Cem Anos de SOLIDÃO
Gabriel Garcia Márquez
(16.1)
para jomí garcía ascot
e maría luisa elío
POR MUITO TEMPO Aureliano não abandonou o
quarto de Melquíades. Aprendeu de cor as lendas fantásticas do livro sem
capa, a síntese dos estudos de Hermann, o tímido, os apontamentos de
ciência demonológica, as chaves da pedra filosofal, as predições de
Nostradamus e as suas pesquisas sobre a peste, de modo que chegou à
adolescência sem saber nada da sua época, mas com os conhecimentos
básicos do homem medieval. A qualquer hora que entrasse no quarto, Santa
Sofía de la Piedad o encontrava absorto na leitura. De manhã cedo, levava-lhe uma caneca de café sem açúcar e, ao meio-dia, prato de arroz com fatias
de banana frita, que era a única coisa que se comia em casa depois da morte
de Aureliano Segundo. Preocupava-se em cortar-lhe o cabelo, catar-lhe os
piolho, adaptar para ele a roupa velha que encontrava nos baús esquecidos
e, quando começou a despontar-lhe o bigode, trouxe-lhe a navalha de
barbear e a vasilhinha de sabão do Coronel Aureliano Buendía. Nenhum dos
filhos deste foi tão como ele, nem mesmo Aureliano José, sobretudo pelas
maçãs do rosto pronunciadas e pela linha bem marcada e um pouco dura
dos lábios. Como acontecera com Úrsula em relação à Aureliano Segundo,
quando este estudava no quarto, Santa Sofía de la Piedad pensava que
Aureliano falava sozinho. Na realidade, conversava com Melquíades. Num
meio-dia ardente, pouco depois da morte dos gêmeos, viu contra a reflexão
da janela o ancião lúgubre com o chapéu de asas de corvo, como a
materialização de uma lembrança que estava em sua memória desde muito
antes de nascer. Aureliano tinha acabado de classificar o alfabeto dos
pergaminhos. De modo quando Melquíades lhe perguntou se descobrira em
que língua estavam escritos, ele não vacilou em responder:
— Em sânscrito — disse.
Melquíades revelou que as suas oportunidades de voltar ao quarto
estavam contadas. Mas ia tranquilo aos prados da morte definitiva, porque
Aureliano tinha tempo para aprender o sânscrito nos anos que faltavam para
que os pergaminhos completassem um século e pudessem ser decifrados. Ele
quem lhe indicou que no beco que ia dar no rio, e onde nos tempos da
companhia bananeira se adivinhava o futuro e se interpretavam os sonhos,
havia um sábio catalão que tinha uma loja de livros onde havia uma
gramática em sânscrito que seria devorado pelas traças seis anos depois se ele
não se apresasse em comprá-la. Pela primeira vez na sua longa vida, Sofía de
la Piedad deixou transparecer um sentimento, e era um sentimento de
espanto, quando Aureliano pediu-lhe que trouxesse o livro que haveria de
encontrar entre a Jerusalém Libertada e os poemas de Milton, à extrema
direita, na segunda prateleira da estante. Como não sabia ler, decorou o
segredo e conseguiu o dinheiro com a venda de um dos dezessete peixinhos
de ouro que restavam na oficina e que só ela e Aureliano sabiam onde
estavam desde a noite em que os soldados revistaram a casa.
Aureliano avançava nos estudos de sânscrito, enquanto Melquíades
ia-se fazendo cada vez menos assíduo e mais longínquo, esfumaçando-se na
claridade radiante do meio-dia. Da última vez que Aureliano o sentiu era
apenas uma presença invisível que murmurava: “Morri de febre nas dunas
de Cingapura.” E o quarto se fez então vulnerável à poeira, ao calor, ao
cupim, às formigas ruivas, às traças que haveriam de transformar em pó a
sabedoria dos livros e dos pergaminhos.
Em casa não faltava o que comer. No dia seguinte à morte de
Aureliano Segundo, um dos amigos que tinham levado a coroa com a
inscrição irreverente se ofereceu para pagar a Fernanda um dinheiro que
ficara devendo ao seu marido. A partir de então, todas as quartas-feiras, um
mensageiro trazia um cesto de coisas de comer que davam bem para uma
semana. Nunca ninguém soube que aquelas vitualhas quem mandava era
Petra Cotes, com a ideia de que a caridade contínua era uma forma de
humilhar a quem a humilhara. Entretanto, a raiva passou muito antes do
que ela própria esperava e então continuou mandando a comida por
orgulho e, finalmente, por compaixão. Várias vezes, quando lhe faltou o
ânimo para vender bilhetes e o povo perdeu o interesse pelas rifas, ela
própria ficou sem comer para que Fernanda comesse e não deixou de
cumprir o trato enquanto não viu passar o seu enterro.
Para Santa Sofía de la Piedad a redução dos habitantes da casa devia
ter sido o descanso a que tinha direito depois de mais de meio século de
trabalho. Nunca se ouvira um só lamento daquela mulher sigilosa,
impenetrável, que semeara na família os germes angélicos de Remedios, a
bela, e a misteriosa solenidade de José Arcadio Segundo; que consagrara
uma vida inteira de solidão e silêncio à educação de umas crianças que mal
se lembravam que eram seus filhos e seus netos, e que se ocupara de
Aureliano como se tivesse saído das suas entranhas, sem saber ela mesma que
era sua bisavó. Só numa casa como aquela era concebível que sempre tivesse
dormido numa esteira que estendia no chão da despensa, entre o barulho
noturno das ratazanas e sem nunca ter contado a ninguém que certa noite
despertara com a pavorosa sensação de que alguém a estava olhando no
escuro e era uma cobra que deslizava pelo seu ventre. Ela sabia que, se
tivesse contado a Úrsula, esta a faria dormir na sua própria cama, mas isso foi
na época em que ninguém prestava atenção a nada, enquanto não se
gritasse pelo corredor afora, porque os trabalhos da padaria, os sobressaltos
da guerra, o cuidado das crianças não deixavam tempo para se pensar na
felicidade alheia. Petra Cotes, a quem nunca vira, era a única que se
lembrava dela. Tomava conta para que tivesse um bom par de sapatos para
sair, para que nunca lhe faltasse um vestido, mesmo nos tempos em que
faziam milagres com o dinheiro das rifas. Quando Fernanda chegou em
casa, teve motivos para acreditar que era uma criada eternizada e, embora
várias vezes tivesse ouvido dizer que era a mãe do seu marido, aquilo lhe
parecia tão incrível que demorava mais em aprender que em esquecer. Santa
Sofía de la Piedad nunca pareceu se incomodar com aquela posição
subalterna. Pelo contrário, tinha-se a impressão de que ela gostava de andar
pelos cantos, sem uma trégua, sem um gemido, mantendo limpa e em
ordem a imensa casa onde vivera desde a adolescência e que
particularmente nos tempos da companhia bananeira mais parecia um
quartel do que um lar. Mas quando Úrsula morreu, a diligência inumana de
Santa Sofía de la Piedad, sua tremenda capacidade de trabalho começara a
se aquebrantar. Não era só porque estivesse velha e esgotada, a casa também
se precipitou da noite para o dia numa crise de senilidade. Um musgo tenro
trepou nas paredes. Quando já não havia mais um lugar vazio no quintal, as
ervas daninhas quebraram o cimento da varanda por baixo, estilhaçaram-no
como um cristal, e apareceram pelas frestas as mesmas florezinhas amarelas
que quase um século antes Úrsula tinha encontrado no copo onde estava a
dentadura postiça de Melquíades. Sem tempo nem recursos para impedir os
excessos da natureza, Santa Sofía de la Piedad passava o dia nos quartos,
espantando os lagartos que tornavam a entrar de noite. Certa manhã, viu
que as formigas ruivas tinham abandonado o cimento escavado, atravessado
o jardim, subido pela amurada onde as begônias tinham adquirido cor de
terra e entravam até o fundo da casa. Primeiro tentou matá-las com uma
vassoura, a seguir com inseticida e, por fim, com cal, mas no dia seguinte
estavam outra vez no mesmo lugar, caminhando sempre, tenazes e
invencíveis. Fernanda, escrevendo cartas aos filhos, não percebia a
arremetida incontrolável da destruição. Santa Sofía de la Piedad continuou
lutando sozinha, brigando com as ervas daninhas para que não entrassem na
cozinha, arrancando das paredes as borlas de teia de aranha que se
renovavam em poucas horas, raspando o cupim. Mas quando viu que até o
quarto de Melquíades estava cheio de teias de aranha e empoeirado, ainda
que o varresse e espanasse três vezes por dia, e que apesar da fúria de sua
limpeza ele estava ameaçado pela ruína e pelo ar de miséria que só o Coronel
Aureliano Buendía e o jovem militar tinham previsto, compreendeu que
estava vencida. Então, vestiu o usado traje de domingo, um par de sapatos
velhos de Úrsula e as meias de algodão que Amaranta Úrsula lhe dera de
presente e fez uma trouxinha com as duas ou três mudas que lhe restavam.
— Me entrego — disse a Aureliano. — É casa demais para os meus
pobres ossos.
Aureliano perguntou para onde ia e ela fez um gesto vago, como se
não tivesse a menor idéia do seu destino. Tratou de precisar, entretanto, que
ia passar os seus últimos anos com uma prima-irmã que vivia em Riohacha.
Não era uma explicação verossímil. Desde a morte de seus pais não tinha
tido contato com ninguém no povoado, nem recebera cartas nem recados,
nem se ouviu que falasse de parente algum. Aureliano lhe deu quatorze
peixinhos de ouro, porque ela estava disposta a partir com a única coisa que
tinha: um peso e vinte e cinco centavos. Da janela do quarto ele a viu
atravessar o jardim com a sua trouxinha de roupa, arrastando os pés e
curvada pelos anos, e a viu meter a mão por um buraco do portão, para
fechá-lo depois de ter saído. Nunca mais se voltou a saber dela.
Quando soube da fuga, Fernanda praguejou um dia inteiro,
enquanto revistava baús, cômodas e armários, coisa por coisa, para se
convencer de que Santa Sofía de la Piedad não tinha carregado nada.
Queimou os dedos tentando acender o fogão pela primeira vez na vida e
teve que pedir a Aureliano o favor de lhe ensinar a fazer café. Com o tempo,
foi ele quem fazia os trabalhos de cozinha. Ao se levantar, Fernanda já
encontrava o café da manhã servido e só tornava a abandonar o quarto para
apanhar a comida que Aureliano deixava tampada no calor das brasas e que
ela levava para a sala a fim de comê-la sobre toalhas de linho e entre
candelabros, sentada numa cabeceira solitária, ao extremo de cadeiras
vazias. Mesmo nessas circunstâncias, Aureliano e Fernanda não partilharam
a solidão, mas continuaram vivendo cada um na sua, fazendo a limpeza de
seus respectivos quartos, enquanto as teias de aranha iam nevando nas
roseiras, acarpetando as vigas, acolchoando as paredes. Foi por essa época
que Fernanda teve a impressão de que a casa se estava enchendo de
duendes. Era como se os objetos, sobretudo os de uso diário, tivessem
desenvolvido a faculdade de mudar de lugar pelos seus próprios meios.
Fernanda passava tempo procurando a tesoura que estava certa de ter
colocado em cima da cama e, depois de revirar tudo, encontrava-a numa
prateleira da cozinha onde pensava não ter aparecido durante quatro dias.
