quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Marcel Proust - O Caminho de Guermantes (1a.Parte - N)uma daquelas noites)

 em busca do tempo perdido


volume III
O Caminho de Guermantes


Primeira Parte


continuando...


     Numa daquelas noites, ocorreu-me desejar contar uma história bastante engraçada acerca da Sra. Blandais, mas parei imediatamente, pois me lembrei que Saint-Loup já a conhecia e, quando fora contá-la no dia seguinte à minha chegada, ele me interrompeu dizendo:

- Você já me contou esta em Balbec.

     Portanto, fiquei surpreso de vê-lo insistir para que continuasse, assegurando que não conhecia aquela história e que ela o divertiria muito. Disse-lhe:

- Você deve estar esquecido, mas logo vai reconhecê-la.
- De modo nenhum, juro que estás confundindo. Nunca me contaste isso. Vai.

     E, durante toda a história, cravava febrilmente os olhos maravilhados ora em mim, ora nos companheiros. Só entendi quando, ao terminar no meio das risadas de todos, percebi que ele imaginara que a história daria aos companheiros uma alta ideia do meu espírito e que fora para isso que fingira não a conhecer. Assim é a amizade.
     Na terceira noite, um de seus amigos, ao qual não tivera ainda ocasião de falar nas duas primeiras vezes, conversou comigo longamente; e ouvia-o dizer a Saint-Loup, a meia voz, do prazer que lhe dera a nossa conversa. E, de fato, passamos juntos quase toda a noite conversando diante de nossos copos de vinho Sauterness que não chegamos a esvaziar, separados, protegidos dos outros pelos véus magníficos de uma dessas simpatias entre homens que, quando não têm por fundamento a atração física, são as únicas inteiramente misteriosas. Assim dessa natureza enigmática me parecera em Balbec o sentimento que Saint-Loup me tributava, que não se confundia com o interesse de nossas conversações, desligado de todo laço material, invisível, intangível e cuja presença, no entanto, experimentava em si mesmo como uma espécie de flogisto, de gás, o bastante para falar sorrindo sobre aquilo. E talvez houvesse algo de mais surpreendente ainda naquela simpatia nascida ali em uma única noite, como uma flor que desabrochasse em poucos minutos ao calor daquela saleta. Como Robert me falasse de Balbec, não pude deixar de lhe perguntar se estava de fato decidido que se casasse com a Srta. de Ambresac. Declarou-me que não só não estava nada decidido como jamais se falara em tal assunto, que ele nunca a vira, e não sabia de quem se tratava. Se eu tivesse visto, naquele momento, algumas das pessoas da sociedade que tinham anunciado esse casamento, me comunicariam o da Srta. de Ambresac com alguém que não fosse Saint-Loup e o deste com alguém que não fosse ela. E os teria deixado muito espantados ao recordar-lhes as suas predições opostas e ainda tão recentes. Para que esse joguinho pudesse continuar e multiplicar as falsas notícias, acumulando sucessivamente sobre cada nome o maior número possível delas, a natureza dotou esse tipo de jogadores de uma memória tanto mais curta quanto maior a sua credulidade. Saint-Loup me falara de outro de seus companheiros, que também se achava presente, com o qual se entendia especialmente bem, pois eram, naquele meio, os dois únicos partidários da revisão do processo Dreyfus.

- Oh, esse não é como Saint-Loup, é um energúmeno. - disse o meu novo amigo -; nem sequer é confiável.

     No começo, dizia: "É só esperar, há um homem que conheço bem, muito fino, cheio de bondade, o general de Boisdeffre; pode-se, sem hesitação, aceitar o seu parecer," Mas, quando ele soube que Boisdeffre proclamava a culpabilidade de Dreyfus, Boisdeffre já não valia mais nada; o clericalismo e os preconceitos do Estado-Maior o impediam de julgar com isenção, embora ninguém seja, ou pelo menos fosse tão clerical do que o nosso amigo, antes do seu Dreyfus. Disse-nos, então, que em todo caso iríamos saber a verdade, pois o caso ia ficar nas mãos de Saussier, e que este, soldado republicano (nosso amigo era de uma família ultramonarquista), era um homem de bronze, uma consciência inflexível. Mas, quando Saussier proclamou a inocência de Esterhazy, ele encontrou novas explicações para esse veredito, desfavoráveis não a Dreyfus, mas ao general Saussier. Era o espírito militarista que cegava Saussier (e notem que ele é tão militarista quanto clerical, ou pelo menos o era, pois já não sei o que pensar a seu respeito). Sua família ficou desolada por vê-lo abraçar tais ideias.

- Vejam disse eu, meio me voltando para Saint-Loup, para não dar a impressão de me isolar, bem como para seu companheiro, e a fim de fazê-lo participar da conversa -, é que a influência que se atribui ao meio é sobretudo verdadeira quanto ao meio intelectual. Cada um é homem de uma ideia própria; há muito menos ideias do que homens, portanto todos os homens de uma mesma ideia são parecidos. Como uma ideia nada tem de material, os homens que só materialmente estão ao redor do homem de uma ideia não a modificam em nada.

     Nesse momento fui interrompido por Saint-Loup, porque um dos jovens militares acabara, sorrindo, de me apontar a ele, dizendo: "Duroc, é tal e qual Duroc." Eu não sabia o que aquilo queria dizer, mas sentia que a expressão do rosto intimidado era mais que benevolente. Saint-Loup não se contentou com   aproximação. Num delírio de alegria que sem dúvida duplicava a que sentia em me fazer brilhar diante dos amigos, repetia-me com extrema volubilidade, dando-me pancadinhas como a um cavalo que tivesse chegado em primeiro lugar:

- És o homem mais inteligente que conheço, e sabes disto.- Reconsiderou, acrescentando: - Juntamente com Elstir Isto não te incomoda, não é mesmo? Escrúpulos, compreendes. Comparação: digo-te como teriam dito a Balzac: sois o maior romancista do século, junto com Stendhal. Excesso de escrúpulos, compreendes; no fundo, admiração imensa. Não? Não combinas com Stendhal? -acrescentava, com uma ingênua confiança no meu julgamento que se traduzia por uma risonha interrogação encantadora, quase infantil, de seus olhos verdes. - Muito bem, vejo que és da minha opinião. Bloch detesta Stendhal, acho que é uma besteira da parte dele. A Cartuxa é mesmo uma coisa enorme, não? Estou contente por seres da minha opinião. Que é que preferes na Cartuxa? Responde. - dizia-me ele com uma impetuosidade juvenil. E sua força física, ameaçadora, chegava quase a dar algo de assustador à pergunta.

- Mosca? Fabrice?

     Respondi com timidez que Mosca tinha alguma coisa do Sr. de Norpois. Diante disso, tempestade de riso do jovem Siegfried-Saint-Loup. E eu não tinha acabado de acrescentar:

- Mas Mosca é bem mais inteligente, menos pedante. -e já ouvia Robert gritar "bravo!" batendo palmas de verdade, rindo de sufocar e exclamando: - É de uma justeza! Excelente! És extraordinário!

     Quando eu estava falando, a aprovação dos outros ainda parecia demais a Saint-Loup, que exigia silêncio. E, como um maestro interrompe os músicos batendo com a batuta porque alguém fez barulho, ele repreendeu o perturbador:

- Gibergue. - disse -, deve ficar calado quando estão falando. Vamos, continue disse para mim.

     Respirei, pois receava que me fizesse principiar tudo de novo. E como uma ideia continuei - é algo que não pode participar dos interesses humanos e nem poderia gozar de suas vantagens, os homens de uma ideia não são influenciados pelo interesse.

- E então, estão de boca aberta, meus meninos? - exclamou, quando terminei de falar, Saint-Loup, que me seguira com o olhar com a mesma solicitude ansiosa como se eu tivesse caminhado na corda bamba. - Que é que você queria dizer, Gibergue? 
- Eu dizia que o senhor aqui me recordava muito o comandante Duroc. Parece-me até que o estava ouvindo. 
- Pensei nisso já diversas vezes. - respondeu Saint-Loup. - Há muitos pontos de contato, mas você verá que este possui muitas coisas que Duroc não tem.

