Mulheres
Eduardo Galeano
026.
CONFISSÃO DO ARTISTA
Eu sei que ela é uma cor e um som. Se pudesse mostrá-la a você!
Dormia ali, nua, abraçando as próprias pernas. Eu amava nela a alegria de
animal jovem e ao mesmo tempo amava o pressentimento da decomposição,
porque ela havia nascido para desfazer-se e eu sentia pena que fôssemos
parecidos nisso. Mostrava a pele do ventre, que parecia raspada por um pente de
metal. Essa mulher! Algumas noites saía luz de seus olhos e ela não sabia.
Passo as horas procurando-a, sentado na frente do cavalete, mordendo os
punhos, com os olhos cravados numa mancha de tinta vermelha que parece ao
entusiasmo dos músculos e a tortura dos anos. Olho até sentir que meus olhos
doem e finalmente creio que começo a sentir, no escuro, as pulsações da pintura
crescendo e transbordando, viva, sobre a tela branca, e creio que escuto o ruído
dos pés descalços sobre a madeira do chão, sua canção triste. Mas não. Minha
própria voz avisa: “A cor é outra. O som é outro”.
Levanto, e cravo a espátula nessa víscera vermelha e rasgo a tela de cima
para baixo. Depois de matá-la, deito de boca para cima, arfando como um cão.
Mas não posso dormir. Lentamente vou sentindo que volta a nascer em mim
a necessidade de pari-la. Ponho o casaco e vou beber vinho nos botecos do porto.
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Galeano, Eduardo, 3 set 1940 - 13 abr 2015
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série._________________
Leia também:
Sarau... Mulheres: Amares
Sarau... Mulheres: Confissão do artista (Eduardo Galeano)
pag 036...
Las intrusas perturban una tranquila digestión del cuerpo de Dios
1979. Madrid
En una gran iglesia de Madrid, con misa especial se celebra el aniversario de la
independencia argentina. Diplomáticos, empresarios y militares han sido invitados
por el general Leandro Anaya, embajador de la dictadura que allá lejos se está
ocupando de asegurar la herencia de la patria, la fe y demás propiedades.
Bellas luces caen desde los vitrales sobre los rostros y vestimentas de señoras y
señores. En domingos como este, Dios es digno de confianza. Muy de vez en
cuando alguna tosecita decora el silencio, mientras el sacerdote va cumpliendo el
rito: imperturbable silencio de la eternidad, eternidad de los elegidos del Señor.
Llega el momento de la comunión. Rodeado de guardaespaldas, el embajador
argentino se acerca al altar. Se arrodilla, cierra los ojos, abre la boca. Pero ya se
despliegan los blancos pañuelos, ya los pañuelos están cubriendo las cabezas de las
mujeres que avanzan por la nave central y las naves laterales: las madres de Plaza
de Mayo caminan suavemente, algodonoso rumor, hasta rodear a los
guardaespaldas que rodean al embajador. Entonces lo miran fijo. Simplemente, lo
miran fijo. El embajador abre los ojos, mira a todas esas mujeres que lo están
mirando sin parpadear y traga saliva, mientras se paraliza en el aire la mano del
sacerdote con la hostia entre dos dedos.
Toda la iglesia está llena de ellas. De pronto en el templo ya no hay santos ni
mercaderes, ni nada más que una multitud de mujeres no invitadas, negras
vestiduras, blancos pañuelos, todas calladas, todas de pie.
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