De repente não havia um só garfo na gaveta dos talheres e encontrava seis
no altar e três no tanque de lavar roupa. Aquela caminhada das coisas era
mais desesperadora quando sentava para escrever. O tinteiro que punha à
direita aparecia à esquerda, o mata-borrão se perdia e era encontrado dois
dias depois debaixo do travesseiro e as páginas escritas a José Arcadio se
confundiam com as de Amaranta Úrsula, e andava com a má impressão de
ter colocado as cartas nos envelopes trocados, como realmente aconteceu
várias vezes. Em uma ocasião perdeu a caneta. Quinze dias depois ela foi
devolvida pelo carteiro, que a encontrara na bolsa e andava procurando o
dono de casa em casa. No princípio, ela pensou que era culpa dos médicos
invisíveis, como a desaparição dos pessários e até começou a escrever uma
carta para suplicar a eles que a deixassem em paz, mas teve que interrompê-la para alguma coisa e quando voltou ao quarto, não só não encontrou a
carta começada, como também se esqueceu do propósito de escrevê-la.
Durante um certo tempo, pensou que fosse Aureliano. Deu para vigiá-lo, pôr
objetos à sua passagem na tentativa de surpreendê-lo no momento em que
os mudasse de lugar, mas muito em breve se convenceu de que Aureliano
não abandonava o quarto de Melquíades a não ser para ir à cozinha ou ao
banheiro e que não era homem de brincadeira. De modo que terminou por
acreditar que eram travessuras de duendes e optou por segurar cada coisa
no seu lugar de uso. Amarrou a tesoura com um longo barbante na cabeceira
da cama. Amarrou a caneta e o mata-borrão na perna da mesa e colou com
goma-arábica o tinteiro no tampo, à direita do lugar onde costumava
escrever. Mas os problemas não se resolveram assim de um dia para o outro,
pois em poucas horas de costura já o barbante da tesoura não era longo o
bastante para cortar, como se os duendes o fossem diminuindo. Acontecia a
mesma coisa com o barbante da caneta e até mesmo com o seu próprio
braço, que em pouco tempo de estar escrevendo não alcançava mais o
tinteiro. Nem Amaranta Úrsula em Bruxelas, nem José Arcadio em Roma,
nunca nenhum deles soube desses insignificantes infortúnios. Fernanda
contava que era feliz, e na realidade era, justamente porque se sentia liberta
de qualquer compromisso, como se a vida a tivesse arrastado outra vez para o
mundo de seus pais, onde não se sofria com os problemas diários porque eles
estavam resolvidos antecipadamente na imaginação. Aquela
correspondência interminável fê-la perder a noção do tempo, sobretudo
depois que Santa Sofía de la Piedad foi embora. Acostumara-se a fazer a
conta dos dias, meses e anos tomando como pontos de referência as datas
previstas para a volta dos filhos. Mas quando estes modificaram os prazos
uma e outra vez as datas se confundiram, os marcos foram trocados, e os
dias começaram a se parecer tanto uns com os outros que não se sentiam
passar. Em vez de se impacientar, Fernanda experimentava uma profunda
complacência em relação à demora. Não se inquietava com o fato de que,
muitos anos depois de se anunciar às vésperas dos votos perpétuos, José
Arcadio continuasse dizendo que esperava terminar os estudos de alta
teologia para empreender os de diplomacia, isto porque ela compreendia
que o quão íngreme e calçada de obstáculos era a escada em caracol que
conduzia ao trono de São Pedro. Por outro lado, seu espírito se exaltava com
notícias que para outros teriam sido insignificantes, como aquela de que o
seu filho tinha visto o Papa. Experimetou uma alegria similar quando
Amaranta Úrsula mandou dizer que os seus estudos se iam prolongar para
além do tempo visto, porque as suas excelentes notas a tinham feito
merecedora de privilégios que o pai não levara em consideração ao fazer as
contas.
Tinham-se passado já mais de três anos desde que Sofía de la Piedad
lhe trouxera a gramática, quando Aureliano conseguiu traduzir a primeira
folha. Não foi um trabalho inútil, mas constituía apenas um primeiro passo
de um caminho cujo comprimento era impossível prever, porque o texto em
castelhano não significava nada: eram versos cifrados. Aureliano carecia de
elementos para estabelecer as chaves que permitissem decifrá-los, mas como
Melquíades dissera que na loja do sábio catalão estavam os livros de que ele
precisava para chegar ao fundo dos pergaminhos, decidiu falar com
Fernanda para que lhe permitisse ir buscá-los. No quarto devorado pelas
ruínas, cuja proliferação incontrolável terminou por derrotá-lo, pensava na
forma mais adequada de formar o pedido, antecipava-se às circunstâncias,
calculava a ocasião mais adequada, mas quando encontrava Fernanda
retirando a comida do borralho, que era a única oportunidade de falar com
ela, o pedido laboriosamente premeditado era esquecido e a voz, sumida.
