quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Marcel Proust - No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Mas muitas vezes - v)

em busca do tempo perdido


volume I
No Caminho de Swann

ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust

um amor de swann

III(v) 

continuando...

     Mas muitas vezes as coisas que não conhecia, que temia agora conhecer, era a própria Odette que, espontaneamente e sem o notar, lhes revelava; com efeito, a distância que o vício punha entre a vida real de Odette e a vida relativamente inocente que Swann julgara, e muitas vezes julgava ainda, que levava a sua amante, essa distância, a própria Odette lhe ignorava a extensão: uma criatura viciosa, que sempre afeta a mesma virtude perante as pessoas que não deseja lhe suspeitem os vícios, não tem controle para notar como esses vícios, cujo crescimento contínuo lhe é insensível, pouco a pouco a vão arrastando para além das normas habituais da vida. Em sua coabitação, no íntimo de Odette, com a lembrança das ações que ocultava de Swann, outras pouco a pouco lhes recebiam o reflexo e o contágio, sem que Odette lhes achasse nada de estranho ou que destoasse do meio particular em que as fazia viver dentro de si; mas, se as contava a Swann, ficava ele abalado com a revelação da ambiência que traíam. Um dia Swann procurava indagar de Odette, sem melindrá-la, se ela nunca frequentara casas de alcoviteiras. A falar verdade, estava convencido que não; a carta anônima lhe introduzira essa hipótese na cabeça, mas de um modo mecânico: não encontrara crédito, mas em todo caso ali ficara, e Swann, para desembaraçar-se da presença puramente material, mas no entanto incômoda da suspeita, desejava que Odette a extirpasse. “Oh!, não! E não é que eu não tenha sido perseguida para isso”, acrescentou Odette, revelando num sorriso uma vaidade que ela não mais se apercebia de que Swann pudesse achar legítima. “Ainda ontem ficou uma a esperar-me durante mais de duas horas: propunha-me qualquer preço. Parece que há um embaixador que lhe disse: ‘Eu me mato se não a trouxer’. Disseram-lhe que eu tinha saído, acabei indo eu mesma falar com ela, para que se fosse embora. Queria que tu visses como a recebi, minha criada que me ouvia da peça vizinha me disse que eu gritava: ‘Não quero, está ouvindo?! Digo-lhe que não me agrada, e pronto! Creio que sou livre de fazer o que me der na cabeça! Ainda se eu tivesse necessidade de dinheiro…’. O porteiro tem ordem de não mais deixá-la entrar, dirá que fui para o campo. Ah!, eu queria que estivesses escondido nalguma parte. Havias de ficar contente, meu querido. A tua Odettezinha assim mesmo tem alguma coisa de bom, embora a achem tão detestável.”
     Aliás, as confissões que ela própria fazia quando supunha que Swann havia descoberto alguma falta sua, antes serviam a ele de ponto de partida para novas dúvidas do que como remate às antigas. Pois as confissões nunca estavam em exata proporção com as dúvidas. Por mais que Odette cortasse o essencial à sua confissão, sempre restava no acessório alguma coisa que Swann jamais imaginara, que o abalava com a sua novidade e ia permitir-lhe mudar os termos do problema do seu ciúme. E essas confissões, ele não mais podia esquecê-las. Sua alma arrastava-as, embalava-as como a cadáveres. Estava por elas envenenada.
     Um dia Odette lhe falou de uma visita que Forcheville lhe fizera no dia do Festival de Paris-Múrcia. “Como, tu já o conhecias? Ah!, sim, é verdade”, disse ele, emendando a mão, para não parecer que o ignorava. E de súbito estremeceu ao pensamento de que no dia daquela festa em que recebera dela a carta que tão preciosamente guardara, ela almoçava talvez com Forcheville na “Maison d’Or”. Ela jurou-lhe que não. “No entanto a ‘Maison d’Or’ me lembra não sei o quê, que eu soube não ser verdade”, disse ele para assustá-la. “Sim, que eu não tinha ido à ‘Maison d’Or’ na noite em que te disse que saía de lá, quando me procuraste no Prévost”, respondeu-lhe Odette (julgando pelo seu ar que ele o sabia), com uma decisão em que havia, muito mais que cinismo, timidez, e certo medo de contrariá-lo, que por amor-próprio ela procurava ocultar, e mais o desejo de lhe mostrar que podia ser franca. Assim golpeou ela com uma precisão e um vigor de carrasco e que eram isentos de crueldade, pois Odette não tinha consciência do mal que fazia a Swann; e até se pôs a rir, talvez na verdade para não se mostrar humilhada ou confusa. “É verdade que eu não tinha estado na Maison Dorée, mas vinha da casa de Forcheville. Estive mesmo no Prévost, não foi mentira. Ele me encontrou lá e convidou-me para ir ver as suas gravuras. Mas tinha ido alguém visitá-lo. Eu te disse que vinha da ‘Maison D’Or’ porque tinha medo de que aquilo te aborrecesse. Bem vês que era até uma gentileza da minha parte. Vá que eu tenha feito mal, mas ao menos te digo francamente. Que interesse teria eu em não te dizer também que almocei com ele no dia do Festival de Paris-Múrcia, se fosse verdade? Tanto mais que naquele tempo a gente ainda não se conhecia muito bem, não é, querido?” Ele lhe sorriu com a covardia súbita da criatura sem forças que haviam feito dele aquelas acabrunhantes palavras. Assim, mesmo nos meses em que ele jamais ousara pensar, porque tinham sido muito felizes, naqueles meses em que Odette o havia amado, ela já lhe mentia! Como aquele momento (a primeira noite em que tinham “feito catleia”) em que ela lhe dissera ter saído da Maison Dorée, quantos outros não teria havido que também ocultavam uma mentira que Swann não suspeitara? Lembrou-se de que ela lhe dissera um dia: “Bastaria dizer à senhora Verdurin que meu vestido não ficou pronto, ou que meu carro se atrasou. Sempre se pode dar um jeito”. Também provavelmente a ele, quantas vezes em que Odette lhe dissera dessas frases que explicam um atraso, justificam uma mudança de hora num encontro, não deviam elas ocultar, sem que ele o desconfiasse, alguma coisa que ela teria a fazer com um outro a quem dissera: “Basta dizer a Swann que meu vestido não ficou pronto, ou que meu carro chegou atrasado, sempre se pode dar um jeito”. E sob as mais doces recordações de Swann, sob as palavras mais simples que outrora lhe dissera Odette, e em que ele acreditara como palavras de evangelho, sob os atos cotidianos que ela lhe contara, sob os locais mais costumeiros, a casa da sua modista, a avenida do Bois, o Hipódromo, ele sentia (dissimulada nesse excedente de tempo que nos dias mais detalhados deixa ainda folga e espaço e que pode servir de esconderijo a certos atos), ele sentia insinuar-se a presença possível e subterrânea de mentiras que lhe tornavam ignóbil tudo o que lhe restara de mais caro, as suas melhores noites, até mesmo a rua de La Pérouse, que Odette sempre deveria ter deixado em outras horas que não as que lhe dissera, fazendo circular por toda parte um pouco do tenebroso horror que ele sentira ao ouvir a confissão relativa à Maison Dorée, e, como as bestas imundas na desolação de Nínive, abalando pedra a pedra todo o seu passado.[1] Se agora desviava o pensamento de cada vez que sua memória lhe dizia o nome cruel da Maison Dorée, já não era como ainda recentemente no sarau da sra. de Saint-Euverte, porque lhe lembrava uma felicidade há muito tempo perdida, mas sim uma desgraça que apenas acabava de saber. Depois aconteceu com o nome de Maison Dorée o mesmo que com o da Ilha do Bois, deixou pouco a pouco de fazê-lo sofrer. Pois o que nós julgamos seja o nosso amor, o nosso ciúme, não é uma mesma paixão contínua, indivisível. Compõem-se eles de uma infinidade de amores sucessivos, de ciúmes diferentes, mas, por sua multidão ininterrupta, dão a impressão da continuidade, a ilusão da unidade. A existência do amor de Swann, a constância do seu ciúme, eram constituídos da morte, da inconstância de inumeráveis desejos, de inumeráveis dúvidas, que tinham todos Odette por objeto. Se permanecesse muito tempo sem vê-la, aqueles que morriam não seriam substituídos por outros. Mas a presença de Odette continuava a semear o coração de Swann de alternadas ternuras e suspeitas.
     Certas noites, Odette se tornava subitamente de uma gentileza da qual duramente o avisava deveria ele aproveitar-se em seguida, sob pena de não a ver renovar-se antes de muitos anos; era preciso voltar imediatamente à casa dela para “fazer catleia”, e esse desejo que Odette pretendia ter por Swann era tão súbito, tão inexplicável, tão imperioso, tão demonstrativas e insólitas eram as carícias que logo lhe prodigalizava, que aquela ternura brutal e inverossímil causava tanto mal a Swann como uma mentira ou uma maldade. Uma noite em que assim se recolheram por ordem de Odette e em que ela entremeava os beijos de apaixonadas palavras que contrastavam com a sua secura habitual, ele supôs de repente ouvir um rumor; ergueu-se, procurou por toda parte, não encontrou ninguém, mas não teve coragem de retomar o lugar ao lado de Odette, que então, num acesso de raiva, quebrou um vaso, dizendo-lhe: “Nunca se pode fazer nada contigo!”. E ele ficou na incerteza de que ela teria ocultado alguma pessoa, a quem quisesse espicaçar o ciúme ou acender os desejos.
