sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Moby Dick: 40 - Meia-noite, Castelo de Proa

 Moby Dick

Herman Melville

ARPOADORES E MARINHEIROS
40 -  Meia-noite, Castelo de Proa
      [Ergue-se o traquete e surgem os homens da vigília em pé, reclinados, encostados e deitados em várias posições, todos cantando em coro.]

Saudações e adeus, senhoras espanholas!
Saudações e adeus, senhoras de Espanha!
Comanda o nosso capitão -

1º MARINHEIRO DE NANTUCKET

     Ora, rapazes, não sejam sentimentais; faz mal à digestão! Tomem um tônico, sigam-me! [Canta, e todos o acompanham.]

O nosso capitão está no convés,
Com o seu binóculo na mão,
Contemplando as baleias garbosas
Que sopram em toda a região.

Os barris nos botes, rapazes,
Perto das braçadeiras é o seu lugar,
Algumas dessas belas baleias
Iremos juntos pegar!

Sempre alegres, rapazes! Que não vos falte veia!
Quando os bons arpoadores golpearem a baleia!

VOZ DO PILOTO NO TOMBADILHO
     Oito badaladas, aí! Na proa!

2º MARINHEIRO DE NANTUCKET
     Chega de coro! Oito badaladas, aí! Ouviste, sineiro? Bate o sino oito vezes, tu aí, Pip! Neguinho! E me deixa chamar o vigia. Tenho uma boca boa para isso – uma boca de barril. Assim (enfia a cabeça pela escotilha) P-A-R-A-O-C-O-N-V-É-S, ó, de bordo! Oito badaladas aí embaixo! Para cima!

MARINHEIRO HOLANDÊS
     Grande soneca esta noite, parceiro; noite boa pra isso. Percebi no vinho do velho Grão-Mogol; dá fraqueza em uns, levanta outros. A gente canta; eles dormem sim, deitados aí, parecem uma fileira de barricas no chão. Pra cima deles, de novo! Isso, pega essa bomba de cobre e chama esses caras. Diz pra eles que chega de sonhar com as namoradas. Diz pra eles que é a ressurreição; que devem dar o último beijo e vir ao julgamento. É o jeito – é o jeito; não estragaste tua garganta comendo manteiga de Amsterdã.

MARINHEIRO FRANCÊS
      Ei! rapazes! Vamos dançar um pouco, antes de ancorarmos na baía de Blanket. Que tal? Lá vem o outro vigia. Todos de pé! Pip! Pequeno Pip! Dá hurras com esse teu pandeiro!

PIP
[Mal-humorado e sonolento.]
     Não sei onde ele tá.

MARINHEIRO FRANCÊS
     Bate nessa tua barriga, então, e sacode essas orelhas. Vamos dançar, rapazes; repito, a palavra é alegria; hurra! Que diabos, não quereis dançar? Formai a fila indiana, galopai para a escotilha! Animai-vos! Pernas! Pernas!

MARINHEIRO ISLANDÊS
     Não gosto do teu chão, parceiro; é muito riscado pro meu gosto. Estou acostumado com pistas de gelo. Desculpe jogar um balde d’água nesse assunto.

MARINHEIRO MALTÊS
     Eu também; onde estão as moças? Só um bobo tomaria sua mão esquerda pela direita e diria a si mesmo – e aí? Um par! Preciso de um par!

MARINHEIRO SICILIANO
     Sim; moças, e um pouco de grama! – Só assim posso pular com vocês; é isso aí, feito um gafanhoto!

MARINHEIRO DE LONG ISLAND
      Pois é, gente rabugenta; há muitos mais além de nós. Olha – grão só se planta quando precisa. Todas as pernas logo, logo irão para a colheita. Ah! A música! Vamos!

MARINHEIRO AÇORIANO
[Subindo e jogando um pandeiro para fora da escotilha.]
      Cá está, Pip, e aí vai o suporte do cabrestante; sobe nele! Agora, rapazes!

 [A metade deles dança ao som do pandeiro; alguns descem; alguns estão deitados ou dormindo entre os rolos do cordame. Blasfêmias por toda parte.]

