terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Sarau... Mulheres: Essa velha é um país (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


027.


ESSA VELHA É UM PAÍS

1

     A última vez que a Avó viajou para Buenos Aires chegou sem nenhum dente, como um recém-nascido. Eu fiz que não percebi. Graciela tinha me advertido, por telefone, de Montevidéu: “Está muito preocupada. Me perguntou: Eduardo não vai me achar feia?”.
     A Avó parecia um passarinho. Os anos iam passando e faziam com que ela encolhesse. 
     Saímos do porto abraçados. 
     Propus um táxi.

– Não, não – disse a ela. – Não é porque ache que você vá ficar cansada. Eu sei que você aguenta. É que o hotel fica muito longe, entende? 

     Mas ela queria caminhar.

– Escuta, vó – falei. – Por aqui não vale a pena. A paisagem é feia. Esta é uma parte feia de Buenos Aires. Depois, quando você tiver descansado, vamos juntos caminhar pelos parques.

     Parou, me olhou de cima a baixo. Me insultou. E me perguntou, furiosa: 

– E você acha que eu olho a paisagem, quando caminho com você?

     Se pendurou em mim. 

– Eu me sinto crescida – disse – debaixo da tua asa.

     Perguntou-me: “Você lembra quando me levava no colo, no hospital, depois da operação?”
     Falou-me do Uruguai, do silêncio e do medo:

– Está tudo tão sujo. Está tão sujo tudo.

     Falou-me da morte: 

– Vou me reencarnar num carrapicho. Ou em um neto ou bisneto seu vou aparecer.
– Mas, ô velha – falei. – Se a senhora vai viver duzentos anos. Não me fale da morte, que a senhora ainda vai durar muito. 
– Não seja perverso – respondeu.

     Disse que estava cansada de seu corpo.

– Volta e meia eu falo para ele, para meu corpo: “Não te suporto”. E ele responde: “Eu tampouco”.
– Olha – disse ela, e esticou a pele do braço.

     Falou da viagem:

– Lembra quando a febre estava te matando, na Venezuela, e eu passei a noite chorando, em Montevidéu, sem saber por quê? Na semana passada, disse para Emma: “Eduardo não está tranquilo”. E vim. E agora também acho que você não está tranquilo. 


2
 
     Vovó ficou uns dias e voltou para Montevidéu.
     Depois escrevi uma carta para ela. Escrevi que não cuidasse, que não se chateasse, que não se cansasse. Disse que eu sei direitinho de onde veio o barro com que me fizeram.
     E depois me avisaram que tinha sofrido um acidente.
     Telefonei para ela.

– Foi minha culpa – falou. – Escapei e fui caminhando até a Universidade, pelo mesmo caminho que fazia antes para ver você. Lembra? Eu já sei que não posso fazer isso. Cada vez que faço, caio. Cheguei ao pé da escada e disse, em voz alta: “Aroma do Tempo”, que era o nome do perfume que você uma vez me deu de presente. E caí. Me levantaram e me trouxeram aqui. Acharam que eu tinha quebrado algum osso. Mas hoje, nem bem me deixaram sozinha, me levantei da cama e fugi. Saí na rua e disse: “Eu estou bem viva e louca, como ele quer”. 

________________

Galeano, Eduardo, 3 set 1940 - 13 abr 2015
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.
_________________

Leia também: 

Sarau... Mulheres: Para inventar o mundo cada dia
Sarau... Mulheres: Amares
Sarau... Mulheres: Essa velha é um país

pag 036...



Mármol que respira


     Afrodita fue la primera mujer desnuda en la historia de la escultura griega. 
     Praxíteles la talló con la túnica caída a sus pies, y la ciudad de Cos le exigió que la vistiera. Pero otra ciudad, Cnido, le dio la bienvenida y le ofreció un templo; y en Cnido vivió la más mujer de las diosas, la más diosa de las mujeres.
     Aunque estaba encerrada y muy custodiada, los guardias no podían evitar la invasión de los locos por ella.
     Un día como hoy, harta de tanto acoso, Afrodita huyó. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário