Os Bruzundangas
Lima Barreto
Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.
OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS
Lei de Promoções
(Crônica Militar)O QUE tem até agora regulado as promoções, quer no exército e armada, quer na polícia e guarda nacional, é o arbítrio, o capricho e a ignorância cega dos elementos da genesíaca cartesiana, que os metafísicos definem erroneamente como aplicação da álgebra à geometria.
No semi-século genial e fecundo que medeou entre Descartes e Leibnitz, muita conquista útil foi
obtida, no terreno da análise transcendente, mesmo antes da sua completa sistematização pelo gênio do
último daqueles filósofos.
No semi-século genial e fecundo que medeou entre Descartes e Leibnitz, muita conquista útil foi
obtida, no terreno da análise transcendente, mesmo antes da sua completa sistematização pelo gênio do
último daqueles filósofos.
Fermat, Cavallieri, Roberval e outros muitos concorreram para o esta- belecimento definitivo do
instrumento leibnitziano — uma imortal conquista científica, para obtenção da qual o espírito humano
estava assaz maduro, tanto assim que Newton, pela mesma época, apresentou o seu cálculo das fluxões.
Todo esse lento e paciente trabalho que absorveu o espírito de tantos grandes homens da
Humanidade, obriga-nos a dispensar um culto acendrado à memória deles, por isso lhes cito aqui os
nomes, ao lembrar as suas descobertas que muito lucraram com o rigor e a justiça das promoções nos
batalhões dos colégios equiparados e linhas de tiro.
Nestas unidades, o acesso ao posto imediato é determinado por um processo rigorosamente
científico, de um rigor verdadeiramente astronômico.
É preciso estendê-lo ao resto das forças armadas.
Suponhamos um sargento que quer ser alferes. Pega-se o candidato e faz-se engolir a seguinte
beberagem:
Ácido azótico .......................................... 5 gOxalato de potássio ................................. 7 gMagnésia calcinada ................................. 3 gBicloreto de mercúrio .............................. 2 gÁgua destilada ......................................... 100 g
Deve-se dar ao paciente tudo isto de uma só vez. Se o sujeito não bater a bota, examinam-se as
fezes com o papel tournesol, que, no caso de avermelhar-se, indica que o tipo pode ser alferes. No
contrário, não.
Isto não tem nada que ver com Leibnitz, nem com o seu cálculo infinitesimal; mas não me ficava
bem deixar de citar o imortal filósofo e a sua magna obra, podendo, se assim não procedesse, ser
confundido com um qualquer legislador metafísico e anarquizado, por aí, que não é senhor do saber
integral da humanidade.
A dosagem que indiquei, deve variar quando se tratar de polícias, guardas nacionais e oficiais de
fazenda. Para os primeiros carregar no ácido azótico, para os segundos e terceiros, dobrar a dose de
bicloreto de mercúrio.
Com o emprego deste método que é rigorosamente científico, o governo pode ter, em breve, um
corpo de oficiais perfeitamente selecionados pela Morte e um povoamento rápido e instantâneo dos
cemitérios — o que, afinal, é o fim natural de todas as guerras a que os oficiais, sejam desta ou daquela
corporação, são obrigados a servir com todos os riscos e vantagens.
Há, porém, o método empírico que é mais humano e compatível com o grau de adiantamento a
que chegou a nossa humanidade atualmente. Não há morte, nem sangue, nem bravura, nem salvas.
Este método é muito usado na guarda nacional e poucas outras entidades (vocabulário do football)
militares. Vamos ver em que consiste.
Um tal método tem por princípio básico só admitir à promoção, oficiais que nunca tenham visto
soldados, fortalezas, quartéis, etc.
Por esse processo, estão fatalmente eliminados todos os oficiais que hajam servido em guarnições
longínquas.
O mais relevante conhecimento exigido, para as promoções de acordo com esse processo empírico,
é o de uma perfeita sabedoria nas marcas de papel de ofícios, de grampos, colchetes e alfinetes, para
papéis. Contam-se como ultrameritórios os serviços pacíficos em linhas telegráficas, em leitura de
pluviômetros, em conversas com bugres filósofos e em construção de estradas de ferro que não acabam
mais.
Em caso de merecimento igual, entre os candidatos, promovido será o que tiver melhor “pistolão”.
Para isso, o oficial precavido não se deve afastar da capital do país; e, nela, sempre cultivar a
amizade de poderosos políticos e pessoas de seu amor e amizade; e é, por isso, que os oficiais que
servem em guarnições longínquas, fronteiras, etc., não podem entrar na lista das promoções, determinação
que se subentende nesse sistema empírico que a sabedoria dos tempos consagrou com alguns retoques.
Não falei nas promoções nos bombeiros. Emendo a mão. Nos bombeiros — corporação reduzida
— as promoções devem ser feitas em família. É o melhor
O que acabo de dizer, são como o croquis das minhas ideias sobre promoções nas classes armadas,
sendo que algumas não me pertencem propriamente, antes a todos os militares, suas mulheres, filhas
e noivas. Eis aí.
Capitão Ortiz y Valdueza (Do Exército da Bruzundanga).
Reconheço a rubrica supra e a letra do Capitão Ortiz y Valdueza, do Corpo de Submarinos do
Exército da República dos Estados Unidos da Bruzundanga.
(Tenho o sinal público e, à margem, “grátis”), — O COPISTA.
Careta, Rio, 29-1-21.
continua na página 84...
Os Bruzundangas - Prefácio
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (a)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (b)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (c)
Os Bruzundangas - Capítulo I : Um grande financeiro
Os Bruzundangas - Capítulo II : A Nobreza de Bruzundanga
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Leia também:
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (a)
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Os Bruzundangas - Capítulo I : Um grande financeiro
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Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: Lei de Promoções
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Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
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MINISTÉRIO DA CULTURA
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Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.
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