volume II
À Sombra das Moças em Flor
Ao Redor da Sra. Swann
(j)
continuando...
Nesses dias em que devia sair com os Swann, ia à casa dela para o almoço, que a Sra. Swann apelidava lunch; como só era convidado para meio dia e meia e meus pais almoçavam às onze e quinze, era depois que eles saíam a hora em que eu me encaminhava para aquele bairro luxuoso, muito sozinho; mas, particularmente naquela hora, em que todo mundo se achava em casa comendo. Embora inverno e com o frio intenso, se fazia bom tempo eu passeava ao longo das avenidas esperando que fosse meio-dia e vinte e sete, ajeitando de vez em quando uma magnífica gravata da casa Charvet e examinando se minhas botas estavam envernizadas se não estavam se sujando. Via de longe, no jardinzinho dos Swann, o sol fazendo cintilar, como de geada, as árvores desnudas. É verdade que só tinha duas. A hora inusitada tornava novo o espetáculo. A esses prazeres da natureza (avivados pela supressão do hábito e até pela fome), misturava-se, a expectativa emocionante do almoço em casa da Sra. Swann, o que não diminuíra os prazeres, porém dominava-os, escravizava-os, transformava-os em acessórios mundanos; de modo que se, naquela hora em que de ordinário eu não os observasse sua existência, parecia-me descobrir o bom tempo, o frio, a luz invernal, era como um prefácio aos ovos com creme, como uma pátina, uma camada transparente e rósea aplicada ao revestimento daquela capela misteriosa que era a residência da Sra. Swann, em cujo seio se conservavam, ao contrário, tanto calor, tanto perfumes e flores.
Nesses dias em que devia sair com os Swann, ia à casa dela para o almoço, que a Sra. Swann apelidava lunch; como só era convidado para meio dia e meia e meus pais almoçavam às onze e quinze, era depois que eles saíam a hora em que eu me encaminhava para aquele bairro luxuoso, muito sozinho; mas, particularmente naquela hora, em que todo mundo se achava em casa comendo. Embora inverno e com o frio intenso, se fazia bom tempo eu passeava ao longo das avenidas esperando que fosse meio-dia e vinte e sete, ajeitando de vez em quando uma magnífica gravata da casa Charvet e examinando se minhas botas estavam envernizadas se não estavam se sujando. Via de longe, no jardinzinho dos Swann, o sol fazendo cintilar, como de geada, as árvores desnudas. É verdade que só tinha duas. A hora inusitada tornava novo o espetáculo. A esses prazeres da natureza (avivados pela supressão do hábito e até pela fome), misturava-se, a expectativa emocionante do almoço em casa da Sra. Swann, o que não diminuíra os prazeres, porém dominava-os, escravizava-os, transformava-os em acessórios mundanos; de modo que se, naquela hora em que de ordinário eu não os observasse sua existência, parecia-me descobrir o bom tempo, o frio, a luz invernal, era como um prefácio aos ovos com creme, como uma pátina, uma camada transparente e rósea aplicada ao revestimento daquela capela misteriosa que era a residência da Sra. Swann, em cujo seio se conservavam, ao contrário, tanto calor, tanto perfumes e flores.
Ao meio-dia e meia, eu me decidia, enfim, a entrar naquela casa, como um grande sapato
de Natal, parecia-me dever trazer prazeres sobrenaturais. Este nome de Natal era desconhecido
da Sra. Swann e de Gilberte, que o haviam substituído pelo de Christmas, e só falavam do pudim
de Christmas, e do que lhes haviam dado pelo seu Christmas, de ausentarem-se o que me
deixava louco de dor pelo Christmas. Mesmo em casa, eu me julgaria desonrado se falasse do
Natal e só dizia Christmas, o que meu pai achava extremamente ridículo.
