quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Marcel Proust - No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Voltou rapidamente a Swann - q)

em busca do tempo perdido


volume I
No Caminho de Swann

ao senhor gaston calmette
como um testemunho de profundo e afetuoso reconhecimento
— marcel proust

um amor de swann

III(q) 

     Voltou rapidamente a Swann o sentimento da fealdade masculina quando, passada a cortina, ao espetáculo da criadagem se seguiu o dos convidados. Mas aquela própria fealdade dos rostos que aliás conhecia tão bem, lhe parecia coisa nova depois que os seus traços — em vez de lhe servirem de sinais para identificar determinada pessoa que até então lhe significava um complexo de prazeres a buscar, de aborrecimentos a que fugir, ou de cortesias a fazer — repousavam agora na autonomia de suas linhas, sem outra coordenação que a de suas relações estéticas. E naqueles homens, entre os quais se via agora preso (mesmo nos monóculos que alguns traziam e que outrora, quando muito, permitiriam a Swann dizer que usavam monóculo), nada havia que não se lhe apresentasse com uma espécie de individualidade, em vez de significar um simples hábito. Talvez porque olhasse o general de Froberville e o marquês de Bréauté, que conversavam à entrada, apenas como duas personagens num quadro, quando por muito tempo haviam sido para ele os amigos úteis que o tinham apresentado no Jockey ou assistido em duelos, o monóculo do general, que lhe jazia entre as pálpebras como um estilhaço de granada em seu rosto vulgar, devastado e triunfante, no meio da fronte a que “zarolhava” como o olho único do ciclope, afigurou-se a Swann como um monstruoso ferimento que podia ser glorioso ter recebido, mas que era indecente exibir; ao passo que o monóculo que o sr. de Bréauté acrescentava, em sinal de festividade, às luvas gris-pérola, à claque, à gravata branca, e punha em vez do lornhão familiar (como o fazia Swann), para comparecer em sociedade, trazia colado no reverso, como uma preparação de história natural sob um microscópio, um olhar infinitesimal e pululante de amabilidade, que não cessava de sorrir à altura dos tetos, à beleza da festa, ao interesse dos programas e à qualidade dos refrescos.

— Ei-lo! Mas faz uma eternidade que não se vê você — disse a Swann o general que, notando os seus traços vincados e concluindo que era talvez uma doença grave que o afastava do convívio social, acrescentou: — Sabe que está com uma boa fisionomia? — enquanto o sr. de Bréauté perguntava: 
— Como, você, meu caro, que é que pode estar fazendo aqui? — a um romancista mundano que acabava de instalar ao canto do olho um monóculo, o seu único órgão de investigação psicológica e de impiedosa análise, e que respondeu com um ar importante e misterioso, carregando no r: 
— Observo. 

     O monóculo do marquês de Forestelle era minúsculo, não tinha aro e, obrigando a uma crispação incessante e dolorosa o olho onde se incrustava como uma cartilagem supérflua cuja presença é inexplicável e a matéria rara, dava ao rosto do marquês uma delicadeza melancólica e fazia com que as mulheres o julgassem capaz de grandes penas de amor. Mas o do sr. de Saint-Candé, cercado de um gigantesco anel, como Saturno, era o centro de gravidade de um rosto que se ordenava a todo instante em relação a ele, cujo nariz fremente e rubro e o lábio carnudo e sarcástico procuravam, com os seus trejeitos, pôr-se à altura dos mutáveis reflexos de espírito com que fulgurava o disco de vidro, e era preferido aos mais belos olhares do mundo por mulheres esnobes e depravadas, a quem fazia sonhar com encantos artificiais e refinadas volúpias; enquanto, atrás do seu monóculo, o sr. de Palancy que, com a sua grossa cabeça de carpa, de olhos redondos, se deslocava lentamente no meio da festa, descerrando de instante a instante as mandíbulas como para procurar orientação, tinha o ar de apenas transportar consigo um fragmento acidental, e talvez puramente simbólico, do vidro do seu aquário, parte destinada a figurar o todo, que lembrou a Swann, grande admirador dos Vícios e das Virtudes de Giotto em Pádua, aquele Injusto ao lado do qual um ramo folhudo evoca as florestas onde se oculta o seu covil.
     Swann tinha avançado, a instâncias da sra. de Saint-Euverte, e, para ouvir uma ária de Orfeu que um flautista executava, acomodara-se em um canto, onde, por desgraça, tinha por única perspectiva a duas senhoras já maduras, sentadas uma ao lado da outra, a marquesa de Cambremer e a viscondessa de Franquetot, as quais, como eram primas, passavam o tempo, durante as reuniões, carregando as bolsas e acompanhadas de suas filhas, a se procurarem como numa estação, e só se tranquilizavam depois de haver reservado, marcando-os com o leque ou o lenço, dois lugares vizinhos; a sra. de Cambremer, que possuía muito poucas relações, tanto mais feliz se achava por ter uma companheira, e a sra. de Franquetot, muito relacionada, achava alguma coisa de elegante, de original, em mostrar a todas as suas importantes conhecidas que lhes preferia uma dama obscura com quem tinha em comum recordações da mocidade. Cheio de melancólica ironia, Swann as via escutarem o intermezzo de piano (“São Francisco pregando às aves”, de Liszt) que sucedera à ária de flauta, e seguirem a vertiginosa execução do virtuose. A sra. de Franquetot ansiosamente, com os olhos desvairados, como se as teclas sobre as quais ele corria com agilidade fossem uma série de trapézios de onde o pianista poderia tombar de uma altura de oitenta metros, e lançando à vizinha olhares de espanto e denegação que significavam: “É inacreditável, eu nunca pensaria que um homem pudesse fazer uma coisa dessas”, e a sra. de Cambremer, como mulher que recebeu sólida educação musical, marcando o compasso com a cabeça transformada em agulha de metrônomo, cuja amplitude e rapidez de oscilações de um ombro a outro se haviam tornado tais que (com essa espécie de extravio e abandono do olhar próprio das dores impossíveis de conter e dominar e que dizem: “Que se lhe há de fazer?”) a cada momento prendia com seus solitários as alças do corpete e era obrigada a endireitar os racimos negros que trazia no cabelo, sem deixar por isso de acelerar o movimento. Do outro lado da sra. Franquetot, mas um pouco adiante, achava-se a marquesa de Gallardon, ocupada em seu pensamento favorito, o parentesco que tinha com os Guermantes, de que auferia para si e para a sociedade muita glória e um tanto de vergonha, pois os mais brilhantes dentre eles a mantinham um pouco à parte, talvez porque ela era aborrecida, ou porque era má, ou porque pertencia a um ramo inferior, ou talvez sem nenhum motivo. Quando se encontrava perto de uma pessoa a quem não conhecia, como naquele momento a sra. de Franquetot, sofria de que a consciência que tinha de seu parentesco com os Guermantes não se pudesse manifestar exteriormente em caracteres visíveis, como os que, nos mosaicos das igrejas bizantinas, colocados uns abaixo dos outros, inscrevem numa coluna vertical, ao lado de um santo personagem, as palavras que lhe são atribuídas. Pensava naquele momento que jamais recebera um convite nem uma visita de sua jovem prima, a princesa Des Laumes, desde que esta se casara, seis anos antes. Esse pensamento a enchia de cólera, mas também de altivez; pois à força de dizer aos que se espantavam de não a verem nos salões da sra. Des Laumes, que era porque não queria expor-se a encontrar ali a princesa Mathilde, coisa que sua família ultralegitimista jamais lhe perdoaria, acabara por acreditar que era esse com efeito o motivo por que não visitava a sua jovem prima.[1] Lembrava-se no entanto de que várias vezes tinha perguntado à sra. Des Laumes como poderia fazer para encontrá-la, mas só o lembrava confusamente, e aliás neutralizava de sobejo essa recordação um tanto humilhante, murmurando: “Em todo caso, não é a mim que compete dar os primeiros passos, eu tenho vinte anos mais do que ela”. Graças à virtude dessas palavras interiores, lançava altivamente os ombros para trás, destacando-os do busto, e sobre os quais a sua cabeça pousada quase horizontalmente fazia pensar na cabeça “acrescentada” de um orgulhoso faisão que se coloca na mesa com toda a sua plumagem. Não que ela não fosse, por natureza, baixota, máscula e gorducha, mas as mortificações a tinham empertigado, como essas árvores que, nascidas em má posição à beira de um precipício, são forçadas a crescer para trás, a fim de conservar o equilíbrio. Obrigada, para consolar-se de não estar no mesmo pé de igualdade com as outras Guermantes, a dizer-se incessantemente que era por intransigência de princípios e por orgulho que poucas vezes as via, acabara esse pensamento por lhe modelar o corpo e imprimir-lhe uma espécie de garbo que passava aos olhos das burguesas por um sinal de raça e turbava às vezes de um fugitivo desejo o olhar fatigado dos homens de clube. Se acaso se sujeitasse a conversação da sra. Gallardon a uma dessas análises que, computando a maior ou menor frequência de cada termo, permitem descobrir a chave de uma linguagem cifrada, ver-se-ia que nenhuma expressão, nem mesmo a mais comum, ocorria tantas vezes como “em casa de meus primos de Guermantes”, “em casa da minha tia de Guermantes”, “a saúde de Elzéar de Guermantes”, “o camarote de minha prima de Guermantes”. Quando lhe falavam de uma personagem ilustre, dizia que, sem conhecê-la pessoalmente, já a encontrara mil vezes em casa da sua tia de Guermantes, mas dizia-o num tom tão glacial e numa voz tão surda que era evidente que só não a conhecia em pessoa por causa de todos os irredutíveis e obstinados princípios que lhe distendiam os ombros para trás, como essas escadas nas quais os professores de ginástica obrigam a gente a estirar-se para desenvolver o tórax.
     Ora, a princesa Des Laumes, que ninguém esperaria ver nos salões da sra. de Saint-Euverte, acabava justamente de chegar. Para mostrar que não queria fazer sentir a sua superioridade num salão a que apenas vinha por condescendência, entrava encolhendo os ombros quando não havia multidão alguma que atravessar e tampouco ninguém a quem tivesse de dar passagem, ficando de propósito no fundo, como se estivesse no seu lugar, tal qual um rei que fica na fila à porta de um teatro enquanto as autoridades não forem avisadas de que ali se acha; e limitando o olhar — para não parecer que estava assinalando a sua presença e reclamando atenções — à simples consideração de um desenho do tapete ou de sua própria saia, mantinha-se de pé no local que lhe parecera mais modesto (e do qual bem sabia que viria arrancá-la numa exclamação encantada da sra. de Saint-Euverte, logo que a descobrisse), ao lado da sra. de Cambremer, que lhe era desconhecida. Observava a mímica da vizinha melômana, mas não a imitava. Não que a princesa não desejasse, uma vez que vinha passar cinco minutos no salão da sra. de Saint-Euverte, e para aumentar a significação de sua gentileza, mostrar-se o mais amável possível. Mas tinha, por natureza, verdadeiro horror ao que chamava “os exageros” e queria mostrar que “não era obrigada” a entregar-se a manifestações que não condiziam com o “gênero” do círculo em que vivia, mas por outro lado não deixavam de impressioná-la, mercê desse espírito de imitação, próximo da timidez, que provoca nas pessoas mais seguras de si mesmas a ambiência de um meio novo, ainda que inferior. Começava a indagar consigo se aquela gesticulação não se coordenaria acaso com a peça que executavam e que talvez não se enquadrasse no gênero de música que até então ouvira, se abster-se não seria dar mostras de incompreensão no tocante à obra e de inconveniência para com a dona da casa: de sorte que, para expressar, num “arranjo amigável”, os sentimentos contraditórios, ora se limitava a erguer a alça em seu ombro ou firmar nos loiros cabelos as bolinhas de coral ou esmalte róseo, salpicadas de diamantes, que formavam um singelo e encantador penteado, enquanto examinava com fria curiosidade sua fogosa vizinha, ora, durante um instante, marcava o compasso com o leque, mas fora de tempo, para não abdicar de sua independência. Tendo o pianista terminado o trecho de Liszt e dado início a um prelúdio de Chopin, a sra. de Cambremer dirigiu à sra. de Franquetot um terno sorriso de competente satisfação e de alusão ao passado. Aprendera na mocidade a cariciar as frases, de longo colo sinuoso e desmesurado, de Chopin, tão livres, tão flexíveis, tão táteis, que começam procurando e sondando o seu lugar fora e muito longe do rumo de partida, muito longe do ponto onde se poderia esperar que se tocassem, e que só se distraem nesse fantasioso desvio para virem deliberadamente — num retorno mais premeditado, com precisão maior, como sobre um cristal que vibrasse até o grito — ferir-nos o coração.
     Como vivera no seio de uma família provinciana pouco relacionada, sem ir quase nunca a bailes, costumava inebriar-se, na solidão de sua casa, em moderar e precipitar a dança de todos aqueles pares imaginários, em espalhá-los como flores, deixando por um momento o baile para ouvir soprar o vento nos pinheiros à beira do lago, e ver ali de súbito aproximar-se, mais diferente de tudo que jamais se sonhou que fosse um enamorado neste mundo, um delgado jovem de voz um pouco cantante, estrangeira e falsa, de luvas brancas. Mas hoje parecia fanada a beleza daquela música fora de moda. Privada desde muitos anos da estima dos conhecedores, perdera o seu favor e o seu encanto, e mesmo aqueles cujo gosto deixava a desejar não achavam nela mais que um prazer inconfessado e medíocre.[2] A sra. de Cambremer lançou um olhar furtivo para trás. Sabia que a sua jovem nora (cheia de respeito por sua nova família, salvo no tocante às coisas do espírito, sobre as quais tinha luzes próprias, pois conhecia até harmonia e grego) desprezava Chopin e fazia-lhe mal ouvi-lo. Mas longe da vigilância daquela wagneriana que se achava mais além com um grupo de pessoas de sua idade, a sra. de Cambremer abandonava-se a impressões deliciosas. A princesa Des Laumes igualmente as sentia. Sem ser particularmente dotada para a música, recebera há quinze anos as lições que uma professora de piano do bairro de Saint-Germain, mulher de gênio que se vira na miséria ao fim da vida, tinha recomeçado a dar, na idade de setenta anos, às filhas de suas antigas alunas. Hoje estava morta. Mas seu método, seu belo timbre, renasciam às vezes sob os dedos de suas alunas, mesmo daquelas que se haviam tornado medíocres para o resto, que haviam abandonado a música e quase nunca abriam um piano. Assim pôde a sra. Des Laumes sacudir a cabeça, em pleno conhecimento de causa, numa justa apreciação da maneira como o pianista executava aquele prelúdio que ela sabia de cor. O fim da frase iniciada cantou por si mesmo em seus lábios. E ela murmurou: “É sempre delicioso”, com uma acentuação das sibilantes que era um sinal de refinamento e com que sentia os lábios tão romanticamente franzidos, como uma bela flor, que instintivamente harmonizou com eles o seu olhar, dando-lhe naquele momento uma espécie de sentimentalismo e de vago. Enquanto isso, considerava a sra. de Gallardon que era lamentável ter tão poucas ocasiões de encontrar a sra. Des Laumes, pois desejava dar-lhe uma lição, não respondendo ao seu cumprimento. Ignorava que a prima ali estivesse. Um movimento de cabeça da sra. de Franquetot lha revelou. Imediatamente a sra. de Gallardon precipitou-se para ela, incomodando a todo mundo; mas desejosa de conservar um ar altivo e glacial que lembrasse a todos que não desejava ter relações com uma pessoa em cuja casa poderia encontrar-se cara a cara com a princesa Mathilde, e a cujo encontro não tinha obrigação de ir, pois não se tratava de uma “contemporânea sua”, quis no entanto compensar aquele ar de altivez e reserva com alguma frase que justificasse o seu gesto e forçasse a princesa a travar conversação; assim, uma vez diante da prima, a sra. de Gallardon, com a fisionomia dura, a mão estendida como em uma obrigação a que não pudesse fugir, disse: “Como vai passando o teu marido”, com a mesma voz preocupada como se o príncipe estivesse gravemente enfermo. A princesa, em um riso muito seu e que era destinado, ao mesmo tempo, a mostrar aos outros que pouco se lhe dava certa pessoa e também a fazer-se mais bonita, concentrando os traços do rosto em torno da boca animada e do olhar brilhante, respondeu-lhe:

— Mas às mil maravilhas!

     E riu de novo. Então, empertigando o busto e amenizando a fisionomia, embora ainda inquieta com o estado do príncipe, disse a sra. de Gallardon a sua prima:

— Oriane (aqui a sra. Des Laumes olhou com um ar atônito e risonho para uma terceira pessoa invisível a quem parecia tomar como testemunha de que nunca autorizara a sra. de Gallardon a chamá-la pelo primeiro nome), estimaria muito que fosses amanhã à minha casa ouvir um quinteto com clarineta de Mozart. Desejaria a tua apreciação.

     E parecia não fazer um convite, mas pedir um serviço, e ter necessidade da opinião da princesa sobre o quinteto de Mozart, como se se tratasse de um prato preparado por uma nova cozinheira, sobre cujas aptidões lhe seria preciso ouvir o juízo de um gourmet.

— Mas eu conheço esse quinteto, posso dizer-te desde já que… gosto muito! 
— O meu marido não está muito bem, tu sabes, o fígado… teria grande prazer em ver-te — tornou a sra. de Gallardon, apresentando agora à princesa como uma obrigação de caridade o comparecimento à sua reunião. 

     A princesa não gostava de dizer às pessoas que não queria ir à casa delas. Diariamente expressava por escrito seu pesar de ter sido privada — por causa de uma visita inesperada da sogra, um convite do cunhado para a Ópera, uma excursão ao campo — de uma recepção à qual jamais pensara em comparecer. Dava assim a muitos a alegria de acreditarem que pertencia às suas relações, que com muito gosto teria ido a sua casa e só fora impedida pelos contratempos principescos que eles se sentiam lisonjeados em ver entrar em concorrência com suas festas. Pertencente àquele fino círculo dos Guermantes, onde sobrevivia algo desse espírito alerta, despojado de lugares-comuns e de sentimentos convencionais, que descende de Mérimée — e encontrou sua última expressão no teatro de Meilhac e Halévy —, ela o adaptava até as relações sociais, transportava-o até sua polidez, que procurava tornar positiva, precisa, muito próxima da humilde verdade. Não se alongava muito, para com uma dona de casa, na expressão do desejo que tinha de ir a sua reunião; achava mais amável expor-lhe alguns pequenos fatos de que dependeria seu comparecimento.

— Escuta, eu vou explicar-te — disse ela à sra. de Gallardon —, amanhã tenho de ir à casa de uma amiga com quem estou comprometida há muito. Se ela nos leva ao teatro, será impossível ir visitar-te, com a melhor boa vontade; mas se ficamos em casa dela, como sei que estaremos sozinhas, poderei deixá-la. 
— Já viste o teu amigo Swann? 
— Não, eu não sabia que estava aqui esse amor do Charles, vou fazer com que me veja. 
— É esquisito que ele venha à casa da nossa Saint-Euverte — disse a sra. de Gallardon. — Oh!, eu sei que ele é inteligente — acrescentou, querendo significar com isso intrigante —, mas não quer dizer nada, um judeu em casa da irmã e cunhada de dois arcebispos! 
— Confesso, para vergonha minha, que não me sinto escandalizada — disse a princesa Des Laumes. 
— Eu sei que ele é converso, e já os seus pais e avós. Mas dizem que os judeus conversos continuam mais apegados a sua religião que os outros, que tudo é uma farsa, não é verdade? 
— Careço de luzes a esse respeito. 

continua na página 218...
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Leia também:

Volume 1
No Caminho de Swann (III - um amor de swann, Voltou rapidamente a Swann - q)
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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[1] Filha de Jerôme Bonaparte e prima de Napoleão III, a princesa Mathilde (1820- 1904) recebia em sua casa as pessoas mais célebres do mundo artístico-literário, entre eles Flaubert, Sainte-Beuve, Taine e os Dumas. Em fevereiro de 1903, Proust publica um artigo no jornal Le Figaro falando de seu salão. [n. e.]
[2] A música de Chopin não estava em voga no fim do século. Só a partir de 1910,

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