sábado, 1 de novembro de 2025

Moby Dick: 38 - O crepúsculo

Moby Dick

Herman Melville

38 -  O crepúsculo
 
     [ Junto ao mastro principal; Starbuck apoiando-se nele.]

     Minha alma foi mais do que desafiada; foi subjugada; e por um louco! Oh, tormento insuportável, ter a sanidade de depor as armas em tal campo! Mas ele penetrou até o fundo e me despojou de toda a razão! Creio compreender seu objetivo ímpio, mas sinto também que devo ajudá-lo. Queira ou não, algo inexprimível uniu-me a ele; reboca-me com um cabo que com nenhuma faca consigo cortar. Velho horroroso! Quem está acima dele, ele brada a si mesmo; – sim, seria um democrata em relação a seus superiores; mas veja como domina todos os que estão abaixo! Oh! Vejo claramente meu triste papel obedecer, revoltado; e pior ainda, odiar com um toque de compaixão! Porque em seus olhos vejo uma desgraça sombria, que me destruiria, caso a sentisse. Mas ainda há esperança. Mar e dia me são guias. Aquela baleia odiada tem toda a circunferência do mundo das águas para nadar, como o peixinho dourado tem o seu aquário. Seu propósito ofensivo aos céus, Deus ainda pode extirpá-lo. Esta ideia elevaria meu coração, se não estivesse pesado como chumbo. Mas todo o meu relógio está parado; meu coração, pêndulo que tudo regula, não tenho o estímulo para dar-lhe novo impulso.

 [Ouve-se um barulho de festa no castelo de proa.]

     Ai, meu Deus! Navegar com uma tripulação pagã, que dá tão poucas mostras de ter tido uma mãe! Paridos em um lugar qualquer deste mar de tubarões. A Baleia Branca é sua rainha demoníaca. Ouçam! As orgias infernais! A festa está à frente! Observem o silêncio absoluto à popa! Creio ser um retrato da vida. À frente, no mar radiante, a proa avança alegre, divertindo-se, pronta para o combate, mas apenas para arrastar o sombrio Ahab atrás dela, onde fica ruminando, em sua cabine na popa, construída sobre o rastro de água morta e, além disso, assombrada por barulhos ferozes. O infindável uivo me dá calafrios! Silêncio! Vocês, foliões, não se esqueçam da vigília! Ai, vida! É numa hora dessas, quando a alma abatida se torna mais perspicaz – que somos obrigados a aceitar as coisas desordenadas e descomedidas – Ai, vida! É agora que sinto seu horror latente! Mas não sou eu! Esse horror está fora de mim! Com os sentimentos humanos que estão em mim, vou tentar lutar contra vocês, sombrios, fantasmagóricos acontecimentos futuros! Ó! Fiquem ao meu lado, me deem amparo, me protejam, influências abençoadas!

Continua na página 166...
______________________

Leia também:

Moby Dick: Etimologia, Excertos, Citações
Moby Dick: 1  - Miragens
Moby Dick: 38 - O crepúsculo
________________________

Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melvillesobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,
O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.
O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.
A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura.


E você com o quê se identifica?

Nenhum comentário:

Postar um comentário