Primeiro, eu apenas encontrava um lacaio que, depois de me fazer atravessar diversos
salões grandes, introduzia-me numa sala bem pequena, vazia, que já começava a sonhar com a
tarde azul de suas janelas; ficava sozinho em companhia das orquídeas, das rosas e das violetas,
que-semelhantes à pessoas que esperam ao nosso lado, mas não nos conhecem -mantinham um
silêncio que sua individualidade de coisas vivas tornava ainda mais impressionante e recebiam,
friorentamente, o calor de um fogo incandescente de carvão, sabiamente colocado detrás de uma
vitrine de cristal, em uma cuba de mármore branco, onde fazia cair, de vez em quando, seus
perigosos rubis.
Estava sentado, mas erguia-me com precipitação ao escutar a porta se abrir; era apenas
um segundo lacaio, depois um terceiro; o escasso resultado de suas idas e vindas inutilmente
emocionantes era colocar um pouco de carvão no fogo ou de água nos jarros. Iam-se, e eu me
encontrava de novo sozinho, uma vez fechada a porta que a Sra. Swann acabaria por abrir. E com
certeza ficaria menos perturbado em uma caverna mágica do que naquela salinha de espera,
onde o fogo me parecia proceder à transmutações, como no laboratório de Klingsor. Um novo
rumor de passos ressoou; não me ergui, devia ser outro lacaio, era o Sr. Swann.
- Como? Você está sozinho? Desculpe, minha pobre mulher nunca sabe as horas. Dez
para uma. Cada dia é mais tarde. Vai ver que ela chegará sem pressa, julgando estar adiantada.-
E como sofria de neurartritismo e tornara-se um tanto ridículo, ter uma mulher tão
impontual, que voltava do Bois muito tarde, que se esquecia na casa da costureira e nunca estava
em casa na hora do almoço, tudo isso inquietava Swann por causa de seu estômago, mas
lisonjeava-o em seu amor-próprio.
Mostrava-me as novas aquisições que fizera, explicando o interesse que possuíam; porém,
a emoção, aliada à falta de hábito de ainda estar em jejum àquela hora, sempre agitando meu
espírito, causava-lhe um vazio, de modo que, sendo capaz de falar não conseguia compreender.
Aliás, bastava para mim que as obras que Swann possuía estivessem localizadas em sua casa,
fizessem parte da hora deliciosa que precedia o almoço. A Gioconda, mesmo que ali se
encontrasse, não me teria dado maior satisfação que um chambre da Sra. Swann ou os seus
frascos de sais.
Continuava a esperar, sozinho ou com Swann e muitas vezes com Gilberte, que vinha nos
fazer companhia. A chegada da Sra. Swann, preparada por tantas majestosas parecia-me ser algo
de imenso. Prestava atenção em ruído. Mas a gente jamais acha tão altos quanto esperava uma
catedral, uma onda na tempestade, o salto de um bailarino; depois daqueles instantes - parecidos
com os figurantes cujo desfile prepara e, por isso mesmo, aparecimento final da rainha - a Sra.
Swann, entrando furtivamente de casaquinho de lontra, o véu descido sobre um nariz
avermelhado; e aquela entrada não sustentava as promessas prodigalizadas durante a espera à
minha imaginação.
Mas, se tivesse ficado a manhã inteira em casa, ao entrar no salão vestida com um
peignoir de crepe da China, de cor clara, que me parecia mais elegante que todos os vestidos.
Às vezes, os Swann optavam por ficar em casa a tarde toda. Tínhamos almoçado muito
tarde, eu via bem depressa, no muro do jardim declinar o sol daquele dia que me parecera ser
diferente dos outros; por mais que os criados trouxessem lampiões de todas as formas e
tamanhos quase ardendo no altar consagrado de um consolo; de uma mesa-de-pé; uma
"cantoneira", ou de uma mesinha, como para a celebração de um desconhecido culto e nada de
extraordinário surgia na conversa e eu ia embora desiludido como ficamos muitas vezes na
infância após a Missa do Galo.