Aquela foi a única vez em que a vigiava. Ouvia os seus passos no quarto.
Ouvia-a ir até a porta receber as cartas dos filhos e entregar as suas ao
carteiro, escutava até alta hora da noite o traço duro e apaixonado da caneta
no papel, antes de ouvir o ruído do interruptor e o murmúrio das orações no
escuro. Só então adormecia, confiante que no dia seguinte que lhe daria a
oportunidade desejada. Contava tanto com a ideia de que a permissão não
lhe seria negada que certa manhã cortou o cabelo que já batia nos ombros,
raspou barba emaranhada, vestiu umas calças estreitas e uma camisa de
colarinho postiço que não sabia de quem tinha herdado e esperou na
cozinha que Fernanda viesse tomar café. Não veio a mulher de todos os dias,
a de cabeça levantada e andar firme, mas uma anciã de uma beleza
sobrenatural, com uma amarelada capa de arminho, uma coroa de cartolina
dourada e a conduta lânguida de quem chorou em segredo. Na realidade,
desde que o encontrara nos baús de Aureliano Segundo, Fernanda pusera
muitas vezes o carcomido vestido de rainha. Qualquer pessoa que a tivesse
visto defronte do espelho, extasiada com os seus próprios gestos
monárquicos, poderia pensar que estava louca. Mas não estava.
Simplesmente, transformara os trajes reais numa máquina de lembranças.
Na primeira vez em que os vestiu não pôde evitar que se formasse um nó no
coração e que os olhos se enchessem de lágrimas, porque naquele instante
voltou a sentir o cheiro de betume das botas do militar que fora buscá-la em
casa para fazê-la rainha e sua alma se cristalizou com a saudade dos sonhos
perdidos. Sentiu-se tão velha, tão acabada, tão distante das melhores horas
da sua vida que desejou inclusive as que recordava como as piores, e só então
descobriu quanta falta faziam as brisas de orégão na varanda e o vapor das
roseiras ao entardecer e até a natureza animalesca dos que chegavam. Seu
coração de cinza socada, que resistira sem quebrantos aos mais duros golpes
da realidade cotidiana, desmoronou-se aos primeiros embates da saudade. A
necessidade de se sentir triste ia se transformando num vício à medida que
os anos a devastavam. Humanizou-se na solidão. Entretanto, na manhã em
que entrou na cozinha e se deparou com uma xícara de café que lhe
oferecia um adolescente ossudo e pálido, com um brilho alucinado nos olhos,
foi cortada pela lâmina do ridículo. Não só lhe negou a permissão como
também, a partir de então, passou a carregar as chaves da casa no bolso onde
guardava os pessários fora de uso. Era uma precaução inútil porque, se
quisesse, Aureliano poderia fugir e até voltar para casa sem ser visto. Mas o
prolongado cativeiro, a incerteza do mundo, o hábito de obedecer tinham
ressecado no seu coração as sementes da revolta. De modo que voltou à
clausura, passando e repassando os pergaminhos, e ouvindo até a noite já
bem avançada os soluços de Fernanda no quarto. Certa manhã foi acender o
fogão como de costume e encontrou nas cinzas apagadas a comida que
deixara para ela no dia anterior. Então se aproximou do quarto e a viu
estendida na cama, coberta com a capa de arminho, mais linda do que
nunca e com a pele transformada numa casca de marfim. Quatro meses
depois, quando José Arcadio chegou, encontrou-a intacta.
continua página 223...
___________________
Cem Anos de Solidão (16.1) - Por muito tempo
___________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário