sábado, 11 de novembro de 2023

Memórias - 31: niños y niñas

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

31 – niños y niñas

comigo não funcionava essa história das meninas com suas bonecas de milho e banana, fazendo comidinha, esmagando baratas, arrancando os ratões de suas tocas, eu queria estar entre os meninos com minha espada, desafiando o guardamento imposto as meninas e meninos, um lugar onde meninas não podem ser guerreiras e meninos não podem brincar de bonecas

com minha espada era Blanca, La Leporina

mi hermana Blanca, La Leporina, não era um afrouxamento desta clausura, ela era uma alvorotada, aprumada na própria vontade de ser o que quisesse

ela recusava a se encaixar nesse molde apertado que la Montaña tentava nos impor, enquanto las chicas brincavam de bonecas e comidinha, los chicos de espada e esconderijos, Blanca desafiava o sagrado consagrado, reivindicando o espaço no terreno dos sonhos desprovido de cadeados entre niños y niñas

a espada em minhas mãos não era apenas um membro, era uma comparação e inconformismo, uma desenho do nosso desejo amaldiçoado montaña arriba de quebrar essas correntes que tentam nos aprisionar em amostras grátis

quando saíamos para os tiroteios riscava com carvão um corte no lábio superior até las ventanas e esperava los niños decidirem quem seria Qualquer Um, não me importava o escolhido, bastava-me empunhar a espada

carregava meus companheiros por caminhos desconhecidos para eles, estradas misteriosas imaginadas por mim, alguns desistiam e se entregavam assustados, esses não mereciam a confiança da La Leporina

até que Juanito teve sua oportunidade como Qualquer Um, o guri já chegou com a sua espada na mão, pronto para as escaramuças, olhou todos, um a um, até me encontrar, e disse, Me siga!

respondi que era La Leporina, una mujer que hace su próprio camino, ele deveria me seguir, não pareceu escutar, ordenou que os demais ficassem deitados de barriga no chão, Los ojos cerrados, las orejas tapadas com las manos, e contassem até cem ou até onde conseguissem

depois, com um olhar selvagem e desconfiado, voltou a ordenar que o seguisse, quase lhe respondi que fosse se esconder no fim do mundo, mas já estávamos no fim do mundo

ficamos nos mirando

Um... dois... três... quatro... cinco...

corri na frente, a cada avanço aquela contagem se perdia no alvoroço e ruídos dos milhos, no início do carreiro lhe era conhecido, não demorou muito para parecer perdido

não lembrava onde – naquela confusão de idas e vindas – deixou de cuidar o caminho e desatentou, passou a seguir minhas ordens, sabia que voltar seria penoso e exigia muito jeito para entender os mistérios de la Montaña

depois de horas fugindo, já quase desaparecidos, Juanito fez sinal para caminhar, estava cansado de tanta correria, foi quando ouvimos gritos abafados, gemidos desesperados

primeiro, meu corpo se retesou, Juanito se jogou no chão, quis fugir ficando parado, um galho caído no chão, não conhecia o caminho de volta, depois de uma nanica hesitação ordenei nosso avanço precavido

seguíamos os gritos abafados, berros que nunca foram escutados além da mestiçagem, então nunca existiram

aqueles que não existem não têm voz, si caminas te alcanza y si corres se te pega

a trilha dos milhos estava para trás, continuamos mata adentro e acima, um território desconhecido para nosotros, a curiosidade empunhava nossos pés, a clareza dos gritos indicava o único caminho a seguir

Juanito empunhava su espada de madera, yo llevaba la cicatriz de La Leporina

o cheiro de la muerte invadia nossos pequeños cuerpos y almas

súbito, Juanito tapou minha boca com sua mão, o inesperado do seu ataque me assustou, ele fez sinal para que eu ficasse calada, quando meus olhos aprenderam para onde olhar me cobri em silêncio

o meu paraíso estava para ser destruído

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Memórias - 31: niños y niñas

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