MARINHEIRO AÇORIANO
[Dançando.]
     Vamos lá, Pip! Bate aí, menino do sino! Tange, bate, toca, menino! Faz sair faísca, arrebenta nesse requebrado!

PIP
     O requebrado, você disse? – Então aí vai, segura! É assim que eu mando bala.

MARINHEIRO CHINÊS
     Então sacode essa mão, não para; faz um pagode de ti.

MARINHEIRO FRANCÊS
     Que loucura! Levanta esse teu aro, Pip, que eu vou passar por dentro dele! Ferra com essa vela! É festa d’a gente se acabar!

TASHTEGO
[Fumando calmamente.]
     O homem branco é assim; a isso ele dá o nome de diversão – Hum! Vou economizar suor.

VELHO MARINHEIRO DA ILHA DE MAN
      Gostaria de saber se esses jovens alegres sabem por que estão dançando. Vou dançar em cima de suas sepulturas, se vou – Essa é a ameaça mais cruel de suas damas da noite, que enfrentam o vento das esquinas em suas cabeças. Ô, Cristo! Pensar nessas frotas jovens e na cabeça dessas tripulações jovens! Bem, bem; talvez o mundo todo seja um grande baile, como dizem os sábios; e então é razoável que dele se faça um salão de baile. Dancem, rapazes, vocês são jovens; eu fui um dia.

3º MARINHEIRO DE NANTUCKET
     Divide aí, oh! – Uhff! Isso é pior do que caçar baleias numa calmaria – dá um trago, Tash.

[Param de dançar e formam grupos. Enquanto isso o céu escurece – o vento aumenta.]

MARINHEIRO INDIANO
     Por Brahma! Rapazes, logo teremos que baixar as velas. O filho do céu, o forte Ganges fez-se vento! Mostra teu rosto de trevas, Shiva!

MARINHEIRO MALTÊS
[Deitando e agitando o boné.]
     São as ondas – são os xales da neve que começam a dançar agora. Em breve agitarão suas borlas. Se todas as ondas fossem mulheres, eu me afogaria e dançaria eternamente com elas! Não existe nada mais doce sobre a terra – nem o céu se compara! – do que a aparição rápida de bustos cálidos e selvagens no baile, enquanto os braços levantados ocultam as uvas maduras que se insinuam.

MARINHEIRO SICILIANO
[Deitado.]
     Não fale isso! Escute aqui, rapaz – Suaves entrelaçamentos dos membros – Um ligeiro balanço – Recatos – Palpitações! Lábios! Coração! Quadris! Tudo se roçando: incessantes toques! E nunca provar, pois de outro modo chega a saciedade. Hein, Pagão? [Cutuca.]

MARINHEIRO TAITIANO
[Deitado sobre uma esteira.]
     Saúdo a nudez sagrada de nossas dançarinas! – a Hiva-Hiva! Ah! Taiti, de vales baixos e altas palmeiras! Ainda descanso em tua esteira, mas o teu solo macio se foi! Vi o momento em que eras tecida, esteira minha! Eras verde no dia em que te trouxe para cá; agora, usada e desbotada te encontras. Ai de mim! – Nem eu e nem tu conseguimos nos acostumar às mudanças! Como será se formos transplantados ali para o céu? Será que escuto as águas ruidosas do Pirohiti, suas pontas de lança, quando saltam dos rochedos e inundam os vilarejos? – A rajada de vento! A rajada de vento! Levanta, e coragem! [Fica de pé.]

MARINHEIRO PORTUGUÊS
     Como o mar rola agitado de encontro ao costado. Preparem-se para a rizadura, gajos valentes! Os ventos estão a cruzar espadas, logo mais teremos rebuliço.

MARINHEIRO DINAMARQUÊS
     Range, range, velho navio! Enquanto ranges é sinal de que te aguentas! O oficial te conduz obstinadamente. Tem menos medo do que o forte da ilha em Kattegat, lá colocado para lutar contra o Báltico e suas armas tempestuosas, cobertas de sal!

4º MARINHEIRO DE NANTUCKET
     Ele recebeu ordens, lembrai-vos. Escutei o velho Ahab dizer-lhe que atacasse uma tempestade como se estoura um jato de água com uma pistola – jogando o navio para dentro dela!

