada ao poder é apenas um momento, por mais decisivo que seja. Enquanto processo, o “antes” da revolução está na sociedade opressora e é apenas aparente.
A revolução se gera nela como ser social e, por isto, na medida em que é ação cultural, não pode deixar de corresponder às potencialidades do ser social em que se gera.
É que todo ser se desenvolve (ou se transforma) dentro de si mesmo, no jogo de suas contradições.
Os condicionamentos externos, ainda que necessários, só são eficientes se coincidem com aquelas potencialidades [3].
[3] No ensaio já citado, Ação Cultural para Liberdade, discutimos mais detidamente as relações entre ação cultural e revolução cultural.
O novo da revolução nasce da sociedade velha, opressora, que foi superada. Daí que a chegada ao poder que continua processo, seja apenas, como antes dissemos, um momento decisivo deste.
Por isto é que, numa visão dinâmica e não estática da revolução, ela não tenha um antes e um depois absolutos, de que a chegada ao poder fosse o ponto de divisão.
Gerando-se nas condições objetivas, o que busca é a superação da situação opressora com a instauração de uma sociedade de homens em processo de permanente libertação.
O sentido pedagógico, dialógico, da revolução, que a faz “revolução cultural” também, tem de acompanhá-la em todas as suas fases.
É ele ainda um dos eficientes meios de evitar que o poder revolucionário se institucionalize, estratificando-se em “burocracia” contra-revolucionária, pois que a contra-revolução também é dos revolucionários que se tornam reacionários.
E, se não é possível o diálogo com as massas populares antes da chegada ao poder, porque falta a elas experiência do diálogo, também não lhes é possível chegar ao poder, porque lhes falta igualmente experiência do poder. Precisamente porque defendemos uma dinâmica permanente no processo revolucionário, entendemos que é nesta dinâmica, na práxis das massas com a liderança revolucionária, que elas e seus líderes mais representativos aprenderão tanto o diálogo quanto o poder. Isto nos parece tão óbvio quanto dizer que um homem não aprende a nadar numa biblioteca, mas na água.
O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada, como a sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a “pronúncia” do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização.
Se “uma ação livre somente o é na medida em que o homem transforma seu mundo e a si mesmo, se uma condição positiva para a liberdade é o despertar das possibilidades criadoras humanas, se a luta por uma sociedade livre não o é a menos que, através dela, seja criado um sempre maior grau de liberdade individual” [4], se há de reconhecer ao processe revolucionário o seu caráter eminentemente pedagógico. De uma pedagogia problematizante e não de uma “pedagogia” dos “depósitos”, "bancária”. Por isto é que o caminho da revolução é o da abertura às massas populares, não o do fechamento a elas. É o da convivência com elas, não o da desconfiança delas. E, quanto mais a revolução exija a sua teoria, como salienta Lênin, mais sua liderança tem de estar com as massas, para que possa estar contra o poder opressor.
[4]Ver Mao Tsé- Tung, On Contradictions. “A free action (diz Gajo Petrovic), can only be one by which a man changes his world and himself”. (...) A positive condition of freedom is the knowledge of the limits of necessity, the awa reness of human creative possibilites. (...) The struggle for a free society is not a struggle for a free society unless through it an ever greater degree of individual freedom is created”. Gajo Petrovic, Man and Freedom, In Socialism Humanism. Editado por Erich Fromm, Nova Iorque, Anchor Books, 1966, pp. 274 -5-6. Do mesmo autor, é importante a leitura de Marx in the Mid -Twentieth Century. Anchor, 1967.
Freire, Paulo F934p Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987 (O mundo, hoje, v.21)
1. Alfabetizaço – Métodos 2. Alfabetizaço – Teoria I. Título II. Série CDD-374.012 -371.332 77-0064 CDD-371.3:376.76
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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido
"Quem atua sobre os homens para, doutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores."
A seu respeito só se podia dizer que era um homem de cinquenta anos, pouco mais ou menos, bondoso, parecendo sempre preocupado.
Graças aos rápidos processos da indústria que ele tão admiravelmente reformara, Montreuil-sur-mer tornara-se um considerável centro de comércio. A Espanha que consome muito azeviche, fazia todos os anos grandes encomendas. Neste ramo de comércio, Montreuil-sur-mer fazia concorrência a Londres e a Berlim. Eram tais os lucros do senhor Madelaine, que logo no segundo ano pudera construir uma grande fábrica, em que havia duas vastas oficinas, uma para homens, outra para mulheres. Quem tivesse fome, podia aí apresentar-se, que tinha de antemão a certeza de encontrar trabalho e pão.
O senhor Madelaine exigia boa vontade dos homens, pureza de costumes das mulheres, e probidade de todos. Para mais facilmente conseguir todas estas coisas, dividira as oficinas, para que, separados os dois sexos, as mulheres e as raparigas não viessem a perverter-se com o contato dos homens, nem estes a deixarem-se arrastar de vergonhosos desvairamentos por aquelas. Neste ponto era inflexível. Era esta a única coisa para a qual se tornava de alguma maneira intolerante, empregando para conter o mal tanta maior severidade, quanto mais frequentes eram na terra as ocasiões de corrupção, por Montreuil-sur-mer ser uma cidade com guarnição militar De resto, a sua vinda tinha sido um benefício e a sua presença era uma providência. Antes da chegada do senhor Madelaine, tudo naquela terra jazia num estado de desalentada languidez; depois todos passaram a viver a vida sã do trabalho, aquecia tudo e penetrava em toda a parte o movimento duma forte circulação. Tanto a falta de trabalho como a miséria eram ali desconhecidos. Não havia bolsa, por mais mesquinha que fosse, em que não se encontrasse algum dinheiro, nem casa tão pobre que não penetrasse um quente raio de alegria. O senhor Madelaine empregava toda a gente, fazendo uma única exigência: «Seja homem de bem! Seja mulher honesta!»
Como já dissemos, no meio desta atividade, de que era a causa e o eixo, fazia o senhor Madelaine a sua fortuna; mas, coisa assaz singular num simples homem de comércio, não mostrava ser esse o seu principal cuidado. Parecia que cuidava muito nos outros e pouco em si. Em 1820 sabia-se que tinha seiscentos e trinta mil francos, depositados em seu nome na casa Laffite; antes, porém, de reservar para si esses seiscentos e trinta mil francos, tinha gasto mais de um milhão em favor da cidade e dos pobres.
O hospital estava mal dotado; o senhor Madelaine mandou estabelecer mais dez camas. Montreuil-sur-mer era dividida em cidade alta e cidade baixa A cidade baixa, onde ele morava, tinha apenas uma escola, velho pardieiro quase em ruínas: fundou duas, uma para meninas e outra para rapazes, dando aos professores, do seu bolso, o dobro do magro ordenado oficial que recebiam, dizendo um dia a alguém que se admirava de que ele fizesse estas despesas: «Os primeiros funcionários do Estado são as amas de leite e os professores de instrução primária». Criara a expensas suas uma casa de asilo, coisa então quase desconhecida em França, e uma caixa de socorros para os operários velhos e enfermos.
Como a sua fábrica se tornasse um centro, surgiu rapidamente em torno dela um novo bairro, onde morava um grande número de famílias indigentes e onde estabeleceu uma farmácia gratuita.
Ao princípio, quando o viram começar os alicerces da sua fortuna, as boas almas disseram: «É um atrevido que quer enriquecer». Quando o viram enriquecer a terra onde estava, antes de se enriquecer a si próprio, disseram ainda as mesmas boas almas: «É um ambicioso». Isto parecia tanto mais provável, por ele ser religioso e até certo ponto zeloso nas práticas externas, coisa muito bem vista naquela época. Ia regularmente ouvir uma missa rezada todos os domingos.
O deputado local, que por toda a parte farejava concorrência, não tardou a inquietar-se com a sua religião. Este deputado, que tinha sido membro do conselho geral, participava das ideias religiosas de um padre da Congregação do Oratório, conhecido sob o nome de Fouché, duque de Otranto, de quem fora amigo íntimo. No fundo da sua consciência, ria-se de Deus e das coisas sagradas. Mas quando viu o rico industrial Madelaine ir à missa rezadadas sete horas, entreviu a possibilidade de um candidato e resolveu ultrapassá-lo em zelo, tomando um jesuíta para confessor e nunca faltando à missa cantada e a vésperas.
Naquele tempo, a ambição era, na verdadeira acepção da palavra, o caminho do campanário. Foi proveito dos pobres, tanto como de Deus, aquele terror, porque o respeitável deputado dotou o hospital com mais duas camas, o que fez subir o seu número a doze.
Todavia, em 1819, espalhou-se um dia na cidade o boato de que, por proposta do senhor prefeito e em consideração aos serviços prestados àquela localidade pelo senhor Madelaine, ia este ser nomeado pelo rei, maire de Montreuil-sur-mer. Os que à sua chegada o tinham apodado de «ambicioso», aproveitaram com entusiasmo esta ocasião, que todos desejam, para exclamar: «Aí está! Que tínhamos nós dito?» Em Montreuil-surmer não se falava noutra coisa e o boato tinha fundamento. Passados alguns dias apareceu o decreto da nomeação no Monitor e, no dia seguinte, o senhor Madelaine declarou que não aceitava.
Nesse mesmo ano de 1819, figuravam na exposição industrial os produtos do novo sistema inventado por Madelaine, o que fez em vista do relatório do júri, com que o rei o nomeasse cavaleiro da Legião de Honra. Novo rumor na pequena cidade: «Está visto, o que ele queria era a cruz!» Porém, o senhor Madelaine recusou a venera.
Decididamente aquele homem era um enigma, mas as boas almas, não o podendo decifrar, saíam do embaraço em que se viam, dizendo: «Afinal de contas, não passa de um aventureiro».
Como já se viu, a localidade devia-lhe muito e os pobres deviam-lhe tudo; Madelaine era tão útil, que fora indispensável que acabassem por lhe render o respeito que lhe era devido, era tão bondoso, que tinha sido impossível deixarem de lhe querer bem; os seus operários, especialmente, adoravam-no, adoração que ele recebia com uma espécie de gravidade melancólica.
Depois de se tornar incontestável a sua riqueza, as «pessoas da sociedade» passaram a cumprimentá-lo, chamando-lhe todos na cidade o senhor Madelaine; contudo, os seus operários e as crianças continuaram a chamar-lhe senhor Madelaine, sendo isto o que o fazia sorrir de melhor grado. A medida que subia, choviam sobre ele os convites. A «sociedade» reclamava-o.
As mesquinhas e pretensiosas salas de Montreuil-sur-mer, que, bem entendido, se teriam fechado nos primeiros tempos ao homem, trabalhador, abriram as suas portas de par em par ao milionário, Madelaine, porém, esquivou-se sempre aos convites.
Ainda desta vez as boas almas não puderam conter-se: «É um homem ignorante e de fraca educação. Ninguém sabe de onde veio, e seria incapaz de portar-se com decência entre pessoas de sociedade. Nem ainda se provou que saiba ler».
Quando o viram ganhar dinheiro, disseram: «É um comerciante». Ao vê-lo distribuir o dinheiro que ganhara, bradaram: «É um ambicioso». Quando viram que repelia todas as honras, exclamaram: «É um aventureiro!» E, finalmente, disseram, ao vê-lo fugir esquivo à convivência da sociedade: «É um homem grosseiro!»
Em 1820, cinco anos depois da sua chegada a Montreuil-sur-mer, eram já tão notáveis os serviços que prestara à localidade em que se estabelecera e o voto de todo o distrito fora de tal modo unânime, que o rei nomeou-o novamente maire. Tornou a recusar, mas o prefeito resistiu à sua recusa, as pessoas notáveis instaram todas com ele para que aceitasse, o povo, mesmo no meio da rua, suplicava-lhe; numa palavra, viu-se de tal modo solicitado, que aceitou finalmente.
Notou-se que o que pareceu sobretudo decidi-lo, foi a apóstrofe quase irritada de uma velha mulher do povo, que lhe gritara com mau modo do limiar da sua porta:
Um bom maire é muito útil. Ninguém tem o direito de recuar diante do bem que pode fazer. Foi esta a terceira fase da sua ascensão. O senhor Madelaine tinha-se tornado o senhor Madelaine, o senhor Madelaine tornou-se o senhor maire.
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Victor-Marie Hugo (1802—1885) foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables e de Notre-Dame de Paris, entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
rumor dissolvido em nada na música subindo na música para o fundo dos sonhos o olhar molha tua doçura íntima e na água escreve tua origem o crepúsculo transparente vibração de uma forma a lua instante da eternidade luz dos dias se derrama em seu descomedimento e um pássaro invisível pica o prazer de Deus imenso seio de revelações canto profundo onde o osso germina de nuvens o vazio abre seus lábios luz da carne ligada aos raios da alma cada alma é um lamento e o fim é uma alegria a arte está na melancolia da noite faça uma pausa onde o romance cria a magia escorregando como imagem de gelo onde você imagina e sonha e perdoa o desenho que faço no seu peito ... e tuas colinas ondulam a música do ar girando teus mamilos como um sopro da noite aqueles tenros favos de mel que saboreio em efusão de vida onde o corpo desfruta da alma e em sua substância espessa uvas pretas germinam acessas nas sobras que a noite resume apenas a madrugada viu sonhos de cores não vistas o fantasma da febre do seu corpo chovido com aquela lentidão das horas queimadas onde a noite goteja em seu orvalho íntimo magnetizando a pele como um tempo distante a emoção mata a noite da frieza do barulho mostra as formas da memória o silêncio balança na queda das águas e apenas uma é a noite do deleite"
AMANTE DEL AMOR
Se abre en rueda mi mano y gira el pecho la elevación del agua sus pezones en el sonoro vínculo del ser irse es retornar en el hilo del beso danza el fuego la cera del deseo gota amada de instantes capturados talle el reloj de tu minuto carne ondas de labios al pie rosas germinan tacto violeta en el latido mudo de la piel estirada hasta el punto crecido del orgasmo fuga la noche el deseo y en sus límites la llama del lenguaje funde cuerpos.
SER O NO SER
Al aire estás y no es el aire sino una cosa muda que alguien piensa y susurra en tu piel como un pensar del aire
Es tu voz y no es tu voz sino un recuerdo en la garganta que va espigando sueños en el aire del día
Estas al sol y no es el sol sino naranjas húmedas que llenan de amarillo el nocturno día que en redondo se muestra
Con Dios estás y no es Dios sino el efecto de alas que produce tu fe llenando de plumas la metafísica del arte
Siento que me miras y no me miras es una comunión de sentidos donde finge el ojo oler el tacto de la luz
Tienes la sed del agua y no es el agua sino un ardor de vida que transparenta el sueño
Al misterio te muestras y no es misterio sino un árbol que habla desde el verde aquello que todos ven presente en sus detalles
Me despiertan tus pasos y no son pasos sino suspensos del alba de una angustia que piensa
Sientes amor y no es amor sino un rumor de sangre que respira tu pecho hasta absorber la savia que en tu aliento se capta.
DESOLACIÓN
A Frank Martínez en la plenitud del grito.
Abatida hasta el polvo está mi alma Salmos 119....25
Y agotado y rendido y casi muerto abandonado en la sal de mi ser tomo esta letra viva tomo este verso así como el hielo de vidrio que simula la sangre cortando como el frío semejanzas del odio como una queja lenta que hace metal la forma y roto y tendido y abollado en las rancias colinas del insomnio como una sombra colgado de la noche repito la plegaria que me conversa Dios por la silueta fértil que hace piedad la llama por la máquina misma que se queda en los sueños y trabaja en detalles la posible quimera en la agónica página que tala voluntades como un gotero eterno que suspende su canto para oír el delirio de un poeta que late en esta orilla sorda donde rueda mi grito en un oscuro tiempo en una llaga oída que la nada escudriña en esta noche muerta que se clava en mi ánimo como una repetida soledad de universo cuando tú te derrumbas en el resto del tiempo.
NOCHE
“La noche exacta que precede a la última”. Aime Cesaire
“Pues hoy derrama noche el sentimiento”. Quevedo
El mar está en los ojos de la noche rumor disuelto de la nada en música subiendo en la canción al fondo de los sueños la mirada te moja tu íntima dulzura en el agua escribe tu origen el crepúsculo transparente sonido de una forma la luna instante de eternidad luz de los días se desparrama en su desmesura y un pájaro invisible pica el placer de Dios inmenso seno de las revelaciones hondo rincón donde el hueso germina de nubes el vacío abre los labios luz de carne atada a los rayos del alma toda alma es un lamento un fin un gozo el arte está en la melancolía de la noche pausa donde la novela crea la magia resbalándose como imagen de hielo donde imaginas y sueñas y perdonas el dibujo que te hago en el pecho para borrarlo consumiéndote hasta el alba y te elevas rosada como piel de harina desmoronándote en el goce donde sube la noche sus niveles de sal y el deseo te nace como piedra bronceada noche de mil y una en el trigo que nace de tu noche punto donde el espíritu y la piel la guerra hacen entre tu sed y el cuerpo transcurre una agua curva que vibra extinguiéndose en el ojo del tigre donde el amor se raya y se miran pintando los labios que posees torbellino enroscado en el azar ladridos de sombra transmiten el sonido de la vida en un tenso cordón de claridades y recorriéndole como esperanza nómada un animal en fuga que estudia la sombra como suerte crecida que viaja en el río simple como la culpa y el presagio lentamente en el fondo peces negros sueñan relinchos destilados de sus mitos tan larga la noche que el diamante estalla y se borra creciendo con la noche de si mismo noche ciega nacida a flor del alba donde escuchan los siglos el tacto de la nada sentimos la palabra perderse en nosotros y trascender con la noche en el poema devorada perla que circula en la sangre una noche podada de otra noche una sed vencida en otra sed de lo eterno el punto cero imagina un verano de Shakespeare una línea de Borges porque los acaricias con sus llamas la noche un ave que se quema es la luz inflamada y en lengua nuestra canta el viento tu forma al hollarme sigo siendo oscuridad porque la noche no es alta sino hondo tierra en que la rosa arde oyendo en tu temblor de aves un mundo alterado en tu desnudo triste luz donde el sexo te muerde la palabra como un breve disparo que se llena de alas hiriendo de vuelo los minutos vacíos limite del gemido parecido a mi boca donde ondulan del ansia los sonidos prudencia que diluye círculos de formas un murmullo tenso y tibio donde la sed se hilvana la noche lunar donde hormigueo el beso donde el libro aletea capítulos de agua hondísimo el pez en el contacto fluye hélice revelada en que giras tú verbo donde arde tu desnudo impetuoso vibrando como raíz mineral o gusto líquido mi fuego incinera la noche amándola hasta el polvo universo pensado que se cae de sus bordes hondura en viaje donde la magia se suicida en azabaches como lo estampó Byron para amar se hizo la noche lienzo en el tiempo de un resplandor de nada hacia adentro teje la araña los ojos de la noche que en la ausencia nos miran hueco frío que sueña en su lecho de voces en tu mirada cómplice desde esos lagos negros sueño de muerte donde la luz se funde con tus besos la chispa crea la llama hace la hoguera fuego trágico fértil decisivo en el cráneo del tiempo donde danza la vida en el deseo que imanta la pasión de la huida pulmón asimilado por el vuelo agujero de hojas como voces izadas liquen de noche en el color de los jardines hueca la rama imanta el vacío y a sí misma la noche se sucede paralela como todas las noches ésta obedece al clima de tu aire como una ficción que nos integra al cosmos inédita en su negro la noche nada en su estilo toda alma es un lamento un fin un gozo nos va incluyendo en el portal de ser la humilde abreviatura del amor y alzas la vista y escudriñas y lees la jornada imaginaria que termina en mis labios la noche nivel donde la luz se alía a la forma suma donde te vivo y te maduro como tierra que sube y tus colinas ondulan la música del aire girando en tus pezones como soplo de noche esos panales tiernos que saboreo en efusión de vida donde el cuerpo goza del alma y en su sustancia espesa uvas negras germinan encendida en la sobra que la noche resume sólo tu madrugada ha visto sueños de colores no vistos el fantasma de fiebre de tu cuerpo llovido con esa lentitud de las horas quemadas donde gotea la noche en su íntimo rocío imantando la piel como época lejana la emoción mata la noche en la frialdad del ruido puntualiza el olvido las formas del recuerdo el silencio se mece en el salto del agua y una sola es la noche del deleite y uno solo y eterno es el poema.
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Miguel Antonio Jiménez, poeta, conferencista e ensaísta. Ele nasceu em Hato Mayor, República Dominicana em 1955. É Bacharel em Educação com especialização em Filosofia e Letras, com mestrado em Letras. Trabalha como professor de Letras e atualmente é diretor da Oficina Literária César Vallejo da Universidade Autônoma de Santo Domingo. Ele pertence em seu país à chamada Geração dos anos oitenta.
Seus textos aparecem em várias antologias, entre as quais se destacam a Dominican Encyclopedia (1994) e o The Dominican Encyclopedic Dictionary (1988). Publicou os seguintes livros: Tremor de passos (1995), Amante do amor (1999), Al filo del agua (2000) e o livro de ensaios sobre literatura francesa intitulado El labyrinth terrestrial (2003).
Cena do filme Perfume de Mulher (Scent of a Woman, 1992), quando Frank (Al Pacino) convida Donna (Gabrielle Anwar) para dançar o tango "Por Una Cabeza" (de Gardel e Le Pera).
Historia de un Amor by Panamanian, Carlos Eleta Almarán, in 1956.
Ya no estás más a mi lado, corazón En el alma sólo tengo soledad Y si ya no puedo verte ¿Porqué Dios me hizo quererte? ¿Para hacerme sufrir más?
Siempre fuiste la razón de mi existir Adorarte para mí fue religión Y en tus besos yo encontraba El calor que me brindaba El amor y la pasión
Es la historia de un amor Como no hay otro igual Que me hizo comprender Todo el bien, todo el mal Que le dio luz a mi vida Apagándola después¡ Ay que vida tan oscura! Sin tu amor no viviré.
ah... os ensaios... os preparativos... as expectativas... nada vem ao acaso... as escolhas que fazemos... ah, as escolhas... cuidado com as escolhas... bolhas... rolhas...
ah... as reticências
as impertinências...
as permanências...
corpos que teimam...
querem o movimento
o desejo
a igualdade
que pode nos salvar
a ponte na escuridão
a esperança
Você quer se juntar a nós em um tour? Neste vídeo você poderá conhecer um pouco melhor o trabalho por trás de nossas últimas apresentações no Centro Cultural Terrassa: desde as atividades pedagógicas de nossos dançarinos até as aulas de dança clássica, ensaios e trabalhos técnicos. #BNEenGira
um recomeço, uma apresentação... chegamos em 2021. continuemos com a vida e com a dança
Obrigado a todos aqueles que nos acompanharam na primeira apresentação do nosso tour no Centro Cultural Terrassa de Terrassa (Barcelona). Sentimos saudades daqueles que não puderam vir. Hoje, preparamos uma porção dupla de dança espanhola com duas apresentações de Invocação.
Música: 'De lo flamenco. Introdução ', de Mario Maya.
Vídeo: Jesús Ávila (Departamento de Audiovisual BNE)
Maravilloso un gran trabajo de todos. Gracias a la Cultura en general. Ojalá acaben estos tiempos tan difíciles y podamos volver a veros pronto.
2020 não foi o ano que gostaríamos. Não nos apresentamos em tantas cidades como planejamos. No entanto, a dança espanhola esteve presente em palcos e escolas de Jerez, Albacete e São Petersburgo. Tivemos tempo para a estreia de 'De lo flamenco. Homenagem a Mario Maya ',' Invocação bolera ',' Jauleña 'e' capricho espanhol '. Aceitou o desafio de dançar connosco uma versão do 'Bolero' de Ravel com gaita de foles galega. Professores como Manolo Marín, Manuel Reyes, Belén López, Marcos Morau, Antonio Canales, Isabel Bayón, Rafaela Carrasco e Manuel Betanzos nos deram parte de sua experiência. Tínhamos que dançar em casa, mas nunca nos sentimos sozinhos porque pudemos compartilhar com vocês. Obrigado por se juntar a nós. Esperamos por si com mais dança espanhola em 2021.
Música: Spanish Capricho, de Nikolai Rimski-Korsakov.
A Sra. Epantchiná era muito ciosa da dignidade da sua família. Como a deveria ter chocado ouvir assim, sem o menor preparo, que esse Príncipe Míchkin, o último do nome, de quem já tinha ouvido falar, não passava de um pobre idiota, quase um pedinte, pronto até a aceitar a caridade alheia! O general muito propositadamente quis produzir efeito, impressionando-a de súbito, de modo que com a atenção volvida em outro rumo ela esquecesse o caso das pérolas, atraída por uma nova sensação. Sempre que alguma coisa acontecia de extraordinário, a Sra. Epantchiná dava em abrir desmesuradamente os olhos, derrubando o corpo para trás, ficando assim a fixar o que em frente dela estivesse, sem poder articular palavra.
Era uma mulher de compleição forte, da mesma idade do marido, com os cabelos negros ainda abundantes começando a pratear aqui e acolá. Mais alta do que baixa, tinha nariz aquilino, faces fundas amareladas e lábios finos e cerrados. Testa alta mas estreita, sob a qual os grandes olhos cinzentos mostravam, às vezes, uma inesperada expressão. Manifestara, em tempos, a fraqueza de supor esses olhos particularmente fascinantes, convicção essa de que ninguém jamais conseguira demovê-la.
- Recebê-lo? Queres que eu o receba agora, já? - e a dama estateladamente abriu os olhos, o mais que pôde, encarando Iván Fiodorovitch, que ficou logo sem jeito diante dela.
- Ora, tratando-se de quem se trata, não é necessário nenhuma cerimônia; se tu ao menos pudesses fazer uma ideia de como ele é, querida! - apressou-se o general a explicar. - É completamente uma criança, tem um feitio quase patético! Imagina tu que lhe dão ataques, de vez em quando. Acaba de chegar da Suíça, e veio diretamente da estação para aqui. Veste-se desajeitadamente, como um alemão, e está literalmente sem um copeque. Só lhe falta chorar. Dei-lhe vinte e cinco rublos e pretendo arranjar-lhe um lugarzinho de escrevente no nosso escritório. E lhes sugiro, madames que lhe ofereçam lanche, pois estou a jurar que está com fome.
- Tu me apavoras! - e a generala foi voltando a si, aos poucos. - Está com fome e tem ataques! Mas que espécie de ataques?
- Acalma-te, que os ataques não lhe sobrevêm assim amiúde. Além do que, é dócil como criança de colo e muito instruído. Gostaria de recomendar-lhes, madames (dirigiu-se outra vez às filhas), que o submetessem a um examezinho, a ver para o que dará.
- Um exame? - balbuciou a esposa. rolando os olhos, no máximo do espanto, do marido até às filhas e destas, outra vez, até ao general.
- Oh! Querida, não tomes as coisas intencionalmente... e sim de modo natural. Como já disse, passou-me pela cabeça tratá-lo amigavelmente; acho ser até um ato de caridade introduzi-lo um pouco em família.
- Introduzi-lo na família? Da Suíça?
- Agora já não se pode recuar. Convidei-o. Mas repito mais uma vez, seja como decidires. Pensei nisso por vários motivos: primeiro, ter ele o teu nome, ser talvez até parente teu; depois, a seguir, não ter ele onde pousar a cabeça. Supus que te fosse de certo modo interessante vê-lo, já que, de fato, pertences à mesma família.
- Naturalmente, mamãe. E se não é preciso fazer cerimônia com ele! E ainda por cúmulo está com fome e depois de uma viagem dessas! Por que não havemos de lhe dar alguma coisa a comer, já que não tem para onde ir? - opinou Aleksándra, que era a mais velha. - E se é uma criança, ainda! Podíamos até brincar de cabra-cega com ele!
- De cabra-cega? Que é que você está dizendo?
- Ora, mamãe, deixe de coisas! - interrompeu Agláia, zangando-se.
A segunda filha, Adelaída, que estava de ânimo alegre, não se pode conter e rompeu em uma risada.
- Mande-o buscar, papai. Mamãe já deu licença - decidiu Agláia.
O general tocou a campainha e mandou introduzir o príncipe.
- Está bem, mas com a condição de que vocês lhe passem um guardanapo em volta do pescoço, quando ele se sentar à mesa - obtemperou a generala. - E chamem Fiódor ou Mávra para ficarem atrás da cadeira dele tomando conta enquanto estiver comendo. Estará ao menos, no momento, a salvo desses ataques? É muito gesticulador?
- Oh! Não fales assim. É muito bem-educado, e tem maneiras encantadoras. Apenas é um pouco simplório, mas nem sempre. Mas, ei-lo que vem. Faça o favor de entrar. Deixa que te apresente o Príncipe Míchkin, último de seu nome, teu homônimo, ou melhor, xará e talvez até teu parente. Recebe-o bem e sê gentil para com ele. Como o almoço vai ser servido, príncipe, queira dar-nos a honra... E desculpe-me, pois tenho de me apressar, estou atrasado...
- Nós sabemos perfeitamente por que é essa sua pressa... - disse-lhe a esposa, com ênfase.
-Estou com pressa, estou com pressa, querida. Estou atrasado. Deem-lhe os álbuns, madames. Peçam-lhe que escreva qualquer coisa para vocês; tem uma letra que é um assombro. Vocês deveriam ver como ele escreveu para mim, em antigos caracteres: “O hegúmeno Pafnútii apôs aqui a sua assinatura”. Bem, adeus!
- Pafnútii? O abade? Espera um minuto, para um pouco. Aonde vais e quem é Pafnútii? - chamava-o a esposa, com franco aborrecimento que, ante a fuga do marido, se transformou em agitação.
- Sim, sim, querida, houve um hegúmeno chamado Pafnútii, que viveu há muito tempo. Mas tenho de sair, já devia estar na casa do conde; imagina tu que ele próprio marcou hora... Adeus, por enquanto, príncipe!
Em passadas largas, o general se retirou.
- Eu sei quem é o conde que ele vai ver! - disse com muita finura Lizavéta Prokófievna, volvendo os olhos irritadamente para o príncipe. - Que foi? - recomeçou ela, impaciente e amuada, tentando recordar-se. - Ora bem, que foi? Ah! Sim, falávamos do hegúmeno...
- Mamãe! - ia recomeçar Aleksándra, mas Agláia chegou a bater com o pé.
- Não me interrompam - falou a generala martelando cada palavra. - Também tenho o direito de saber. Sente-se aqui, príncipe, nesta poltrona. Aqui, em frente de mim. Não, aqui, perto do sol, mais para a claridade, para eu poder ver bem. Afinal, que hegúmeno foi esse?
- O hegúmeno Pafnútii - respondeu Míchkin, com atenção e seriedade.
- Pafnútii? Há!... Isto é interessante. Bem, e depois, que é que houve com ele? - fazia estas perguntas impacientemente, às pressas, de modo cortante, conservando os olhos fixos no príncipe. E, à medida que ele respondia, ela ia meneando a cabeça, a cada palavra.
- O hegúmeno Pafnútii do século XIV - começou Míchkin - era o Superior do Mosteiro do Volga naquela parte que atualmente é a província de Krostoma. Foi famoso por sua santa vida. Visitou os tártaros, na sua Horda de Ouro, ajudou na distribuição da governança pública tendo, assim, de assinar diversos documentos. Vi uma cópia da sua assinatura. Gostei da letra e a imitei. Quando o general manifestou desejos de ver a minha letra, ainda agora, para me arranjar um emprego, escrevi várias sentenças em diferentes caligrafias e entre outras coisas escrevi: “O hegúmeno Pafnútii apôs aqui a sua assinatura” com a própria letra do hegúmeno. O general gostou muito e foi por causa disso que esteve a falar ainda agora.
- Agláia, tome nota de Pafnútii; ou melhor, escreva, senão eu me esqueço. Mas julguei que se tratasse de coisa mais interessante. E onde ficou essa imitação da assinatura dele?
- Creio que ficou no escritório do general, sobre a mesa.
- Mande alguém trazer, já.
- Não preferiria a senhora que eu escrevesse aqui, outra vez?
- Naturalmente, mamãe - comentou Aleksándra - mas o melhor agora é almoçarmos primeiro; estamos com apetite.
- Isso mesmo - concordou a mãe. - Venha, príncipe. Está com disposição?
- Sim, comecei a sentir fome agora e lhe fico muito grato.
- É uma coisa ótima que o senhor seja assim tão delicado. Verifico, com prazer, que o senhor não se aproxima, sequer, da criatura estranha que me foi descrita como sendo o senhor. Venha. Sente-se aqui, diante de mim - insistiu, fazendo Míchkin sentar-se, mal entraram na saleta de almoço. - Quero examiná-lo. Aleksándra, Adelaída, ajudem-me a servir o príncipe. Realmente ele não é nenhum doente, conforme... Creio não ser necessário o guardanapo passado ao pescoço durante a refeição, não é mesmo, príncipe? Costumava usá-lo, príncipe?
- Só até aos sete anos, creio eu; mas agora, durante as refeições, ainda o uso, mas sobre os joelhos.
- Muito bem. E os seus ataques?
- Ataques? - o príncipe ficou um pouco Zonzo. - Agora são mais raros. Mas, não sei, já me disseram que o clima aqui me fara piorar
- Como ele fala direitinho! - e a senhora virou-se para as filhas e anuía ainda, com a cabeça, a cada palavra dele. - Eu não esperava isso. Então tudo não passou de brincadeira e invencionice do meu marido, como de hábito. Anime-se, príncipe, e vá me dizendo onde nasceu, e depois, para onde o levaram. Quero ficar sabendo tudo. O senhor me interessa sobremodo.
O príncipe agradeceu e, enquanto comia com excelente apetite. começou a repetir a história que já tinha contado várias vezes essa manhã. A dona da casa cada vez demonstrava estar mais contente com ele. As meninas já o ouviam com maior atenção; as relações se estreitavam. Veio a verificar-se que Míchkin conhecia muito bem a sua árvore genealógica. Mas, apesar dos esforços gerais, não houve meios de descobrirem que espécie de parentesco próximo poderia haver entre ele e a senhora generala. Entre os avôs e as avós um distante parentesco podia ser descoberto. A senhora ficou particularmente satisfeita com essa averiguação tão evidente, pois muito raramente lhe era dado ensejo de discorrer sobre a sua linhagem. Foi assim, com entusiasmo que se levantou da mesa.
- Venham todos vocês! Vamos para a sala de estar - disse ela. - Tomaremos lá o café. Temos uma sala onde nos reunimos sempre - ia explicando ao príncipe, enquanto o conduzia. - Minha pequena sala de conversa, onde nos reunimos quando estamos sozinhas e onde cada uma se entretém com o seu trabalho. Aleksándra, minha filha mais velha, esta aqui, toca piano, lê, ou costura; Adelaída pinta paisagens e retratos (mas não há meio nunca de acabar coisa alguma) e Agláia fica sentada e não faz nada. Eu, tampouco, não sou muito boa em trabalhos; não consigo ter nada acabado. Bem, chegamos. Sente-se aqui, príncipe, perto do fogo, e me conte qualquer coisa. Quero saber de que jeito o senhor conta uma história. Quero orientar-me bem a seu respeito e quando encontrar a velha Princesa Bielokónskaia hei de falar a respeito do senhor. Quero que todos se interessem pelo senhor. Vamos, conte alguma coisa.
- Mas, mamãe, que modos de pedir que lhe conte uma história... - redarguiu Adelaída que tinha ido sentar-se junto ao cavalete e já segurava os pincéis e a paleta, diante do trabalho; copiava de uma gravura uma paisagem começada havia muito tempo.
Aleksándra e Agláia sentaram-se em um pequeno sofá, cruzando os braços, preparadas para ouvir a conversa. Míchkin percebeu que era o centro de atenção de todas. E então Agláia observou:
- Pois eu nunca haveria de contar nada se me pedissem deste modo.
- Por que não? Que há de mais nisso? Por que não há de me contar qualquer coisa? Ele tem língua. Quero ver como descreve os fatos. Vamos, seja o que for. Diga-nos se apreciou a Suíça, e quais as suas primeiras impressões lá. Vocês vão ver, ele já vai começar e muito bem.
- Foi uma impressão deveras forte... - começou o príncipe.
- Ora, bravos, estão vendo? - aplaudiu a impetuosa senhora dirigindo-se às filhas. - Não disse que ele ia começar?
- Mas, mamãe, deixe-o falar, ao menos! - retrucou Aleksándra, contendo-a. E ciciou ao ouvido de Agláia: Este príncipe está com mais cara de ser um finório do que um idiota.
- Nem há dúvida; vi isso logo - respondeu Agláia. - E é intolerável fingir assim. Estará ele tentando, com isso, alguma vantagem?
E o príncipe repetiu:
- A minha primeira impressão foi muito forte. Quando me tiraram da Rússia e me conduziram através de uma porção de cidades alemãs, eu não fazia mais do que contemplá-las calado e me lembro de que não fazia perguntas. Eu acabara de ter uma série violenta e lancinante de ataques da minha doença. Sempre que piorava e os acessos vinham com mais frequência, eu caía depois em uma completa estupefação. Perdia a memória e, embora o meu cérebro trabalhasse, parecia que a sequência lógica das minhas ideias se tinha quebrado. Era incapaz de ligar mais do que dois ou três pensamentos. Pelo menos, é a impressão que me dava. Depois os acessos abrandaram e escassearam e me tornei outra vez forte e sadio, como estou agora. Lembro-me que vivia insuportavelmente triste, querendo sempre chorar, permanentemente assustado e com pavor. O mais chocante era tudo me parecer estranho. Tudo me parecia alheio e isso me oprimia... Mas esse estado soturno se levantou, lembro-me bem, uma tarde, ao chegar a Basiléia, na Suíça. O que me despertou foi o zurro de um jumento, na praça do mercado. O jumento mexeu comigo e, não sei por que estranho motivo, simpatizei com ele; e repentinamente tudo se tornou claro na minha cabeça.