     Assim como um irmão desse amigo de Saint-Loup, educado na Schola cantorum, pensava a respeito de toda nova obra musical não como seu pai, sua mãe, seus primos e companheiros de clube, mas precisamente como todos os outros alunos da Schola, aquele suboficial nobre (de quem Bloch formou uma ideia extraordinária quando lhe falei dele, pois, comovido ao saber que era do seu mesmo partido, imaginava-o todavia, por causa de suas origens aristocráticas e de sua educação religiosa e militar, uma criatura bem diferente, com o mesmo encanto de um nativo de um país longínquo) tinha uma "mentalidade" como então se principiava a dizer, análoga à de todos os dreyfusistas em geral e de Bloch em particular, e sobre a qual não podiam ter nenhum tipo de influência as tradições de sua família e os interesses de sua carreira. Assim é que um primo de Saint-Loup havia casado com uma jovem princesa do Oriente que, diziam, fazia versos tão belos como os de Victor Hugo ou Alfred de Vigny e a quem, não obstante, atribuíam um espírito diverso daquele que se podia imaginar, um espírito de princesa do Oriente presa num palácio das Mil e Uma Noites. Aos escritores que tiveram o privilégio de serem admitidos em sua intimidade, foi reservada a decepção, ou antes, a alegria, de ouvir uma conversa que dava ideia não de Xerazade, mas de uma criatura de gênio do gênero de Alfred de Vigny ou de Victor Hugo.
     Agradava-me conversar sobretudo com este rapaz, como aliás com os outros amigos de Robert, e com o próprio Robert, sobre o quartel, os oficiais da guarnição, sobre o exército em geral. Graças a essa escala imensamente ampliada pela qual vemos as coisas, por pequeninas que sejam, entre as quais comemos, conversamos e levamos nossa vida real, graças a essa extraordinária majoração que elas sofrem e que faz com que o resto, ausente do mundo, não possa lutar com elas e assuma, a seu lado, a inconsistência de um sonho, eu começara a me interessar pelas diversas personalidades do quartel, pelos oficiais que avistava no pátio quando ia ver Saint-Loup ou, se estava acordado, quando o regimento passava debaixo de minhas janelas. Desejaria obter detalhes acerca do comandante que Saint-Loup tanto admirava e sobre o curso de história militar que me teria encantado "mesmo esteticamente". Sabia que, em Robert, certo verbalismo era com muita frequência um tanto vazio, mas de outras vezes significava a assimilação de ideias profundas que ele era bem capaz de compreender. Infelizmente, do ponto de vista do exército, Robert estava preocupado, naquele momento, sobretudo com o Caso Dreyfus. Falava pouco dele, pois era o único de sua mesa a se declarar dreyfusista; os outros eram violentamente hostis à revisão, excetuando o meu vizinho de mesa, esse meu novo amigo cujas opiniões pareciam por demais vacilantes. Admirador convicto do coronel, que era tido por um oficial notável e que, em diversas ordens do dia, condenara a agitação contra o exército, o que o fazia passar por antidreyfusista, soubera meu vizinho que seu chefe deixara escapar algumas afirmações que fizeram crer que sentia algumas dúvidas quanto à culpabilidade de Dreyfus e conservava sua estima a Picquart. Em todo caso, quanto a este último aspecto, o boato de relativo dreyfusismo do coronel era sem fundamento, como todos os boatos nascidos não se sabe onde e que se multiplicam em torno de qualquer grande processo. Pois, pouco mais tarde, esse coronel, tendo sido encarregado de interrogar o antigo diretor do Gabinete de Informações, tratou-o com uma brutalidade e um desprezo nunca anteriormente igualados. Fosse como fosse, e embora jamais se tivesse permitido informar-se diretamente com o coronel, meu vizinho fizera a Saint-Loup a cortesia de lhe dizer no tom com que uma dama católica anuncia a uma dama judia que seu padre censura os massacres de judeus na Rússia e admira a generosidade de certos israelitas que o coronel não era para o dreyfusismo para um certo dreyfusismo pelo menos o adversário fanático, estreito, que haviam acreditado.

- Isto não me espanta. -observou Saint-Loup -, pois trata-se de um homem inteligente. Mas, apesar de tudo, cegam-no os preconceitos de nascimento e principalmente o clericalismo. Ah! - disse-me -, o comandante Duroc, o professor de história militar de quem te falei, eis aí um homem que parece compartilhar a fundo nossas ideias. Aliás, o contrário é que teria me assombrado, pois ele não só é de uma inteligência sublime, mas radical-socialista e franco-maçom.

