quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Hannah Arendt - Origens do Totalitarismo: Parte III Totalitarismo (Uma sociedade sem classes 1[a]- As Massas)

Origens do Totalitarismo

Hannah Arendt

Parte III 
TOTALITARISMO

Os homens normais não sabem que tudo é possível. 
David Rousset 

Uma Sociedade Sem Classes
     1 - As Massas
          Nada caracteriza melhor os movimentos totalitários em geral — e principalmente a fama de que desfrutam os seus líderes — do que a surpreendente facilidade com que são substituídos. Stálin conseguiu legitimar-se como herdeiro político de Lênin à custa de amargas lutas intrapartidárias e de vastas concessões à memória do antecessor. Já os sucessores de Stálin procuraram substituí-lo sem tais condescendências, embora ele houvesse permanecido no poder por trinta anos e dispusesse de uma máquina de propaganda, desconhecida ao tempo de Lênin, para imortalizar o seu nome. O mesmo se aplica a Hitler, que durante toda a vida exerceu um fascínio que supostamente cativava a todos,[1] e que, depois de derrotado e morto, está hoje tão completamente esquecido que mal representa alguma coisa, mesmo entre os grupos neofascistas e neonazistas da Alemanha. Essa impermanência tem certamente algo a ver com a volubilidade das massas e da fama que as tem por base; mas seria talvez mais correto atribuí-la à essência dos movimentos totalitários, que só podem permanecer no poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem movimento a tudo o que os rodeia. Assim, até certo ponto, essa impermanência é um testemunho lisonjeiro para os líderes mortos, pois significa que conseguiram contaminar os seus súditos com aquele vírus especificamente totalitário que se caracteriza, entre outras coisas, pela extraordinária adaptabilidade e falta de continuidade. Donde se conclui que pode ser errado presumir que a inconstância e o esquecimento das massas signifiquem estarem curadas da ilusão totalitária, vez por outra identificada com o culto a Hitler ou a Stálin: a verdade pode ser exatamente o oposto.
     Seria um erro ainda mais grave esquecer, em face dessa impermanência, que os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre "comandam e baseiam-se no apoio das massas".[2] A ascensão de Hitler ao poder foi legal dentro do sistema majoritário,[3] e ele não poderia ter mantido a liderança de tão grande população, sobrevivido a tantas crises internas e externas, e enfrentado tantos perigos de lutas intrapartidárias, se não tivesse contado com a confiança das massas. Isso se aplica também a Stálin. Nem os julgamentos de Moscou nem a liquidação do grupo de Rohm teriam sido possíveis se essas massas não tivessem apoiado Stálin e Hitler. A crença generalizada de que Hitler era simplesmente um agente dos industriais alemães e a de que Stálin só venceu a luta sucessória depois da morte de Lênin graças a uma conspiração sinistra são lendas que podem ser refutadas por muitos fatos e, acima de tudo, pela indiscutível popularidade dos dois líderes.[4] Não se pode atribuir essa popularidade ao sucesso de uma propaganda magistral e mentirosa que conseguiu arrolar a ignorância e a estupidez. Pois a propaganda dos movimentos totalitários, que precede a instauração dos regimes totalitários e os acompanha, é invariavelmente tão franca quanto mentirosa, e os governantes totalitários em potencial geralmente iniciam suas carreiras vangloriando-se de crimes passados e planejando cuidadosamente os seus crimes futuros. Os nazistas "estavam convencidos de que o mal, em nosso tempo, tem uma atração mórbida";[5] os bolchevistas diziam não reconhecer os padrões morais comuns, e esta afirmação, feita dentro e fora da Rússia, tornou-se um dos pilares da propaganda comunista; e a experiência demonstrou que o valor propagandístico do mal e o desprezo geral pelos padrões morais independem do interesse pessoal que se supõe ser o fator psicológico mais poderoso na política.
     A atração que o mal e o crime exercem sobre a mentalidade da ralé não é novidade. Para a ralé, os "atos de violência podiam ser perversos, mas eram sinal de esperteza".[6] Mas o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo dos seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abaladas por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da pressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrário: para o assombro de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que o seu status como membro do movimento permaneça intacto.[7]  Seria ingênuo pensar que essa obstinada convicção, que sobrevive a toldas as experiências reais e anula todo interesse pessoal, seja mera expressão de idealismo ardente. O idealismo, tolo ou heroico, nasce da decisão e da convicção individuais, mas forja-se na experiência.[8] O fanatismo dos movimentos totalitários, ao contrário das demais formas de idealismo, desaparece no momento em que o movimento deixa em apuros os seus seguidores fanáticos, matando neles qualquer resto de convicção que possa ter sobrevivido ao colapso do próprio movimento.[9] Mas, dentro da estrutura organizacional do movimento, enquanto ele permanece inteiro, os membros fanatizados são inatingíveis pela experiência e pelo argumento; a identificação com o movimento e o conformismo total parecem ter destruído a própria capacidade de sentir, mesmo que seja algo tão extremo como a tortura ou o medo da morte.
     Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas — e não as classes, como o faziam os partidos de interesses dos Estados nacionais do continente europeu, nem os cidadãos com suas opiniões peculiares quanto à condução dos negócios públicos, como o fazem os partidos dos países anglo-saxões. Todos os grupos políticos dependem da força numérica, mas não na escala dos movimentos totalitários, que dependem da força bruta, a tal ponto que os regimes totalitários parecem impossíveis em países de população relativamente pequena,[10]  mesmo que outras condições lhes sejam favoráveis. Depois da Primeira Guerra Mundial, uma onda antidemocrática e pró-ditatorial de movimentos totalitários e semi totalitários varreu a Europa: da Itália disseminaram-se movimentos fascistas para quase todos os países da Europa central e oriental (os tchecos — mas não os eslovacos — foram uma das raras exceções); contudo, nem mesmo Mussolini, embora useiro da expressão "Estado totalitário", tentou estabelecer um regime inteiramente totalitário,[11] contentando-se com a ditadura unipartidária. Ditaduras não-totalitárias semelhantes surgiram, antes da Segunda Guerra Mundial, na Romênia, Polônia, nos Estados bálticos (Lituânia e Letônia), na Hungria, em Portugal e, mais tarde, na Espanha. Os nazistas, cujo instinto era infalível para discernir essas diferenças, costumavam comentar com desprezo as falhas dos seus aliados fascistas, ao passo que a genuína admiração que nutriam pelo regime bolchevista da Rússia (e pelo Partido Comunista da Alemanha) só era igualada e refreada por seu desprezo em relação às raças da Europa Oriental.[12] O único homem pelo qual Hitler sentia "respeito incondicional" era "Stálin, o gênio",[13] e, embora no caso de Stálin e do regime soviético não possamos dispor (e provavelmente nunca venhamos a ter) a riqueza de documentos que encontramos na Alemanha nazista, sabemos, desde o discurso de Khrushchev perante o Vigésimo Congresso do Partido Comunista, que também Stálin só confiava num homem, e que esse homem era Hitler.[14]
     Em todos esses países menores da Europa, movimentos totalitários precederam ditaduras não-totalitárias, como se o totalitarismo fosse um objetivo demasiadamente ambicioso, e como se o tamanho do país forçasse os candidatos a governantes totalitários a enveredar pelo caminho mais familiar da ditadura de classe, ou de partido. Na verdade, esses países simplesmente não dispunham de material humano em quantidade suficiente para permitir a existência de um domínio total — qualquer que fosse — e as elevadas perdas populacionais decorrentes da implantação de tal sistema.[15] Sem muita possibilidade de conquistar territórios, os ditadores desses pequenos países eram obrigados à moderação, sem a qual corriam o risco de perder os poucos súditos de que dispunham. Por isto, também o nazismo, antes do início da guerra, ficou tão aquém do seu similar russo em matéria de coerência e crueldade, uma vez que nem sequer o povo alemão era suficientemente numeroso para permitir o completo desenvolvimento dessa nova forma de governo. Somente se tivesse vencido a guerra, a Alemanha teria conhecido um governo totalitário completo; e podem-se avaliar e vislumbrar os sacrifícios a que isso teria levado não apenas as "raças inferiores", mas os próprios alemães, através dos planos de Hitler que ficaram para a posteridade.[16] De qualquer modo, foi só durante a guerra, de pois que as conquistas do Leste forneceram grandes massas e tornaram possíveis os campos de extermínio, que a Alemanha pôde estabelecer um regime verdadeiramente totalitário. (O regime totalitário encontra ambiente assustadoramente favorável nas áreas de tradicional despotismo oriental como a índia ou a China, onde existe material humano quase inesgotável para alimentar a máquina de poder e de destruição de homens que é o domínio total, e onde, além disso, o sentimento de superfluidade do homem da massa — um fenômeno inteiramente novo na Europa, resultado do desemprego em massa e do crescimento populacional dos últimos 150 anos — prevalece há séculos no desprezo pela vida humana.) A moderação ou métodos menos sangrentos de domínio não se deviam tanto ao receio dos governos de que pudesse haver rebelião popular: resultaram de uma ameaça muito mais séria: o despovoamento de seus próprios países. Somente onde há grandes massas supérfluas que podem ser sacrificadas sem resultados desastrosos de despovoamento é que se torna viável o governo totalitário, diferente do movimento totalitário.
     Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política. As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores. Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto.

Parte III Totalitarismo (Uma sociedade sem classes 1[a]- As Massas)
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[1] O "feitiço" com que Hitler dominava os seus ouvintes foi reconhecido muitas vezes, e recentemente pelos editores de ffitlers Tischgespràche, Bonn, 1951 (Hitler's table talks, edição americana, Nova York, 1953; citações da edição original alemã). Esse fascínio — "o estranho magnetismo que Hitler irradiava com tanta força" — era devido "à crença fanática que ele tinha em si mesmo" (introdução de Gerhard Ritter, p. 14), em sua competência sobre qualquer assunto, e no fato de que qualquer parecer que emitisse — fosse a respeito dos efeitos nocivos do fumo ou sobre a política de Napoleão — sempre podia ser incluído numa ideologia que pretendia abranger todas as coisas do mundo. O fascínio é um fenômeno social, e o fascínio que Hitler exercia sobre o seu ambiente deve ser definido em termos daqueles que o rodeavam. A sociedade tende a aceitar uma pessoa pelo que ela pretende ser, de sorte que um louco que finja ser um gênio sempre tem certa possibilidade de merecer crédito, pelo menos no início. Na sociedade moderna, com a sua falta de discernimento, essa tendência é ainda maior, de modo que uma pessoa que não apenas tem certas opiniões, mas as apresenta num tom de inabalável convicção, não perde facilmente o prestígio, não importa quantas vezes tenha sido demonstrado o seu erro. Hitler descobriu que o inútil jogo entre as várias opiniões e "a convicção (...) de que tudo é conversa fiada" (p. 281) podia ser evitado se se aderisse a uma das muitas opiniões correntes com "inflexível consistência". A arbitrariedade de tal atitude exerce um forte fascínio sobre a sociedade porque lhe permite salvar-se da confusão de opiniões que ela mesma constantemente produz. Esse "dom" do fascínio, no entanto, tem importância apenas social. Em Tischgespràche Hitler estava envolvido num jogo social, falando não aos da sua espécie, mas aos generais da Wehrmacht, dos quais todos pertenciam à "sociedade". Seria, porém, errôneo acreditar que os sucessos de Hitler se baseassem em seu "poder de fascínio"; se fosse só por isso, nunca teria passado de figura de proa dos círculos sociais.
[2] Ver as esclarecedoras observações de Carlton J. H. Hayes sobre "The novelty of totali-tarianism in the history of Western civilization", em Symposium on the totalitarian state, 1939, Proceedings of the American Philosophical Society, Filadélfia, 1940, vol. LXXXII.
[3] Tratava-se "da primeira grande revolução da história realizada com a aplicação da lei existente no momento da tomada do poder" (Hans Frank, Recht und Verwaltung, 1939, p. 8).
[4] O melhor estudo de Hitler e da sua carreira é a biografia de Hitler por Alan Bullock, Hitler, a study in tyranny, Londres, 1952. Segundo a tradição inglesa da biografia política, o autor emprega meticulosamente todas as fontes disponíveis e dá uma visão completa do ambiente político contemporâneo. Com esta publicação, as excelentes obras de Konrad Heiden — principalmente Der Fuehrer: Hitler's rise to power, Boston, 1944 — foram superadas, embora continuem sendo importantes para a interpretação geral dos acontecimentos. No tocante à carreira de Stálin, uma obra fundamental é ainda Stalin: a criticai survey ofBolshevism, Nova York, 1939, de Boris Sou-varine. Isaac Deutscher, Stalin: apolitical biography, Nova York e Londres, 1949, é indispensável pela rica documentação e grande conhecimento das lutas internas do partido bolchevista; peca pela comparação de Stálin a Cromwell, Napoleão e Robespierre.
[5] Franz Borkenau, The totalitarian enemy, Londres, 1940, p. 231.
[6] Citado da edição alemã dos "Protocolos dos sábios do Sião": Die Zionistischen Proto-kolle mit einem Vor-undNachwort von Theodor Fritsch, 1924, p. 29.
[7] Essa é, na verdade, uma especialidade do totalitarismo russo. É interessante observar que nos primeiros julgamentos de engenheiros estrangeiros da União Soviética a simpatia pelo comunismo era usada para induzir a pessoa à autoacusação: "Durante todo o tempo as autoridades insistiam em que devia confessar haver cometido atos de sabotagem dos quais não era culpado. Recusei-me. Disseram-me: 'Se és a favor do governo soviético, como afirmas, prova-o pelos teus atos; o governo precisa da tua confissão'". Relatado por Anton Ciliga, The Russian enigma, Londres, 1940, p. 153. 
Trótski nos deu uma justificativa teórica para esse tipo de conduta: "Só podemos ter razão com o Partido e através dele, pois a história não nos concede outra forma de certeza. Os ingleses têm um ditado, 'Minha pátria, certa ou errada'. (...) Temos um motivo histórico muito melhor para dizer que o partido, certo ou errado em certos casos individuais, é o meu partido" (Souvarine, op. cit., p. 362). 
Por outro lado, os oficiais do Exército Vermelho que não pertenciam ao movimento eram julgados a portas fechadas.
[8] O autor nazista Andreas Pfenning rejeita explicitamente a idéia de que a SA estivesse lutando por um "ideal" ou fosse motivada por uma "experiência idealista". "A experiência básica [dos homens da SA] ocorreu no decorrer da luta." (Em "Gemeinschaft und Staatswissenschaft" [Comunidade e ciência do Estado], publicada na revista Zeitschrift für die gesamte Staatswissen-schaft, vol. 96. Tradução citada de Ernst Fraenkel, The dual state, Nova York e Londres, 1941, p. 92.) Vê-se, aliás, do extenso material impresso pelo Hauptamt-Schulungsamt, principal centro de doutrinação da SS, que a palavra "idealismo" foi cuidadosamente evitada. Não se exigia idealismo dos membros da SS, mas "perfeita consistência lógica em todas as questões de ideologia e o prosseguimento impiedoso da luta política" (Werner Best, Die deutsche Polizei, 1941, p. 99). 
[9] A esse respeito, a Alemanha do pós-guerra oferece muitos exemplos esclarecedores. O fato de que as tropas negras americanas não foram, de modo algum, recebidas com hostilidade, a despeito da maciça doutrinação racial levada a cabo pelos nazistas, já é bastante interessante. De modo igualmente surpreendente, a Waffen-SS "não lutou até o último homem", e os componentes dessa unidade especial, "cujos sacrifícios ultrapassaram de longe os da Wehrmacht, se comportavam nas últimas semanas de guerra como qualquer unidade militar composta de civis" (Karl O. Paetel: "Die SS", em: Vierteljahresheftefür Zeitgeschichte, janeiro de 1954). 