Mas aquele desapontamento era apenas espiritual. Eu ficava saltando de alegria naquela
casa em que Gilberte, quando ainda não estava conosco, ia entrar num instante, durante horas, a
sua palavra, seu olhar atento e risonho como visto pela primeira vez em Combray. Quando muito,
ficava um pouco triste ao vê-la desaparecer com frequência em grandes quartos aos quais se via
uma escada interna. Obrigado a ficar no salão, como o apaixonado por uma atriz, que só tem a
sua poltrona na plateia e imagina inquieto o que se passa nos bastidores, no foyer dos artistas; fiz
à Swann, a respeito dessa outra parte da casa perguntas sabiamente veladas, mas com um tom
no qual não pude deixar que transparecesse uma certa ansiedade. Ele me explicou que a peça
para a qual Gilberte ia era a rouparia; ofereceu-se para mostrá-la e me prometeu que as vezes
que Gilberte tivesse de ir para lá, a obrigaria me levar junto. Por estas palavras e a tranquilidade
que me deram, Swann suprimiu de chofre uma dessas distâncias interiores horríveis em cujo
termo uma mulher a qual amamos nos parece tão longínqua. Naquele momento, senti por Swann
um carinho que julguei mais profundo do que o que dedicava à Gilberte. Pois ele, dava-me o amor
de sua filha, ao passo que ela se recusava às vezes, e eu não tinha diretamente sobre ela o
mesmo domínio que, indiretamente, tinha através de Swann. Ademais amava-a, e não podia em
consequência vê-la sem essa perturbação, sem esse desejo de algo superior, que retira, junto à
criatura que se ama, a sensação de amar.
Mas em geral, na maioria das vezes, não ficávamos em casa, saíamos pra passear. Às
vezes, antes de ir se vestir, a Sra. Swann sentava-se ao piano. As mãos, saindo das mangas
róseas ou brancas, muitas vezes de cores vivas do seu chambre de crepe da China, alongavam
as falanges sobre o teclado com a mesma melancolia que estava em seus olhos, mas não no
coração. Foi num desses dias que lhe ocorreu tocar para mim o trecho da Sonata de Vinteuil onde
se acha a pequena frase que Swann amara tanto. Mas, as mais das vezes não se entendia nada,
pois é uma música meio complicada para quem ouve pela primeira vez. Entretanto, quando mais
tarde me foi tocada duas ou três vezes esta sonata, achei que a conhecia perfeitamente. Assim,
não é errado dizer "ouvir pela primeira vez". Se a gente, de fato, como julga, não entendeu nada
na primeira audição, a segunda e a terceira seriam outras tantas primeiras e não haveria razão
para que se compreenda algo a mais na décima. Provavelmente, o que falta na primeira vez não é
a compreensão, e sim a memória. Pois a nossa, relativamente à complexidade das impressões
com que se defronta enquanto ouvimos, é ínfima, tão breve quanto a memória de um homem que,
ao dormir, pensa mil coisas que logo esquece, ou de um homem meio reduzido à infância, que
não se recorda no minuto seguinte daquilo que acabamos de lhe dizer. A memória não é capaz de
nos fornecer imediatamente a lembrança dessas impressões múltiplas. Mas esta lembrança se
forma pouco a pouco na memória e, no tocante às obras que ouvimos duas ou três vezes,
estamos como o colegial que releu diversas vezes antes de dormir um ponto que achava não
saber e o recita de cor na manhã seguinte. Apenas, eu ainda não ouvira aquela sonata até esse
dia, e onde Swann e sua mulher viam uma frase distinta, esta se achava tão longe de minha
percepção nítida quanto um nome que a gente procura recordar e em cujo lugar só se encontra o
vazio absoluto, vazio do qual, uma hora mais tarde, sem que se pense nelas, brotam por si
mesmas, de um só golpe, as sílabas antes solicitadas em vão. E não apenas a gente não retém
de imediato as obras verdadeiramente raras, porém até no íntimo de cada uma delas; isto me
aconteceu no caso da Sonata de Vinteuil - são as partes menos preciosas que percebemos em
primeiro lugar. De modo que eu não me enganava apenas ao pensar que a obra não me
reservava mais nada (o que fez com que eu ficasse muito tempo sem procurar ouvi-la) tão logo a
Sra. Swann executou a frase mais famosa (eu era tão estúpido a esse respeito como aqueles que
já não esperam ter surpresas diante da igreja de São Marcos, em Veneza, porque a fotografia lhes
fez saber a fama de seus domos). Muito mais, porém; mesmo quando ouvi a sonata do princípio
ao fim, ela me permaneceu quase totalmente invisível, como um monumento do qual a bruma ou
a distância não deixam perceber senão partes diminutas. Daí a melancolia que se liga ao
conhecimento de tais obras, como a tudo que se realiza no tempo. Quando o que era o mais
oculto na Sonata de Vinteuil se desvelou pra mim, então, arrastado pelo hábito para fora da minha
sensibilidade, começava a escapar-me, a fugir-me, o que eu distinguira e preferira da primeira
vez. Por só ter podido amar em tempos sucessivos tudo aquilo que a sonata me trazia, nunca, fui
à ela completamente: ela assemelhava-se à vida. Porém, menos enganosas que a estas grandes
obras-primas não começam por doar o que possuem de melhor. Na Sonata de Vinteuil, as belezas
que se descobrem mais rapidamente também, as que cansam mais cedo e sem dúvida pela
mesma razão, elas diferem menos daquilo que já se conhece. Mas, quando estas são arejadas,
resta-nos amar a tal frase, cuja ordenação, por mais nova que seja para oferecer a nosso espírito
nada além de confusão, a mantivera indiscernível e conservara intacta; então, ela, diante da qual
passávamos todos os dias sem o saber e sequer pelo poder de sua exclusiva beleza se tornara
invisível e permanece desconhecida, ela nos chega por último. Mas também a deixaremos por
último. Iremos amá-la durante muito mais tempo que às outras, pois teremos levado tempo até
amar. Ademais, esse tempo de que precisa um indivíduo - como foi preciso a respeito dessa
Sonata - para penetrar numa obra um pouco profunda e súmula; é como que o símbolo dos anos,
por vezes dos séculos, que antes que o público possa amar uma obra-prima verdadeiramente
nova. Talvez seja por isso que o homem de gênio, para evitar as incompreensões da turba; como
visto faltar aos contemporâneos a necessária distância, as obras escritas para a posteridade só
deveriam ser lidas por ela na posteridade, tal como certas pinturas que incorretamente são vistas
muito de perto. Mas na realidade, toda precaução de evitar os falsos julgamentos é inútil, eles não
podem ser evitados. O motivo de uma obra de gênio ser admirada de imediato é que aquele que
escreveu é extraordinário; poucas pessoas se lhe assemelham. Sua própria obra que, fecundando
os raros espíritos capazes de compreendê-la, os fará multiplicar. Foram os próprios quartetos de
Beethoven (os de número XII a XV) que levaram cinquenta anos para fazer nascer e crescer o
público dito de Beethoven, realizando assim, como todas as obras-primas, um progresso senão
do valor dos artistas, pelo menos na sociedade dos espíritos, hoje composta daquilo que era
impensável quando a obra-prima apareceu à criaturas capazes de amá-la. O que denominamos
posteridade, é a posteridade da obra. É necessário que a obra (não levando em conta, para
simplificar, que na mesma época podem, paralelamente, preparar para o futuro o público do qual
os outros gênios se beneficiarão) crie ela mesma a sua posteridade. Se, no entanto, a obra era
mantida em segredo, e se fosse apenas conhecida na posteridade, esta, quanto a tal obra, não
seria a posteridade e sim uma de contemporâneos que simplesmente tivessem vivido cinquenta
anos. Assim, é preciso que o artista - e era o que havia feito Vinteuil -, se quer que sua obra possa
seguir seu caminho, lance-a, onde houver bastante profundidade, à pleno e longínquo futuro. No
entanto, se não tem em conta esse tempo a vir, verdadeira perspectiva das obras-primas, se não
levá-lo em conta é o erro dos maus juízes, levá-lo é por vezes o perigoso escrúpulo dos bons.