MARINHEIRO INGLÊS
      Caramba! Mas aquele velho é um grande sujeito! E nós, rapazes, vamos pegar a baleia dele!

TODOS
     Vamos! Vamos!

VELHO MARINHEIRO DA ILHA DE MAN
     Como tremem os três pinheiros! De todas as árvores, os pinheiros são os que têm mais dificuldade para viver em solo estranho, e aqui não há solo algum além do barro amaldiçoado da tripulação. Firme, timoneiro, firme! Esse é o tipo de tempo em que corações corajosos estouram na terra, e cascos virados se rompem no mar. Nosso capitão tem seu sinal de nascença; olhem lá longe, rapazes, há um outro no céu – sinistro, vejam, e todo o resto é puro negrume.

DAGGOO
     E o que é que tem? Quem tem medo de negrume, tem medo de mim! Eu fui talhado nele!

MARINHEIRO ESPANHOL
[A parte.] 
     Ele quer intimidar, ah! – o velho ressentimento me deixa irritado. 
[Avançando.] 
     Sim, arpoador, tua raça é inegavelmente o lado escuro da humanidade – diabolicamente escuro nesse sentido. Sem ofensas.

DAGGOO
[Inflexível.] 
     Nenhuma.

MARINHEIRO DE SANT’IAGO
     O espanhol está louco ou bêbado. Mas isso não pode ser, a menos que, no caso dele, a aguardente do velho Grão-Mogol tenha efeito prolongado.

5º MARINHEIRO DE NANTUCKET
     O que é isso que acabo de ver – um raio? É, sim.

MARINHEIRO ESPANHOL
     Não! Era Daggoo mostrando os dentes.

DAGGOO
[Pulando.] 
     Engole isso, nanico! Pele branca, fígado branco!

MARINHEIRO ESPANHOL
[Indo a seu encontro.] 
     Vou te esfaquear com muito gosto! Esqueleto grande, espírito pequeno!

TODOS
      Briga! Briga! Briga!

TASHTEGO
[Soltando uma tragada.] 
     Briga embaixo, e briga em cima – Deuses e homens –, todos briguentos! Humpf!

MARINHEIRO DE BELFAST
     Uma briga! Viva a briga! Bendita Virgem, uma briga! Caiam nela!

MARINHEIRO INGLÊS
      Jogo limpo! Tirem a faca do espanhol! Um círculo, um círculo!

VELHO MARINHEIRO DA ILHA DE MAN
      Já está formado. Lá! O círculo no horizonte. Naquele círculo Caim matou Abel. Belo trabalho, bom trabalho! Não? Por que então, Deus, fizeste a arena?

VOZ DO PILOTO DO TOMBADILHO
     Mãos a postos nas adriças! As velas de joanete! Todos perto das gáveas!

TODOS
     A tempestade! A tempestade! Corram, camaradas! 

[Eles se dispersam.]

PIP
[Escondido embaixo do molinete.]
      Camaradas? Que Deus ajude esses meus camaradas! Cric, crac! Lá se vai a bujarrona! Blim, blem! Meu Deus! Abaixa mais, Pip, lá vem a verga! É pior do que estar na ventania de um bosque no último dia do ano! Quem procuraria castanhas numa hora dessas? Mas lá se vão todos, xingando, e eu não. Boas novas! Eles estão a caminho do céu. Segura firme. Pô, que tempestade! Mas aqueles caras ali ainda são piores – eles são a tempestade branca deles. Tempestade branca? Baleia branca, XII! Acabei de ouvir uma conversa deles, e a baleia branca – XII! Mas só falaram uma vez! Nesta noite – faz meu coração bater feito meu pandeiro – aquela serpente velha fez com que jurassem caçá-la! Ô grande Deus branco, aí em cima em algum lugar na escuridão, tem piedade desse pretinho aqui embaixo; protege-o contra todos os homens que não têm coragem de sentir medo!

Continua na página 174...
______________________

Leia também:

Moby Dick: Etimologia, Excertos, Citações
Moby Dick: 1  - Miragens
Moby Dick: 40 -  Meia-noite, Castelo de Proa
________________________

Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melvillesobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,
O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.
O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.
A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura.


E você com o quê se identifica?

Nenhum comentário:

Postar um comentário