     Às vezes ia Swann às casas de rendez-vous, na esperança de saber alguma coisa de Odette, sem no entanto ousar nomeá-la: “Tenho uma pequena que vai agradar-lhe”, dizia-lhe a caftina. E Swann permanecia uma hora a conversar com alguma pobre rapariga espantada de que ele não fizesse nada mais. Uma delas, bastante jovem e encantadora, disse-lhe um dia: “O que eu desejava era encontrar um amigo; então ele poderia estar certo de que eu não iria com mais ninguém”. “Na verdade, achas que seja possível que uma mulher fique sensibilizada de que a gente a ame e não nos engane nunca?”, indagou Swann ansiosamente. “Decerto! Isso depende do caráter!” Swann não podia evitar de dizer àquelas raparigas as mesmas coisas que agradariam à princesa Des Laumes. Àquela que procurava um amigo, disse ele sorrindo: “Que bonito! Puseste uns olhos azuis, da mesma cor de teu cinto”. “O senhor também está com punhos azuis.” “Que bela conversa a nossa, para um lugar destes! Eu não te aborreço, não terás alguma coisa que fazer?” “Tenho tempo de sobra. Se o senhor me aborrecesse, eu lhe diria. Pelo contrário, gosto muito de ouvi-lo falar.” ”Sinto-me muito lisonjeado. Não é que estamos conversando gentilmente?”, disse ele à caftina, que acabava de entrar. “Sim, é justamente o que eu estava pensando. Como eles estão bem-comportados! Pois não é que agora a gente vem conversar em minha casa?! Ainda outro dia o príncipe dizia que aqui é muito melhor do que na casa de sua esposa. Parece que agora na sociedade elas deram para coisas, é um verdadeiro escândalo! Bem, vou deixá-los, não quero ser indiscreta.” E deixou Swann com a rapariga dos olhos azuis. Mas ele logo se levantou e despediu-se; ela lhe era indiferente, não conhecia Odette.
     Tendo o pintor estado enfermo, o dr. Cottard aconselhou-lhe uma viagem por mar; vários fiéis falaram em partir com ele; os Verdurin não se conformaram em ficar sozinhos, alugaram um iate, depois o adquiriram, e assim Odette fez frequentes cruzeiros. De cada vez que Odette se ausentava algum tempo, Swann sentia que começava a desligar-se dela, mas, como se essa distância moral estivesse relacionada com a distância material, logo que sabia estar Odette de volta, não podia ficar sem vê-la. De uma feita, tendo partido apenas por um mês, pelo que julgavam, ou porque fossem tentados em caminho, ou porque o sr. Verdurin tivesse astuciosamente arranjado as coisas de antemão para agradar à mulher e só avisasse aos fiéis a cada novo rumo que tomavam, da Argélia foram para Túnis, depois à Itália, depois à Grécia, a Constantinopla e à Ásia Menor. Fazia quase um ano que durava a viagem, e Swann se sentia absolutamente tranquilo, quase feliz. Embora a sra. Verdurin tentasse persuadir o pianista e o dr. Cottard de que a tia de um e os clientes do outro não tinham nenhuma necessidade deles e que, em todo caso, seria imprudente permitir o regresso da sra. Cottard a Paris, que o sr. Verdurin assegurava estar em revolução, viu-se obrigada a dar-lhes liberdade em Constantinopla. E o pintor partiu com eles. Um dia, logo depois da volta dos três viajantes, Swann, vendo passar um ônibus para Luxemburgo, onde tinha algo que fazer, tomou o veículo e viu-se sentado em frente da sra. Cottard, que fazia o seu turno dos “dias de visita” em grande aparato, de chapéu de plumas, vestido de seda, regalo, sombrinha, porta-cartões e luvas brancas lavadas. Revestida dessas insígnias, quando fazia bom tempo, ia a pé de uma quadra a outra, no mesmo bairro, mas, para dirigir-se de um bairro a outro, utilizava o ônibus com baldeação. Nos primeiros instantes, antes que a gentileza inata da mulher pudesse romper a casca da pequeno-burguesa, e aliás não sabendo bem se devia falar dos Verdurin a Swann, manteve com toda a naturalidade, com a sua voz lenta, insegura e suave, que por momentos o fragor do ônibus completamente abafava, uma conversa de frases escolhidas entre as que ouvia e repetia nas vinte e cinco casas que visitava em uma jornada.