Sem dúvida, é fácil imaginar-se por uma ilusão análoga à que uniformiza todas as coisas no
horizonte, que todas as revoluções ocorridas até agora na pintura ou na música respeitavam
todavia algumas regras; e o que está imediatamente diante de nós, impressionismo, procurada
dissonância, emprego exclusivo da gama chinesa, cubismo, futurismo, difere de modo ultrajante
daquilo que o precedeu. É que aquilo que o precedeu é considerado sem levar em conta que uma
longa assimilação o converteu para nós numa matéria variada, sem dúvida, mas afinal de contas
homogênea, onde Victor Hugo se avizinha de Moliére. Imaginemos apenas os disparates
chocantes que nos apresentariam, se não levássemos em conta o tempo vindouro e as mudanças
que ele acarreta, determinado horóscopo de nossa própria idade madura feito diante de nós
durante a nossa adolescência. Apenas, nenhum horóscopo é verdadeiro e somos obrigados, no
caso de uma obra de arte, a computar em sua beleza o fator tempo mesclado ao nosso
julgamento algo tão casual e, por isso, tão desprovido de interesse verdadeiro como toda profecia
cuja não-realização não implicará de forma alguma a mediocridade de espírito do profeta, pois o
que chama à existência as possibilidades, ou dela as exclui, não é forçosamente da competência
do gênio; pode-se ter tido gênio e não haver acreditado nas estradas de ferro; nem nos aviões,
ou, sendo grande psicólogo, na falsidade de uma amante ou de um amigo, cujas traições os mais
medíocres conseguiram prever.
Se não compreendi a sonata, fiquei encantado por ouvir a Sra. Swann tocar. Seu toque me
parecia, como seu peignoir, como o perfume de sua escada, como seus mantôs, como os
crisântemos, fazer parte de um todo individual e misterioso, num mundo infinitamente superior
àquele em que a razão pode analisar o talento. - Não é bela mesmo esta Sonata de Vinteuil? -
observou Swann. - É o momento em que anoitece sobre as árvores, em que os arpejos do violino
espalham o frescor. Confesse que é bem bonito; aí vemos todo o lado estático do luar, que é o
lado essencial. Não é nada extraordinário que um cuidado de luz como o que segue minha mulher
reaja sobre os músculos, visto que o luar impede as folhas de se mexerem. É isto que está tão
bem pintado nessa pequena frase, é o Bois de Boulogne em estado de catalepsia. À beira-mar é
ainda mais surpreendente, porque há fracas respostas das vagas que a gente ouve naturalmente
muito bem, visto que o resto já não pode se mover. Em Paris é o contrário; quando muito, notam-se esses clarões insólitos sobre os monumentos, o céu iluminado como por um incêndio sem
cores e sem perigo, esse tipo de imenso fait-divers adivinhado. Mas na pequena frase de Vinteuil
e, aliás, em toda a Sonata, não se cuida disso. Tudo se passa no Sois; no grupo ouve-se
distintamente a voz de alguém que diz:-"Quase se poderia ler um jornal."
