quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Os Bruzundangas - OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS: No Salão da Marquesa

Os Bruzundangas


Lima Barreto

Hais tous maux où qu’ils soient, très doux Fils.
Joinville. São Luís

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OUTRAS HISTÓRIAS DOS BRUZUNDANGAS


No Salão da Marquesa

     NA República da Bruzundanga, nunca houve grande gosto pelas coisas de espírito. A atividade espiritual daquelas terras se limita a uns doutorados de sabedoria equívoca; entretanto, alguns espíritos daquele Fonkim se esforçavam por dar um verniz espiritual à sociedade da terra. Escreviam livros e folhetos, revistas e revistecas, de modo que, artificialmente, o país tinha uma certa atividade espiritual.
     Notavam todos a falta de salas literárias, de salões espirituais, tais aqueles que tanto brilho deram ao século XVIII francês, revelando não só grandes escritores e filósofos, mas também espíritos femininos que, pela sua graça, pelo seu talento de penetração, muito distinguiram o sexo amável, antes desse feminismo truculento e burocrático que anda por aí.
     Consciente desta falta, a Marquesa de Borós, uma senhora de alta estirpe e não menos alta inteligência, tomou o alvitre de fundar um salão literário.
     Ela residia em um grande palácio que se dependurava sobre a cidade capital, do alto de uma verdejante colina; e nele, em certas e determinadas tardes reunia os intelectuais do país.
     Em começo, recebeu alguns de valia; mas, bem depressa, os fariseus e simuladores de talento tomaram conta da sala.
     A sua delicadeza e a sua bondade se vira obrigada a receber toda essa chusma de mediocridades que, sem ter talento nem vocação, se julgam literatos e artistas, como se se tratasse de condecorações e títulos fornecidos pelo presidente da República do Cunany.
     A esse pessoal, acompanhou o equivalente feminino; e era de ver como Cathos fazia pendant ao farmacêutico Homais; Madelon ao gramático Vaugelas; e Filaminta ao artista Pèlerin.
     Uma sociedade, ou antes: este salão começou a dominar a atividade espiritual do país; e não havia recompensa do esforço intelectual em que ele não se metesse e até pusesse o seu veto.
     O parecer dele era sempre sobremodo néscio e tolo.
     Para uns, ele opinava:

— O Jagodes receber prêmio — qual! Um filho natural! Não é possível!

     Para outros, ele sentenciava:

— Não julgo o Fagundes digno de figurar no Grêmio Literário Nacional... Ele não bebe champagne!

     A propósito destoutro, ele dogmatizava:

— O Bustamante não pode receber a medalha. É verdade que ele tem merecimento; mas veste-se muito mal...

     Essa opinião acabava de ser pronunciada pelo ilustre literato Manuel das Regras, cuja obra por ser desconhecida era de alto valor, quando, num canto da sala, foi visto um sujeito malvestido, relaxado, sujo mesmo, com um todo de homem de outros tempos.
     Todos se entreolharam com certo medo, apesar do estranho não ter nenhum ar de existência sobrenatural.
     Um mais animoso resolveu-se a falar ao intruso:

— Quem é o senhor?!
— Eu! Eu sou Francisco II, rei da Prússia.

     E toda aquela miudeza de gente escafedeu-se por todas as portas e janelas da sala.

Careta, Rio, 5-11-21.

Os Bruzundangas - Outras Histórias dos Bruzundangas: No Salão da Marquesa
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   Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, sete anos antes da assinatura da Lei Áurea. Um homem negro que trabalhando como jornalista, valeu-se de uma linguagem objetiva e informal, mais tarde valorizada por seus contemporâneos e pelos modernistas, para relatar o cotidiano dos bairros pobres do Rio de Janeiro como poucos…
   Definida pelo próprio autor como “militante”, sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desse tema é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.
   O livro “Os Bruzundangas” de Lima Barreto só foi publicado em 1923 após sua morte. A obra é uma coletânea de crônicas onde o autor satiriza uma nação fictícia chamada Bruzundanga, que assim como vários países reais, está impregnado de corrupção, nepotismo, injustiça e crueldade.
   Com estilo ágil e zombaria, Lima Barreto critica as relações de interesse, os privilégios da nobreza e das oligarquias rurais, a desigualdade, as transações ilícitas, o uso de propina e tantas outras mazelas que destoem uma nação. Ao desfrutar da leitura desse livro você terá a sensação de que o autor descortinou como seria nossa política atual de forma satírica e real.
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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional 
Departamento Nacional do Livro

* Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord foi um político e diplomata francês. Ele ocupou em quatro ocasiões diferentes o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros e também foi o primeiro Primeiro-Ministro da França entre julho e setembro de 1815 sob Luís XVIII depois da restauração francesa.

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