— Não lhe vou perguntar se um homem em dia, como o senhor, já viu nos Mirlitons, o retrato de Machard que movimenta toda a cidade.[2] E então? Que me diz? Está no campo dos que aprovam ou no campo dos que condenam? Em todos os salões só se fala no retrato de Machard; não se é chique, não se é direito, não se é adiantado, se não se dá opinião sobre o retrato de Machard.

     Como Swann respondesse que não vira o retrato, a sra. Cottard receou havê-lo melindrado, obrigando-o a confessar tal coisa.

— Ah!, muito bem, pelo menos o senhor o confessa francamente, não se julga diminuído porque não viu o retrato de Machard. Acho isso muito bonito de sua parte. Pois bem, eu o vi, as opiniões estão divididas, há os que julgam que é um pouco delambido, um pouco merengue, quanto a mim, acho-o ideal. Ela evidentemente não se parece com as mulheres azuis e amarelas de nosso amigo Biche. Tenho de confessar francamente, talvez o senhor não me ache muito “fim de século”, mas digo o que penso, e na verdade não compreendo. Meu Deus, reconheço as qualidades que tem o retrato de meu marido, é menos estranho do que as coisas que ele costuma fazer; mas era preciso que lhe pusesse bigodes azuis?! Ao passo que Machard! Olhe, justamente o marido da amiga aonde vou agora (o que me deu o prazer de viajar com o senhor) lhe prometeu, se for nomeado para a Academia (é um dos colegas do doutor) encomendar um retrato dela a Machard. Sem dúvida é um belo sonho! Tenho outra amiga que diz que gosta mais de Leloir. Eu não passo de uma pobre leiga, e Leloir é talvez ainda superior como ciência. Mas penso que a primeira qualidade de um retrato, principalmente quando custa dez mil francos, é ser parecido, e de uma parecença agradável.

     Tendo dito essas coisas que lhe inspiravam a altura de sua egrete, o monograma de seu porta-cartões, o numerozinho traçado à tinta em suas luvas pelo tintureiro e o embaraço de falar a Swann dos Verdurin, a sra. Cottard, vendo que se achava ainda longe da esquina da rua Bonaparte, onde devia descer, escutou o seu coração, que lhe aconselhava outras palavras:

— As orelhas devem ter estado a arder-lhe durante a viagem que fizemos com a senhora Verdurin. Só se falava no senhor.