Estas palavras de Swann teriam podido falsear, para mais tarde, a minha compreensão da
sonata, pois a música é bem pouco exclusiva para afastar de modo absoluto aquilo que se sugira
que vejamos nela. Mas, por outras palavras de Swann, compreendi que essas folhagens noturnas
eram pura e simplesmente como as árvores que combinaram sob cuja espessura, em muitas
noites e em vários restaurantes das proximidade de Paris, ele ouvira a pequena frase. Em vez do
sentido profundo que ele tantas vezes lhe pedira, o que ela trazia a Swann eram essas folhagens
enroladas e pintadas ao redor dela (e que a frase lhe dava o desejo de reviver; parecia o seu ser
interior, como uma alma), era toda uma primavera que pudera desfrutar outrora, não sendo
nervoso e magoado como era naquele bem-estar suficiente para tal, e que ela lhe guardara (como
se guarda do enfermo, bons pratos que ele não pôde comer). Os encantos que certas Bois lhe
haviam dado e sobre os quais a Sonata de Vinteuil podia lhe informar; não poderia, a tal respeito,
interrogar Odette, que no entanto o acompanhava na pequena frase. Mas Odette estava apenas a
seu lado na ocasião (e não como o motivo de Vinteuil) e, portanto, nada teria visto – embora mil
vezes mais compreensiva -, o que para nenhum de nós (pelo menos julguei por muito tempo;
regra que não tinha exceções) se pode exteriorizar.
- No fundo é muito bonito mesmo - disse Swann - que o som possa refletir, como a água,
ou como um espelho reflete, não é verdade?
Repare que a frase de Vinteuil só me mostrava aquilo a que eu não prestava atenção
naquele tempo. De minhas preocupações, de meus amores dessa época não me recorda mais
nada; fez uma troca.
- Charles, parece-me que não é nada para mim tudo o que estás dizendo. - Nada amável! -
Como não? As mulheres são tremendas! Queria dizer simplesmente a este rapaz que o que se vê
na música mostra - pelo menos pra mim -, o que não significa de maneira alguma a "Vontade em
si" e a "Síntese do infinito"; senão, por exemplo, o velho Verdurin de redingote no Palmariumd da
Aclimação. Mil vezes sem sair deste salão, a pequena frase me levou para jantar em
Armenonville. Meu Deus, sempre é menos aborrecido comparecer com a Sra. de Cambremer.
A Sra. Swann se pôs a rir:
- É uma senhora que passa por ter sido muito apaixonada por Charles - explicou-me, com o
mesmo tom em que, pouco antes, falando de Vermeer de Delft me contestou espantando-se por
não o conhecer. Respondera:
- E lhe digo que o Sr. Swann se ocupava muito do pintor à época em que me cortejava.
Não é, meu querido Charles?
- Não fale a torto e a direito da Sra. de Cambremer - disse Swann, que no fundo se sentia
lisonjeado.
- Mas não faço mais que repetir o que me disseram. Aliás, ela é muito inteligente, não a
conheço. Considero-a muito pushing, o que me espanta numa mulher inteligente. Mas todos
dizem que ela foi louca por ti e não tem nada de ofensivo.
Swann conservou um mutismo de surdo, uma espécie de confirmação e uma prova de
fatuidade.
- Já que o quer recorda o Jardim da Aclimação - continuou a Sra. Swann, fingindo-se
zangada com o gracejo. - poderíamos torná-lo como objetivo do nosso passeio, se gosta disto o
menino. O tempo está magnífico e você poderia reencontrar suas mais preciosas lembranças. A
propósito do Jardim da Aclimação, você sabe que este rapaz, pensava que gostávamos muito de
uma pessoa que, pelo contrário, evitamos cumprimentá-la sempre, é a Sra. Blatin! Acho muito
humilhante para nós que ela passe por ser amiga. Imagine que o próprio Dr. Cottard, que nunca
fala mal de pessoa alguma, diz que ela é infecta!
- Que horror! Ela só tem a seu favor o fato de se parecer extraordinariamente a Savonarola.
É exatamente o retrato de Savonarola por Fra Bartolomeo.
continua na página 45...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
À Sombra das Moças em Flor (Ao Redor da Sra. Swann - j)
Volume 3Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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