quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Os Bruzundangas - Capítulo X: Força Armada

Os Bruzundangas


Lima Barreto

Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.

Capítulo X

Força Armada

     NA Bruzundanga não existe absolutamente força armada. Há, porém, cento e setenta e cinco generais e oitenta e sete almirantes. Além disto, há quatro ou cinco milheiros de oficiais, tanto de terra como de mar, que se ocupam em fazer ofícios nas repartições. O fim principal dessas repartições, no que toca ao Exército, é estudar a mudança de uniformes dos mesmos oficiais. Os grandes costureiros de Paris não têm tanto trabalho em imaginar modas femininas como os militares da Bruzundanga em conceber, de ano em ano, novos fardamentos para eles.
     Quando não lhes é possível de todo mudá-los, reformam o feitio do boné ou do calçado. É assim que já usaram os oficiais do Exército de lá, coturnos, borzeguins, sandálias, sabots e aquilo que nós chamamos aqui — tamancos.
     Entretanto, o Exército da Bruzundanga merece consideração, pois tem boas qualidades que desculpam esses pequenos defeitos. É às vezes abnegado e quase sempre generoso, e eu, que vivi entre os seus oficiais muito tempo, tendo tido muitas questões com eles, posso dizer que jamais os supus tão tolerantes. Foi, no que me toca, um traço que, além de me surpreender, me cativou imensamente. Demais, apesar de toda e qualquer presunção que se lhes possa atribuir, eles têm sempre um sincero respeito pelas manifestações da inteligência, partam elas de onde partirem.
     O mesmo não se pode dizer da Marinha. Ela é estritamente militar e os seus oficiais julgam-se descendentes dos primeiros homens que saíram de Pamir. Não há neles a preocupação de constante mudança de fardamento; mas há a de raça, para que a Bruzundanga não seja envergonhada no estrangeiro possuindo entre os seus oficiais de mar alguns de origem javanesa. Os mestiços de javaneses, entretanto, têm dado grandes inteligências ao país, e muitas.
     A Marinha da Bruzundanga, porém, com muito pouco entra para o inventário intelectual da pátria que ela diz representar no estrangeiro com os seus navios paralíticos.
     Se, de fato, lá houvesse Marinha, podia-se dizer que era mantida pelo povo da Bruzundanga para gáudio e alegria dos países estranhos.
     As principais produções dos arsenais de guerra do país são brinquedos aperfeiçoados; e os da Marinha são muito estimados na nação pela perfeição das redes de pescaria que lhe saem dos estaleiros.
     Uma das curiosidades da Armada daquele país é a indolência tropical dos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em não andar.
     Enfim, a força armada da Bruzundanga é a cousa mais inocente deste mundo. Em face dela, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamente ridículo.

Os Bruzundangas - Capítulo X: Força Armada
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   Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
   Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
   O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
   Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional 
Departamento Nacional do Livro

* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.

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