O CORTIÇOAluísio AzevedoVIII ..Mas, como a Piedade entrava na salinha ao lado, disfarçou logo, acrescentando noutro tom:
- Agora é tratar de dormir e mudar de roupa, se suar outra vez Até logo!
E saiu.
Jerônimo ouviu as suas ultimas palavras já de olhos fechados e, quando Piedade entrou no quarto,
parecia sucumbido de fraqueza. A lavadeira aproximou-se da cama do marido em ponta de pés,
puxou-lhe o lençol mais para cima do peito e afastou-se de novo, abafando os passos. À porta da
entrada a Augusta, que fora fazer uma visita ao enfermo, perguntou-lhe por este com um gesto
interrogativo; Piedade respondeu sem falar, pondo a mão no rosto e vergando desse lado a cabeça,
para exprimir que ele agora estava dormindo.
As duas saíram para falar à vontade; mas, nessa ocasião, lá fora no pátio da estalagem, acabava de
armar-se um escândalo medonho. Era o caso que o Henriquinho da casa do Miranda ficava às vezes
à janela do sobrado, nas horas de preguiça, entre o almoço e o jantar, entretido a ver a Leocádia lavar,
seguindo-lhe os movimentos uniformes do grosso quadril e o tremular das redondas tetas à larga
dentro do cabeção de chita. E, quando a pilhava sozinha, fazia-lhe sinais brejeiros, piscava-lhe o
olho, batendo com a mão direita aberta sobre a mão esquerda fechada. Ela respondia, indicando com
o polegar o interior do sobrado, como se dissesse que fosse procurar a mulher do dono da casa.
Naquele dia, porém, o estudante apareceu à janela, trazendo nos braços um coelhinho todo branco,
que ele na véspera arrematara num leilão de festa. Leocádia cobiçou o bichinho e, correndo para o
depósito de garrafas vazias, que ficava por debaixo do sobrado, pediu com muito empenho ao
Henrique que lhe desse. Este, sempre com seu sistema de conversar por mímica, declarou com um
gesto qual era a condição da dádiva.
Ela meneou a cabeça afirmativamente, e ele fez-lhe sinal de que o esperasse por detrás do cortiço, no
capinzal dos fundos.
A família do Miranda havia saído. Henrique, mesmo com a roupa de andar em casa e sem chapéu,
desceu à rua, ganhou um terreno que existia à esquerda do sobrado e, com o seu coelho debaixo do
braço, atirou-se para o capinzal. Leocádia esperava por ele debaixo das mangueiras.
- Aqui não! disse ela, logo que o viu chegar. Aqui agora podem dar com a gente!...
- Então onde?
- Vem cá!
E tomou à sua direita, andando ligeira e meio vergada por entre as plantas. Henrique seguiu-a no
mesmo passo, sempre com o coelho sobraçado. O calor fazia-o suar e esfogueava-lhe as faces.
Ouvia-se o martelar dos ferreiros e dos trabalhadores da pedreira.
Depois de alguns minutos, ela parou num lugar plantado de bambus e bananeiras, onde havia o resto
de um telheiro em ruínas.
- Aqui!
E Leocádia olhou para os lados, assegurando-se de que estavam a sós. Henrique, sem largar o coelho,
atirou-se sobre ela, que o conteve:
- Espera! preciso tirar a saia; está encharcada!
- Não faz mal! segredou ele, impaciente no seu desejo.
- Pode-me vir um corrimento!
E sacou fora a saia de lã grossa, deixando ver duas pernas, que a camisa a custo só cobria até o
joelho, grossas, maciças, de uma brancura levemente rósea e toda marcada de mordeduras de pulgas
e mosquitos.
- Avia-te! Anda! apressou ela, lançando-se de costas ao chão e arregaçando a fralda até a cintura; as
coxas abertas.
O estudante atirou-se sôfrego, sentindo-lhe a frescura da sua carne de lavadeira, mas sem largar as
pernas do coelho.
Passou-se um instante de silêncio entre os dois, em que as folhas secas do chão rangeram e
farfalharam.
- Olha! pediu ela, faz-me um filho, que eu preciso alugar-me de ama-de-leite... Agora estão pagando
muito bem as amas! A Augusta Carne-Mole, nesta última barriga, tomou conta de um pequeno ai na
casa de uma família de tratamento, que lhe dava setenta mil-réis por mês!... É muito bom passadio!...
Sua garrafa de vinho todos os dias!... Se me arranjares um filho dou-te outra vez o coelho!
E o pobre brutinho, cujas pernas o estudante não largava, começou a queixar-se dos repelões que
recebia cada vez mais acelerados.
- Olha que matas o bichinho! reclamou a lavadeira. Não batas assim com ele! mas não o soltes, hein!
Ia dizer ainda alguma coisa, mas acudiu-lhe o espasmo e ela fechou os olhos e pôs-se a dar com a
cabeça de um lado para o outro, rilhando os dentes.
Nisto, passos rápidos fizeram-se sentir galgando as plantas, na direção em que os dois estavam; e
Henrique, antes de ser visto, lobrigou a certa distancia a insociável figura do Bruno.
Não lhe deu tempo a que se aproximasse; de um salto galgou por detrás das bananeiras e
desapareceu por entre o matagal de bambus, tão rápido como o coelho que, vendo-se livre, ganhara
pela outra banda o caminho do capinzal.
Quando o ferreiro, logo em seguida, chegou perto da mulher, esta ainda não tinha acabado de vestir a
saia molhada.
- Com quem te esfregavas tu, sua vaca?! bradou ele, a botar os bofes pela boca.
E, antes que ela respondesse, já uma formidável punhada a fazia rolar por terra.
Leocádia abriu num berreiro. E foi debaixo de uma chuva de bofetadas e pontapés que acabou de
amarrar a roupa.
- Agora eu vi! sabes! Nega se fores capaz!
- Vá à pata que o pôs! exclamou ela, com a cara que era um tomate. Já lhe disse que não quero saber
de você pra nada, seu bêbedo!
E, vendo que ele ia recomeçar a dança, abaixou-se depressa, segurou com ambas as mãos um
matacão de granito que encontrou a seus pés, e gritou, erguendo-o sobre a cabeça:
- Chega-te pra cá e verás se te abro aqui mesmo ou não o casco!
O ferreiro compreendeu que ela era capaz de fazer o que dizia e estacou lívido e ofegante.
- Arme a trouxa e rua! sabe?
- Olha a desgraça! Tinha de muito assentado de ir! Queria era uma ocasião! Nem preciso de você pra
nada, fique sabendo!
E, para meter-lhe mais raiva, acrescentou, empinando a barriga:
- Já cá está dentro com que hei de ganhar a vida! Alugo-me de ama! Ou pensará que todos são como
você, que nem para fazer um filho serve, diabo do sem-préstimo?
- Mas não me hás de levar nada de casa! Isso te juro eu biraia!
- Ah, descanse! que não levarei nada do que é seu, nem preciso!
- Põe essa pedra no chão!
- Um corno! Eu arrumo-te na cabeça se te chegas pra cá!
- Sim, sim, sim, contanto que te musques por uma vez!
- Pois então despache o beco!
Ele virou-lhe as costas e tornou lentamente por onde viera, de cabeça pendida, as mãos nas algibeiras
das calças, aparentando agora um soberano desprezo pelo que se passava.
Só então foi que ela se lembrou do coelho.
- Ora gaitas! disse, endireitando-se e tomando direção contrária à do marido.
Este fora ai direito ao cortiço narrar, a quem quisesse ouvir, o que se acabava de dar. O escândalo
assanhou a estalagem inteira, como um jato de água quente sobre um formigueiro. “Ora, aquilo tinha
de acontecer mais hoje mais amanhã! - Um belo dia a casa vinha abaixo! - A Leocádia parecia não
desejar senão isso mesmo!” Mas ninguém atinava com quem diabo pilhara o Bruno a mulher no
capinzal. Fizeram-se mil hipóteses; lembrando-se nomes e nomes, sem se chegar a nenhum resultado
satisfatório. O Albino tentou logo arranjar a reconciliação do casal, jurando que o Bruno estava
enganado com certeza e que vira mal. “Leocádia era uma excelente rapariga, incapaz de tamanha
safadagem!” O ferreiro tapou-lhe a boca com uma bolacha, e ninguém mais se meteu a congraçá-los.
Entretanto, o Bruno entrara em casa e lançava pela janela cá para fora tudo o que ia encontrando
pertencente à mulher. Uma cadeira fez-se pedaços contra as pedras, depois veio um candeeiro de
querosene, uma trouxa de roupas, saias e casaquinhos de chita, caixas de chapéus cheias de trapos,
uma gaiola de pássaros, uma chaleira; e tudo era arremessado com fúria ao meio da área, entre o
silêncio comovido dos que assistiam ao despejo. Um chim, que entrara para vender camarões e
parara distraído perto da janela do ferreiro, levou na cabeça com uma bilha da Bahia e berrava como
criança que acaba de ser esbordoada. A Machona, que não podia ouvir ninguém gritar mais alto do
que ela, caiu-lhe em cima aos murros e o pôs fora do portão com tremenda descompostura. “Era o
que faltava que viesse também aquele salamaleque do inferno para azoinar uma criatura mais do que
já estava!” Dona Isabel, com as mãos cruzadas sobre o ventre, tinha para aquela destruição um
profundo olhar de lástima. Augusta meneava a cabeça tristemente sem conceber como havia
mulheres que procuravam homem, tendo um que lhes pertencia. A Bruxa, indiferente, não
interrompera sequer o seu trabalho; ao passo que a das Dores, de mãos nas cadeiras, a sala pelo meio
das canelas, um cigarro no canto da boca, encarava desdenhosa a sanha daquele marido, tão brutal
como o dela o fora.
- Sempre os mesmos pedaços de asno!... comentava franzindo o nariz. Se a tola da mulher só lhes
procura agradar e fazer-lhes o gosto, ficam enjoados, e, se ela não toma a sério a borracheira do
casamento, dão por paus e por pedras, como esta besta! Uma súcia, todos eles!
Florinda ria, como de tudo, e a velha Marciana queixava-se de que lhe respingaram querosene na
roupa estendida ao sol. Nessa ocasião justamente, um saco de café, cheio de borra, deu duas voltas
no ar e espalhou o seu conteúdo, pintalgando de pontos negros os coradouros. Fez-se logo um alarido
entre as lavadeiras. “Aquilo não tinha jeito, que diabo! Armavam lá as suas turras e os outros é que
haviam de aturar?!... Sebo! que os mais não estavam dispostos a suportar as fúrias de cada um!
Quem parira Mateus que o embalasse! Se agora, todas as vezes que a Leocádia se fosse espojar no
capinzal, o bruto do marido tinha de sujar daquele modo o trabalho da gente, ninguém mais poderia
ganhar ali a sua vida! Que espiga!” Pombinha chegara à porta do número 15, dando fé do barulho,
com uma costura na mão, e Nenen, toda afogueada do ferro de engomar, perguntava, com um frouxo
riso, se o Bruno ia reformar a mobília da casa. A Rita fingia não ligar importância ao fato e
continuava a lavar à sua tina. “Não faziam tanta festa ao tal casamento? Pois que aguentassem! Ela
estava bem livre de sofrer uma daquelas!” O velho Libório chegara-se para ver se, no meio da
confusão, apanhava alguma coisa do despejo, e a Machona, notando que o Agostinho fazia o mesmo,
berrou-lhe do lugar em que se achava:
- Sai daí, safado! Toca lá no quer que seja, que te arranco a pele do rabo!
Um irmão do santíssimo entrara na estalagem, com a sua capa encarnada, a sua vara de prata em uma
das mãos, na outra a salva do dinheiro, e parara em meio do pátio, suplicando muito fanhoso: “Uma
esmola para a cera do Sacramento!” As mulheres abandonaram por um instante as tinas e foram
beijar devotamente a colombina imagem do Espírito Santo. Pingaram na salva moedinhas de vintém.
Todavia, o Bruno acabava de despejar o que era da mulher e saia de novo de casa, dando uma volta
feroz à fechadura. Atravessou por entre o murmurante grupo dos curiosos que permaneciam defronte
de sua porta, mudo, com a cara fechada, jogando os braços, como quem, apesar de ter feito muito,
não satisfizera ainda completamente a sua cólera.
Leocádia apareceu pouco depois e, vendo por terra tudo que era seu, partido e inutilizado, apoderou-se de fúria e avançou sobre a porta, que o marido acabava de fechar, arremetendo com as nádegas
contra as duas folhas, que cederam logo, indo ela cair lá dentro de barriga para cima.
Mas ergueu-se, sem fazer caso das risadas que rebentaram cá fora e, escancarando a janela com
arremesso, começou por sua vez a arrasar e a destruir tudo que ainda encontrara em casa.
Então principiou a verdadeira devastação. E a cada objeto que ela varria para o pátio, gritava sempre:
“Upa! Toma, diabo!”
- Aí vai o relógio! Upa! Toma, diabo!
E o relógio espatifou-se na calçada.
- Aí vai o alguidar!
- Aí vai o jarro!
- Aí vão os copos!
- O cabide!
- O garrafão!
- O bacio!
Um riso geral, comunicativo, absoluto, abafava o baralho da louça quebrando-se contra as pedras. E
Leocádia já não precisava acompanhar os objetos com a sua frase de imprecação, porque cada um
deles era recebido cá fora com um coro que berrava:
- Upa! Toma, diabo!
E a limpeza prosseguia. João Romão acudiu de carreira, mas ninguém se incomodou com a presença
dele. Já defronte da porta do Bruno havia uma montanha de cacos acumulados; e o destroço
continuava ainda, quando o ferreiro reapareceu, vermelho como malagueta, e foi galgando a casa,
com um raio de roda de carro na mão direita.
Os circunstantes o seguiram, atropeladamente, num clamor.
- Não dá!
- Não pode!
- Prende!
- Não deixa bater!
- Larga o pau!
- Segura!
- Aguenta!
- Cerca!
- Toma o porrete!
E Leocádia escapou afinal das pauladas do marido, a quem o povaréu desarmara num fecha-fecha.
- Ordem! Ordem! Vá de rumor! exclamava o vendeiro, a quem, aproveitando a confusão, haviam já
ferrado um pontapé por detrás.
O Alexandre, que vinha chegando do serviço nesse momento, apressou-se a correr para o lugar do
conflito e cheio de autoridade intimou o Bruno a que se contivesse e deixasse a mulher em paz, sob
pena de seguir para a estação no mesmo instante.
- Pois você não vê esta galinha, que apanhei hoje com a boca na botija, não me vem ainda por cima
dar cabo de tudo?!... interrogou o Bruno, espumando de raiva e quase sem fôlego para falar.
- Porque você pôs em cacos o que é meu! gritou Leocádia.
- Está bom! está bom! disse o polícia, procurando dar à voz inflexões autoritárias e reconciliadoras.
Fale cada um por sua vez! Seu marido... acrescentou ele, voltando-se para a acusada, diz que a
senhora...
- É mentira! interrompeu ela.
- Mentira?! É boa! Tinhas a saia despida e um homem por cima!
- Quem era? - Quem foi? - Quem era o homem? interrogaram todos a um só tempo.
- Quem era ele, no fim de contas? inquiriu também Alexandre.
- Não lhe pude ver as fuças!... respondeu o ferreiro; mas, se o apanho, arrancava-lhe o sangue pelas
costas!
Houve um coro de gargalhadas.
- E mentira! repetiu Leocádia, agora sucumbida por uma reação de lágrimas. Há muito tempo que
este malvado anda caçando pretexto para romper comigo e, como eu não lhe dou...
Uma explosão de soluços a interrompeu.
Desta vez não riram, mas um bichanar de cochichos formou-se em torno do seu pranto.
- Agora... continuou ela, enxugando os olhos na costa da mão; não sei o que será de mim, porque
este homem, além de tudo, escangalhou-me até o que eu trouxe quando me casei com ele!...
- Não disseste que já tinhas ai dentro com que ganhar a vida?... É andar!
- É falso! soluçou Leocádia.
- Bem, interveio Alexandre, embainhando o seu refle; está tudo terminado! Seu marido vai recebê-la
em boa paz...
- Eu?! esfuziou o ferreiro. Você não me conhece!
- Nem eu queria! retorquiu a mulher. Prefiro meter-me com um cavalo de tílburi a ter de aturar este
bruto!
E, catando em casa alguma coisa sua que ainda havia, e recolhendo do montão dos cacos o que lhe
pareceu aproveitável, fez de tudo uma grande trouxa e foi chamar um carregador.
A Rita saiu-lhe ao encontro.
- Para onde vais tu?... perguntou-lhe em voz baixa.
- Não sei, filha, por ai!... Hei de encontrar um furo!... Os cães não vivem?...
- Espere um instante... disse a mulata. Olha, empurra a trouxa ai para dentro do meu cômodo. - E
correndo ao Albino, que lavava: - Passa-me no sabão aquela roupa, ouviste? E, quando Firmo
acordar, diz-lhe que precisei ir a rua.
Depois, deu um pulo ao quarto, mudou a saia molhada, atirou nos ombros o seu xale de crochê e,
batendo nas costas da companheira, segredou-lhe:
- Anda cá comigo! não ficarás à toa!
E as duas saíram, ambas sacudidas, deixando atrás de si suspensa a curiosidade do cortiço inteiro.
Continua página 47...
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O Cortiço - VIII: Mas, como a Piedade entrava na salinha ao lado
O Cortiço - IX: Passaram-se semanas_______________________
Aluísio Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo), caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913.
Era filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. Sua mãe havia casado, aos 17 anos, com um comerciante português. O temperamento brutal do marido determinou o fim do casamento. Emília refugiou-se em casa de amigos, até conhecer o vice-cônsul de Portugal, o jovem viúvo David. Os dois passaram a viver juntos, sem contraírem segundas núpcias, o que à época foi considerado um escândalo na sociedade maranhense.
Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar os personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão mais velho, Artur. Matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para manter-se fazia caricaturas para os jornais da época, como O Fígaro, O Mequetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. A partir desses “bonecos”, que conservava sobre a mesa de trabalho, escrevia cenas de romances.
A morte do pai, em 1878, obrigou-o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Ali começou a carreira de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico. Ajuda a lançar e colabora com o jornal anticlerical O Pensador, que defendia a abolição da escravatura, enquanto os padres mostravam-se contrários a ela. Em 1881, Aluísio lança O mulato, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. O romance teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte como exemplo de Naturalismo, e Aluísio pôde retornar para o Rio de Janeiro, embarcando em 7 de setembro de 1881, decidido a ganhar a vida como escritor.
Quase todos os jornais da época tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar seus romances. A princípio, eram obras menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo de Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração pelo imigrante, principalmente o português. Dessa preocupação resultariam duas de suas melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). De 1882 a 1895 escreveu sem interrupção romances, contos e crônicas, além de peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède.
Em 1895 ingressou na diplomacia, momento em que praticamente cessa sua atividade literária. O primeiro posto foi em Vigo, na Espanha. Depois serviu no Japão, na Argentina, na Inglaterra e na Itália. Passara a viver em companhia de D. Pastora Luquez, de nacionalidade argentina, junto com os dois filhos, Pastor e Zulema, por ele adotados. Em 1910, foi nomeado cônsul de 1ª. classe, sendo removido para Assunção. Buenos Aires foi seu último posto. Ali faleceu, aos 56 anos. Foi enterrado naquela cidade. Seis anos depois, por uma iniciativa de Coelho Neto, a urna funerária de Aluísio Azevedo chegou a São Luís, onde o escritor foi sepultado.