     Swann ficou muito espantado, pois supunha que seu nome nunca era proferido diante dos Verdurin.

— Aliás — acrescentou a sra. Cottard —, a senhora de Crécy se achava conosco, e não é preciso dizer mais nada. Quando Odette está nalguma parte, não pode ficar muito tempo sem falar no senhor. E creia que não é nada de mal. Como, o senhor duvida? — disse ela, vendo um gesto cético de Swann. 

     E levada pela sinceridade da sua convicção, não pondo aliás nenhum mau pensamento nessa palavra que tomava apenas no sentido em que é empregada para falar da afeição que une dois amigos:

— Mas Odette o adora! Ah!, creio que não se deveria dizer isso do senhor diante dela! Estava-se bem arranjado! A propósito de tudo, se se via um quadro, por exemplo, ela dizia: “Ah!, se Swann estivesse aqui, ele é que poderia dizer-nos se é ou não autêntico. Não há ninguém como ele para isso”. E a cada momento perguntava: “Que estará ele fazendo agora? Se ao menos trabalhasse um pouco! Um homem tão bem-dotado, é pena que seja tão preguiçoso. (Perdoe-me dizer-lhe isso.) Neste momento eu o vejo, ele está pensando em nós, indaga consigo onde estaremos”. Teve até uma frase que achei muito bonita; disse o senhor Verdurin: “Mas como podes saber o que Swann está fazendo neste momento, se estás oitocentas léguas longe dele?”. Então Odette lhe respondeu: “Nada é impossível ao olhar de uma amiga”. Não, juro-lhe, não estou dizendo isso para lisonjeá-lo, o senhor tem nela uma verdadeira amiga como não há muitas. Pois se o senhor não sabe, digo-lhe eu que é o único. Ainda o outro dia me dizia a senhora Verdurin (bem sabe que nas vésperas de partida se conversa melhor: “Não digo que Odette não nos estime, mas nada do que lhe dizemos tem para ela a importância do que o senhor Swann lhe diria”. Oh!, meu Deus, o condutor me faz parar; conversando com o senhor, eu ia deixar passar a rua Bonaparte… Poderia fazer o favor de dizer-me se a minha egrete está direita? 

     E a sra. Cottard retirou do regalo, para estendê-la a Swann, a mão enluvada de branco, de onde surgiu, juntamente com um bilhete de baldeação, um vislumbre de alta vida, que encheu o ônibus, de mistura com o odor do tintureiro. E Swann sentiu-se transbordar de ternura por ela, tanto quanto pela sra. Verdurin (e quase tanto como por Odette, pois o que sentia por esta última, como já não vinha mesclado de sofrimento, não era mais amor), enquanto a seguia da plataforma com um olhar enternecido, vendo-a tomar corajosamente a rua Bonaparte, a egrete alta, erguendo a saia com uma das mãos, segurando com a outra a sombrinha e o porta-cartões, de modo que se vissem bem as iniciais, e deixando o regalo balançar adiante de si.
     Para fazer concorrência aos sentimentos doentios que Swann experimentava por Odette, a sra. Cottard, melhor terapeuta do que o seria o esposo, lhes enxertara ao lado outros sentimentos, mas estes normais, de gratidão e de amizade, sentimentos que ao espírito de Swann tornariam Odette mais humana (mais semelhante às outras mulheres, porque outras mulheres também lhes poderiam inspirar) e apressaria a sua transformação definitiva naquela Odette amada de um tranquilo afeto, que o levara uma noite, após uma festa em casa do pintor, a beber uma laranjada com Forcheville e junto da qual imaginara Swann que poderia viver feliz.

continua na página 243...
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Leia também:

Volume 1
No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Mas muitas vezes - v)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 7
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[1] Os animais da desolação de Nínive estão representados no portal ocidental da catedral de Amiens. [n. e.]
[2] O círculo artístico dos “Mirlitons” foi fundado em 1860, com sede na praça Vendôme. Jules Machard era o retratista da moda na época. [n. e.]

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