     Tanto por delicadeza para com os amigos, a quem eram desagradáveis as profissões de fé dreyfusistas de Saint-Loup, como porque o resto me interessava mais, perguntei a meu vizinho se era exato que esse comandante fizera, da história militar, uma demonstração de verdadeira beleza estética.

- Absolutamente exato. 
- Mas que entende o senhor por isso? 
- Pois bem; por exemplo, tudo o que o senhor lê, suponho, na narrativa de um historiador militar, os menores fatos, os mais insignificantes acontecimentos, não são mais que sinais de uma ideia que é preciso desvelar e que muitas vezes encobre outras, como um palimpsesto. De modo que o senhor tem um conjunto tão intelectual como o que possa oferecer qualquer ciência ou qualquer arte, e que satisfaz o espírito. 
- Exemplos, se não estou abusando. 
- É difícil dizer-te como. - interrompeu Saint-Loup. - Lês, por exemplo, que um tal corpo tentou... Antes de ir mais adiante, o nome do corpo e sua composição têm seu significado. Se não é a primeira vez que se tenta a operação, e se, para a mesma operação, vemos aparecer um outro corpo, isto é talvez o sinal de que os precedentes foram aniquilados ou grandemente danificados pela dita operação, que já não estão mais em estado de levá-la ao fim. Ora, é necessário inquirir que corpo era esse que hoje está aniquilado; se eram tropas de choque, postas de reserva para ataques importantes, visto que um novo corpo de qualidade inferior tem poucas chances de êxito onde aquelas fracassaram. Além do mais, se não se está no início de uma campanha, esse mesmo corpo novo pode estar formado de elementos colhidos aqui e ali, o que, no tocante às forças de que ainda dispõe o beligerante, à aproximação do momento em que elas serão inferiores às do adversário, pode fornecer indicações que darão à própria operação que esse corpo vai tentar um significado diverso, porque, se ele já não está em condições de reparar suas perdas, seus próprios sucessos não farão mais que encaminhá-lo, aritmeticamente, para o aniquilamento final. De outra parte, o número designativo do corpo que lhe é oposto não é menos destituído de significação. Se, por exemplo, trata-se de uma unidade muito mais fraca, e que já consumiu várias unidades importantes do adversário, a mesma operação muda de caráter, pois, ainda que devesse findar pela perda da posição sustentada pelo defensor, o fato de havê-la ocupado por algum tempo pode representar um grande triunfo, se foi suficiente para destruir, com forças mínimas, outras muito importantes do adversário. Podes compreender que, se na análise dos corpos empenhados encontram-se coisas de tamanha importância, o estudo da própria posição, das estradas de ferro e de rodagem que ela domina, dos abastecimentos que protege, acarreta ainda maiores consequências. É preciso estudar o que eu chamaria de todo o contexto geográfico. - acrescentou ele, rindo. (E, com efeito, mostrou-se tão contente com esta expressão que, a seguir, de cada vez que a empregava, ria sempre o mesmo riso.) - Enquanto a operação está em preparativos por um dos beligerantes, se lês que uma de suas patrulhas foi aniquilada nas proximidades da posição pelo outro beligerante, uma das conclusões que podes tirar é que o primeiro procurava informar-se quanto aos trabalhos defensivos com que o segundo intentava fazer fracassar o seu ataque. Uma ação especialmente violenta contra um dado ponto pode significar o desejo de conquistá-lo, mas também a intenção de reter nele o adversário, de não responder ao seu ataque ali onde ele atacou, ou também não passar de um despiste e ocultar, pelo recrudescimento da violência, as baixas de tropas no local. (É um despiste clássico nas guerras de Napoleão.) Por outro lado, para compreender o significado de uma manobra, seu objetivo provável e, consequentemente, de que outras será acompanhada ou seguida, não é indiferente consultar, não tanto o que a tal propósito anuncia o comandante o que pode ser destinado a enganar o adversário, a mascarar um fracasso possível como os regulamentos militares do país. É sempre de se admitir que a manobra que um exército quis tentar é aquela prescrita pelo regulamento em vigor em circunstâncias análogas. Se, por exemplo, o regulamento recomenda que um ataque frontal seja acompanhado por um outro de flanco, se, tendo fracassado este segundo ataque, o comandante pretende que ele não tem qualquer relação com o primeiro e não passava de uma diversão, há uma oportunidade para que a verdade deva ser procurada no regulamento e não nas palavras do comandante. E não existem apenas os regulamentos de cada exército, mas as suas tradições, seus costumes, suas doutrinas. O estudo da ação diplomática, sempre em permanente estado de ação e reação sobre a ação militar, também não deve ser desprezado. Incidentes na aparência insignificantes, mal compreendidos à época, te explicarão que o inimigo, contando com uma ajuda da qual esses incidentes mostram de que foi privado, só realizou de fato uma parte de sua ação estratégica. De modo que, se sabes ler a história militar, o que representa uma narração confusa para o leitor comum é, para ti, um encadeamento tão racional como um quadro para o amador que sabe enxergar o que o personagem traz consigo, segura nas mãos, enquanto que o visitante aturdido dos museus se deixa confundir e sente vertigens devido a umas cores vagas. Mas, como ocorre em certos quadros, em que não basta reparar que o personagem segura um cálice, mas é preciso saber por que o pintor lhe pôs esse cálice nas mãos, e o que deseja simbolizar com isso, essas operações militares, mesmo sem contar com sua finalidade imediata, são habitualmente, no espírito do general que dirige a campanha, calcadas em batalhas mais antigas, que são, se quiseres, como o passado, como a biblioteca, como a erudição, como a etimologia, como a aristocracia das batalhas novas. Repara que não te falo, neste momento, da identidade local como direi? -espacial das batalhas. Ela também existe. Um campo de batalha não foi, ou não será, através dos séculos apenas o campo de uma só batalha. Se foi campo de batalha, é que reunia certas condições de situação geográfica, de natureza geológica, e até de defeitos próprios para incomodar o adversário (um rio que o corte em dois, por exemplo) e que fazem dele um bom campo de batalha. Portanto, foi e será. Não se faz um ateliê de pintura com qualquer sala, não se faz um campo de batalha com qualquer local. Há lugares predestinados. Ainda uma vez, porém, não era disso que eu falava, e sim do tipo de batalha que se imita, de uma espécie de decalque estratégico, de pasticho tático se quiseres: a batalha de Ulm, de Lodi, de Leipzig, de Canas. Não sei se ainda haverá guerras, nem entre que povos; mas, se houver, fica certo de que haverá (e deliberadamente da parte do chefe) uma batalha de Canas, uma de Austerlitz, uma de Rossbach, uma de Waterloo, sem falar de outras. Alguns não se envergonham de dizê-lo. O marechal von Schlieffen e o general de Falkenhausen prepararam previamente contra a França uma batalha de Canas, à maneira de Aníbal, com fixação do adversário em toda a frente e avanço pelas duas alas, sobretudo pela direita, na Bélgica, ao passo que Bernhardi prefere a ordem oblíqua de Frederico, o Grande, antes Leuthen do que Canas. Outros expõem menos cruamente seus pontos de vista, mas posso te garantir, meu velho, que Beauconseil, esse comandante de cavalaria a quem te apresentei outro dia e que é um oficial de grande futuro, estudou a fundo o seu ataquezinho do Pratzen, conhece-o como a palma da mão, mantém-no de reserva e, se algum dia tiver oportunidade de executá-lo, não vacilará no golpe e nos há de servi-lo em grande escala. O rompimento do centro em Rívoli, vê, ainda vai se repetir, se houver guerras. Não é mais caduco do que afiada. Acrescento que estamos quase condenados aos ataques frontais porque não queremos cair de novo nos erros de 1870, e sim fazer ofensiva, apenas ofensiva. A única coisa que me perturba é que, se só vejo espíritos retrógrados se oporem a essa magnífica doutrina, no entanto um de meus mais jovens mestres, que é um homem de gênio, Mangin, gostaria que se deixasse um lugar, naturalmente provisório, à defensiva. A gente fica muito embaraçado para lhe responder quando ele cita como exemplo Austerlitz, onde a defensiva é apenas o prelúdio do ataque e da vitória. 

continua na página 49...
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Leia também:

Volume 1
Volume 2
Volume 3
O Caminho de Guermantes (1a.Parte - Numa daquelas noites)
Volume 4
Volume 5
Volume 7

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