terça-feira, 19 de novembro de 2024

Os Bruzundangas - OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS: Rejuvenescimento

Os Bruzundangas


Lima Barreto

Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.


OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS


Os Bruzundangas


Lima Barreto

Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís.


OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS


Rejuvenescimento
(Crônica Militar)


“Todas as medidas esperadas para resolver o problema do rejuvenescimento dos quadros do Exército, das discutidas no Congresso, não conseguiram sair do campo das discussões.
Rejuvenescer os quadros não significa somente melhorar o futuro dos oficiais; é concorrer para que não reine o desânimo, para que seja mantido o ardor profissional.
Não é possível esperar dum oficial que moireja de seis a oito anos em cada posto, que ele tenha sempre o mesmo entusiasmo, que a própria idade consegue arrefecer.
E com a idade vem naturalmente a diminuição do vigor físico exigido para o desempenho do árduo trabalho de oficial de tropa.”

     É ASSIM que se exprime sabiamente um jornal desta cidade. Estamos de pleno acordo com as opiniões do nosso colega diário; mas julgamos, no nosso humilde parecer, que ele só encara uma face do problema. É nossa opinião que essa questão de rejuvenescimento, é uma questão geral e interessa, não só aos militares, como também a outras classes da sociedade.
     Que ardor profissional pode ter um carpinteiro que tem cinquenta anos de idade e trabalha no ofício desde os dezesseis?
     A sua obra há de se ressentir da fadiga dos seus músculos cansados e do desinteresse que traz a monotonia de fazer durante anos a mesma tarefa. A sociedade perde muito com isso, pois os seus trabalhos não terão a perfeição que havia nos que executava com trinta anos de vida.
     Seria inútil repetir exemplos como este, pois eles estão aí aos pontapés, para mostrar o quanto é indispensável decretar medidas que rejuvenesçam os quadros de todas as profissões.
     Para as funções públicas, inclusive as militares, já o célebre filósofo político-militar dinamarquês, Hans Reykavyk propôs dous métodos para obter o remoçamento dos quadros:
     Um, aparente meramente, e de origem feminina; o segundo substancial e rigorosamente científico.
     O primeiro método se baseia nas pinturas, pomadas e massagens. Não há negar que o seu emprego, quando executado por operador hábil, dá ao indivíduo que a ele se sujeita a aparência de mocidade; mas é só aparência e não restitui a quantidade de força vital que o indivíduo perdeu com o correr dos anos.
     De resto, ele ia levar para a caserna hábitos de camarim de atriz.
     A guerra em si mesma nada tem de teatral; só acham essa cousa nela os pintores de batalhas que recebem encomendas dos governos, e os literatos da moda.
     A guerra em si é uma cousa brutal e horrendamente ignóbil; a única consideração que rege a batalha, se há uma, está na cabeça de quem a dirige, e isto não é matéria para tela, nem para páginas literárias, mas notas e riscos numa carta topográfica, em escala conveniente com convenções adequadas.
     Além disto, introduzindo hábitos teatrais no viver guerreiro, iria isso perturbar a ação dos combatentes, diminuir-lhes a eficiência com a suposição de que deviam tomar belas atitudes, para obter o aplauso da galeria, distraindo-lhes do verdadeiro objetivo de sua ação que é dar cabo do inimigo, por fas ou nefas.
     Esse sistema de academia de beleza não pode ser adotado, sendo essa também a conclusão a que chega, depois de exaustiva análise, o grande filósofo dinamarquês que nos guia nestas despretensiosas notas.
     Resta o método científico que se estriba na psicologia experimental e é corrigido pela sociologia transcendente.
     Não posso transcrever aqui todas as considerações que precedem a exposição que o Senhor Hans Reykavyk faz desse método.
     Bastará dizer-lhes que, depois de expor fatos concretos em abundância, ele estabelece o postulado de que o general deve ser moço; de menos de trinta anos, pois é nessa idade que os homens têm o máximo de iniciativa.
     Saído das escolas militares o oficial será logo general, ganhando como tenente, depois irá descendo de graduação, de forma a chegar aos sessenta como tenente, ganhando como general.
     Eis em linhas gerais o plano de rejuvenescimento dos quadros de oficiais militares, a que chega o ilustre Reykavyk, após uma análise detalhada das conclusões da psicologia experimental, convenientemente corrigidas pela sociologia transcendente.
     Além de outras vantagens, tem este método a de fazer que os tenentes deixem, por morte, para as viúvas, filhos, filhas, genros e netos um montepio que porá estes a coberto de todas as necessidades — montepio de general.
     Pelo seu caráter geral e abstrato, com as necessárias modificações, ele pode aplicar-se, não só a todas as corporações militares, como também a quaisquer outras civis, estipendiadas pelo governo.
     Não é preciso mais dizer, a fim de pôr em evidência o grande alcance do sistema do pensador dinamarquês e chamar para ele a atenção do legislativo brasileiro.
     Creio que, fazendo isso, cumpro um dos deveres da missão militar de que me acho incumbido no Brasil.
     Capitão Ortiz y Valdueza, do corpo de Submarinos dos Estados Unidos da Bruzundanga.
     Pela tradução do “bengali”.—Lima Barreto — (Tradutor público ad-hoc).

Careta, Rio, 19-3-1921.

Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: Rejuvenescimento
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   Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
   Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
   O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
   Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional 
Departamento Nacional do Livro

* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.

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