[10] Excluam-se dessa afirmativa os governos da Europa oriental dominados por Moscou, pois eles governam em beneficio de Moscou e atuam como agentes do Comintern, sendo exemplos do alastramento do movimento totalitário dirigido por Moscou, não de criações nativas. A única exceção parece ter sido Tito, da Iugoslávia, que pôde romper com Moscou não apenas por perceber que os métodos totalitários inspirados pela Rússia lhe custariam o apoio da população, mas por estar longe do alcance do Exército Vermelho.
[11] Uma prova da natureza não-totalitária da ditadura fascista é o número surpreendentemente pequeno de criminosos políticos, e as sentenças relativamente suaves que lhes eram aplicadas Durante os anos de I926 à 1932, em que foram particularmente ativos, os tribunais especiais para julgamento dos criminosos políticos pronunciaram sete sentenças de morte, 257 sentenças de dez ou mais anos de prisão, 1.360 de menos de dez anos, e muitos outros mais foram exilados; 12 mil pessoas foram presas e julgadas inocentes, o que seria inconcebível nas condições do terror nazista ou bolchevista. Ver E. Kohn-Bramstedt, Dictatorship and political police: the technique ofcontrolbyfear, Londres, 1945, pp. 51 ss.
[12] Os teóricos políticos do nazismo sempre afirmaram enfaticamente que "o 'estado ético' de Mussolini e o 'Estado ideológico' [Weltanschauungsstaat] de Hitler não podem ser mencionados no mesmo fôlego" (Gottfried Neesse, "Die verfassungsrechtliche Gestaltung der Ein-Partei", em Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft, 1938, vol. 98). Disse Goebbels acerca da diferença entre o fascismo e o nacional-socialismo: "[O fascismo] é (...) completamente diferente do nacional-socialismo. Enquanto este último desce até as raízes, o fascismo é superficial" (The Goebbels diaries 1942-1943, ed. por Louis Lochner, Nova York, 1948, p. 71). "[O Duce] não é um revolucionário como o Führer ou Stálin. Está tão preso ao povo italiano que lhe faltam as amplas qualidades de um revolucionário em escala mundial" (ibid., p. 468).
Himmler expressou a mesma opinião num discurso pronunciado em 1943 numa Conferência de Oficiais Comandantes: "O fascismo e o nacional-socialismo são fundamentalmente diferentes, (...) não há absolutamente nenhuma comparação entre eles como movimentos espirituais e ideológicos". (Ver Kohn-Bramstedt, op. cit., apêndice A.) 
Por outro lado, ainda no começo da década de 20, Hitler reconheceu a afinidade entre os movimentos nazista e comunista: "Em nosso movimento, os dois extremos se tocam: os comunistas da esquerda e os oficiais e estudantes da direita. Esses sempre foram os dois elementos mais ativos. (...) Os comunistas foram os idealistas do socialismo". (Ver Heiden, op. cit., p. 147.) Rohm, o chefe da SA, apenas repetia uma opinião corrente quando escreveu, no fim da década de 20: "Muito nos separa dos comunistas, mas respeitamos a sinceridade de sua convicção e sua disposição de fazer sacrifícios em benefício da própria causa, e isto nos une a eles" (Ernst Rohm, Die Geschichte eines Hochverràters [A história de um traidor], 1933, Volksausgabe, p. 273). 
Durante a guerra, os nazistas reconheceriam os russos como seus pares com mais facilidade do que qualquer outra nação. Falando em maio de 1943, Hitler "começou mencionando o fato de que, nesta guerra, a burguesia e os Estados revolucionários se confrontam. Para nós tem sido fácil condenar os Estados burgueses, pois são bastante inferiores a nós em sua educação e atitude. Os países que têm uma ideologia ostentam uma vantagem sobre os Estados burgueses (...) [No Leste] encontramos um oponente que também alimenta uma ideologia, embora errada" (Goebbels diaries, p. 355). Essa opinião baseava-se em considerações ideológicas, não-militares. Gottfried Neesse, Partei und Staat [Partido e Estado], 1936, oferece-nos a versão oficial da luta do movimento pelo poder, quando escreve: "Para nós, a frente unida do sistema abrange desde o Partido Nacional do Povo Alemão [i. e., a extrema-direita] até os social democratas. O Partido Comunista é um inimigo fora do sistema. Por isto, quando, nos primeiros meses de 1933, a morte do sistema já estava decretada, ainda nos restava travar uma batalha decisiva contra o Partido Comunista" (p. 76).
[13] Hitlers Tischgespràche, p. 113. Nessa obra encontramos ainda numerosos exemplos que demonstram que, ao contrário de certas lendas do pós-guerra, Hitler nunca pretendeu defender "o Ocidente" contra o bolchevismo, mas sempre esteve disposto a unir-se aos "vermelhos" para destruir o Ocidente, mesmo durante a luta contra a União Soviética. Ver especialmente pp. 95, 108, 113 ss., 158, 385.
[14] Sabemos hoje que Stálin foi repetidamente advertido quanto ao iminente ataque de Hitler à União Soviética. Mesmo quando o adido militar soviético em Berlim o informou quanto ao dia do ataque nazista, Stálin recusou-se a crer que Hitler violaria o tratado. (Ver Speech on Stálin de Khrushchev, texto distribuído pelo Departamento de Estado norte-americano, New York Times, 5 de junho de 1956.)
[15] A seguinte informação, relatada por Souvarine, op. cit., p. 669, constitui importante exemplo: "Segundo W. Krivitsky, cuja excelente fonte de informes confidenciais é a GPU: 'Em lugar dos 171 milhões de habitantes estimados para 1937, só foram recenseados 145 milhões; assim, não se conseguem encontrar 30 milhões de pessoas na União Soviética". Como se sabe, só a liquidação dos kulaks, no início da década de 30, havia custado perto de 8 milhões de vidas. Ver Communism in action, U. S. Government, Washington, 1946, p. 140.
[16]  Parte desses planos relativa ao extermínio de povos não-germânicos, principalmente dos eslavos, pode ser encontrada no Bréviaire de Ia haine, de Léon Poliakov, Paris, 1951, cap. 8. Um projeto de lei de saúde do Reich, escrito pelo próprio Hitler, mostra que a máquina de destruição nazista não se teria detido nem mesmo diante do povo alemão. Nesse projeto, ele propõe "isolar" do resto da população todas as famílias que tenham casos de moléstias do coração ou do pulmão, sendo que o próximo passo nesse programa era, naturalmente, a liquidação física. Este e vários outros projetos preparados para depois da vitória estão contidos numa circular aos líderes distritais (Kreisleiter) de Hesse-Nassau, sob a forma de relatório de uma discussão, havida no quartel-general doFührer, sobre "medidas que deviam ser adotadas antes (...) e depois da vitória". Ver a coleção de documentos em Nazi conspiracy and aggression, Washington, 1946, et seq., vol. VII, p. 175. Neste contexto, há ainda a planejada promulgação de uma "legislação global quanto a estranhos", por meio da qual a "autoridade institucional" da polícia promoverá o embarque para os campos de concentração de pessoas inocentes de quaisquer crimes (Paul Werner, SS-Standartenführer, em Deutsches Jugendrecht, vol. 4, 1944).
Com relação a essa "política de população negativa", que, no seu objetivo de extermínio, positivamente se iguala aos expurgos no partido bolchevista da década de 30, é importante lembrar que "neste processo de seleção não deve haver nenhuma solução de continuidade" (Himmler, "Die Schutztaffel" [O Esquadrão de Proteção — ou seja, a unidade SSl, em Grundlagen Aufbau und Wirtschaftsordnung des nationalsozialistischen Staates [Fundamentos, estrutura e ordem econômica do Estado nacional-socialista], n? 7b). "A luta do Führer e do seu partido fora uma seleção que até agora não tinha sido atingida. (...) Esta seleção e esta luta foram ostensivamente realizadas em 30 de janeiro de 1933. (...) O Führer e sua velha guarda sabiam que o verdadeiro esforço apenas havia começado." (Robert Ley, Der Weg zur Ordensburg [O caminho para a liderança], o. D. Verlag der Deutsçhen Arbeitsfront. Livro fora de comércio).

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