segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Os Bruzundangas - OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS: Lei de Promoções

Os Bruzundangas


Lima Barreto

Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.


OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS


Lei de Promoções
(Crônica Militar)

     O QUE tem até agora regulado as promoções, quer no exército e armada, quer na polícia e guarda nacional, é o arbítrio, o capricho e a ignorância cega dos elementos da genesíaca cartesiana, que os metafísicos definem erroneamente como aplicação da álgebra à geometria.
     No semi-século genial e fecundo que medeou entre Descartes e Leibnitz, muita conquista útil foi obtida, no terreno da análise transcendente, mesmo antes da sua completa sistematização pelo gênio do último daqueles filósofos.
     No semi-século genial e fecundo que medeou entre Descartes e Leibnitz, muita conquista útil foi obtida, no terreno da análise transcendente, mesmo antes da sua completa sistematização pelo gênio do último daqueles filósofos.
     Fermat, Cavallieri, Roberval e outros muitos concorreram para o esta- belecimento definitivo do instrumento leibnitziano — uma imortal conquista científica, para obtenção da qual o espírito humano estava assaz maduro, tanto assim que Newton, pela mesma época, apresentou o seu cálculo das fluxões.
     Todo esse lento e paciente trabalho que absorveu o espírito de tantos grandes homens da Humanidade, obriga-nos a dispensar um culto acendrado à memória deles, por isso lhes cito aqui os nomes, ao lembrar as suas descobertas que muito lucraram com o rigor e a justiça das promoções nos batalhões dos colégios equiparados e linhas de tiro.
     Nestas unidades, o acesso ao posto imediato é determinado por um processo rigorosamente científico, de um rigor verdadeiramente astronômico.
     É preciso estendê-lo ao resto das forças armadas.
     Suponhamos um sargento que quer ser alferes. Pega-se o candidato e faz-se engolir a seguinte beberagem:

Ácido azótico .......................................... 5 g 
Oxalato de potássio ................................. 7 g 
Magnésia calcinada ................................. 3 g 
Bicloreto de mercúrio .............................. 2 g 
Água destilada ......................................... 100 g

     Deve-se dar ao paciente tudo isto de uma só vez. Se o sujeito não bater a bota, examinam-se as fezes com o papel tournesol, que, no caso de avermelhar-se, indica que o tipo pode ser alferes. No contrário, não.
     Isto não tem nada que ver com Leibnitz, nem com o seu cálculo infinitesimal; mas não me ficava bem deixar de citar o imortal filósofo e a sua magna obra, podendo, se assim não procedesse, ser confundido com um qualquer legislador metafísico e anarquizado, por aí, que não é senhor do saber integral da humanidade.
     A dosagem que indiquei, deve variar quando se tratar de polícias, guardas nacionais e oficiais de fazenda. Para os primeiros carregar no ácido azótico, para os segundos e terceiros, dobrar a dose de bicloreto de mercúrio.
     Com o emprego deste método que é rigorosamente científico, o governo pode ter, em breve, um corpo de oficiais perfeitamente selecionados pela Morte e um povoamento rápido e instantâneo dos cemitérios — o que, afinal, é o fim natural de todas as guerras a que os oficiais, sejam desta ou daquela corporação, são obrigados a servir com todos os riscos e vantagens.
     Há, porém, o método empírico que é mais humano e compatível com o grau de adiantamento a que chegou a nossa humanidade atualmente. Não há morte, nem sangue, nem bravura, nem salvas.
     Este método é muito usado na guarda nacional e poucas outras entidades (vocabulário do football) militares. Vamos ver em que consiste.
     Um tal método tem por princípio básico só admitir à promoção, oficiais que nunca tenham visto soldados, fortalezas, quartéis, etc.
     Por esse processo, estão fatalmente eliminados todos os oficiais que hajam servido em guarnições longínquas.
     O mais relevante conhecimento exigido, para as promoções de acordo com esse processo empírico, é o de uma perfeita sabedoria nas marcas de papel de ofícios, de grampos, colchetes e alfinetes, para papéis. Contam-se como ultrameritórios os serviços pacíficos em linhas telegráficas, em leitura de pluviômetros, em conversas com bugres filósofos e em construção de estradas de ferro que não acabam mais.
     Em caso de merecimento igual, entre os candidatos, promovido será o que tiver melhor “pistolão”.
     Para isso, o oficial precavido não se deve afastar da capital do país; e, nela, sempre cultivar a amizade de poderosos políticos e pessoas de seu amor e amizade; e é, por isso, que os oficiais que servem em guarnições longínquas, fronteiras, etc., não podem entrar na lista das promoções, determinação que se subentende nesse sistema empírico que a sabedoria dos tempos consagrou com alguns retoques.
     Não falei nas promoções nos bombeiros. Emendo a mão. Nos bombeiros — corporação reduzida — as promoções devem ser feitas em família. É o melhor
     O que acabo de dizer, são como o croquis das minhas ideias sobre promoções nas classes armadas, sendo que algumas não me pertencem propriamente, antes a todos os militares, suas mulheres, filhas e noivas. Eis aí.
     Capitão Ortiz y Valdueza (Do Exército da Bruzundanga).
     Reconheço a rubrica supra e a letra do Capitão Ortiz y Valdueza, do Corpo de Submarinos do Exército da República dos Estados Unidos da Bruzundanga.
     (Tenho o sinal público e, à margem, “grátis”), — O COPISTA.

Careta, Rio, 29-1-21.

Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: Lei de Promoções
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   Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
   Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
   O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
   Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional 
Departamento Nacional do Livro

* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.

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