Os Bruzundangas
Lima Barreto
Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.
OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS
Rejuvenescimento
(Crônica Militar)“Todas as medidas esperadas para resolver o problema do rejuvenescimento dos quadros do Exército, das discutidas no Congresso, não conseguiram sair do campo das discussões.
Rejuvenescer os quadros não significa somente melhorar o futuro dos oficiais; é concorrer para
que não reine o desânimo, para que seja mantido o ardor profissional.
Não é possível esperar dum oficial que moireja de seis a oito anos em cada posto, que ele tenha
sempre o mesmo entusiasmo, que a própria idade consegue arrefecer.
E com a idade vem naturalmente a diminuição do vigor físico exigido para o desempenho do
árduo trabalho de oficial de tropa.”
É ASSIM que se exprime sabiamente um jornal desta cidade. Estamos de pleno acordo com as opiniões do nosso colega diário; mas julgamos, no nosso humilde parecer, que ele só encara uma face do problema. É nossa opinião que essa questão de rejuvenescimento, é uma questão geral e interessa, não só aos militares, como também a outras classes da sociedade.
Que ardor profissional pode ter um carpinteiro que tem cinquenta anos de idade e trabalha no
ofício desde os dezesseis?
A sua obra há de se ressentir da fadiga dos seus músculos cansados e do desinteresse que traz a
monotonia de fazer durante anos a mesma tarefa. A sociedade perde muito com isso, pois os seus
trabalhos não terão a perfeição que havia nos que executava com trinta anos de vida.
Seria inútil repetir exemplos como este, pois eles estão aí aos pontapés, para mostrar o quanto é
indispensável decretar medidas que rejuvenesçam os quadros de todas as profissões.
Para as funções públicas, inclusive as militares, já o célebre filósofo político-militar dinamarquês,
Hans Reykavyk propôs dous métodos para obter o remoçamento dos quadros:
Um, aparente meramente, e de origem feminina; o segundo substancial e rigorosamente científico.
O primeiro método se baseia nas pinturas, pomadas e massagens. Não há negar que o seu emprego,
quando executado por operador hábil, dá ao indivíduo que a ele se sujeita a aparência de mocidade; mas
é só aparência e não restitui a quantidade de força vital que o indivíduo perdeu com o correr dos anos.
De resto, ele ia levar para a caserna hábitos de camarim de atriz.
A guerra em si mesma nada tem de teatral; só acham essa cousa nela os pintores de batalhas que
recebem encomendas dos governos, e os literatos da moda.
A guerra em si é uma cousa brutal e horrendamente ignóbil; a única consideração que rege a
batalha, se há uma, está na cabeça de quem a dirige, e isto não é matéria para tela, nem para páginas
literárias, mas notas e riscos numa carta topográfica, em escala conveniente com convenções adequadas.
Além disto, introduzindo hábitos teatrais no viver guerreiro, iria isso perturbar a ação dos
combatentes, diminuir-lhes a eficiência com a suposição de que deviam tomar belas atitudes, para
obter o aplauso da galeria, distraindo-lhes do verdadeiro objetivo de sua ação que é dar cabo do inimigo,
por fas ou nefas.
Esse sistema de academia de beleza não pode ser adotado, sendo essa também a conclusão a que
chega, depois de exaustiva análise, o grande filósofo dinamarquês que nos guia nestas despretensiosas
notas.
Resta o método científico que se estriba na psicologia experimental e é corrigido pela sociologia
transcendente.
Não posso transcrever aqui todas as considerações que precedem a exposição que o Senhor Hans
Reykavyk faz desse método.
Bastará dizer-lhes que, depois de expor fatos concretos em abundância, ele estabelece o postulado
de que o general deve ser moço; de menos de trinta anos, pois é nessa idade que os homens têm o
máximo de iniciativa.
Saído das escolas militares o oficial será logo general, ganhando como tenente, depois irá descendo
de graduação, de forma a chegar aos sessenta como tenente, ganhando como general.
Eis em linhas gerais o plano de rejuvenescimento dos quadros de oficiais militares, a que chega o
ilustre Reykavyk, após uma análise detalhada das conclusões da psicologia experimental,
convenientemente corrigidas pela sociologia transcendente.
Além de outras vantagens, tem este método a de fazer que os tenentes deixem, por morte, para as
viúvas, filhos, filhas, genros e netos um montepio que porá estes a coberto de todas as necessidades —
montepio de general.
Pelo seu caráter geral e abstrato, com as necessárias modificações, ele pode aplicar-se, não só a
todas as corporações militares, como também a quaisquer outras civis, estipendiadas pelo governo.
Não é preciso mais dizer, a fim de pôr em evidência o grande alcance do sistema do pensador
dinamarquês e chamar para ele a atenção do legislativo brasileiro.
Creio que, fazendo isso, cumpro um dos deveres da missão militar de que me acho incumbido no
Brasil.
Capitão Ortiz y Valdueza, do corpo de Submarinos dos Estados Unidos da Bruzundanga.
Pela tradução do “bengali”.—Lima Barreto — (Tradutor público ad-hoc).
Careta, Rio, 19-3-1921.
continua na página 85...
Os Bruzundangas - Prefácio
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (a)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (b)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (c)
Os Bruzundangas - Capítulo I : Um grande financeiro
Os Bruzundangas - Capítulo II : A Nobreza de Bruzundanga
_________________
Leia também:
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (a)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (b)
Os Bruzundangas - Capítulo especial: Os Samoiedas (c)
Os Bruzundangas - Capítulo I : Um grande financeiro
Os Bruzundangas - Capítulo II : A Nobreza de Bruzundanga
Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: Rejuvenescimento
Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: No Salão da Marquesa
_________________
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
_________________
MINISTÉRIO DA CULTURA
MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário