volume II
À Sombra das Moças em Flor
Ao Redor da Sra. Swann
(i)
continuando...
Quanto à Sra. Cottard, meu pai se admirava de que a Sra. Swann achar alguma vantagem em atrair essa burguesa pouco elegante, e dizia da posição social do professor, ''confesso que não entendo". Minha mãe percebia muito bem; sabia que uma boa parte dos prazeres que uma mulher acha em penetrar num ambiente diverso daquele em que vivia antes, lhe faltaria se ela pudesse informar suas antigas relações sobre aquelas, relativamente mais brilhantes, pelas quais as substituíra. Para tanto, era preciso uma testemunha que se deixasse entrar naquele mundo novo e delicioso, como em uma flor um inseto zumbidor e inconstante que, a seguir, ao sabor de suas visitas, haverá de espalhar, ao menos assim se espera, o germe secreto da inveja e da admiração. A Sra. Cottard, perfeitamente adequada para preencher este papel, entrava naquela categoria especial dos convidados que mamãe, que possuía alguns traços da feição de espírito do pai, chamava: "Estrangeiro, vá a Esparta e diga...". Aliás - além de outra razão que só vim a conhecer anos depois -, a Sra. Swann, ao convidar essa amiga benévola, discreta e modesta, não tinha a temer o fato de introduzir em sua casa, nas brilhantes recepções, uma traidora ou concorrente. Sabia do número enorme de cálices burgueses que podia visitar numa só tarde, quando estava armada de plumas e cartões de visita, essa ativa operária. Conhecia-lhe o poder de disseminação e, baseando-se no cálculo das probabilidades, era levada a pensar que, muito provavelmente, certo comensal dos Verdurin ficava sabendo, no máximo dois dias depois, que o governador de Paris deixara cartões na casa dela, ou que o próprio Sr. Verdurin ouvira dizer que o Sr. Le Hault de Pressagny, presidente do Concurso hípico, os levara, a ela e a Swann, ao baile de gala do rei Teodósio; e se supunha que os Verdurin fossem informados apenas desses dois acontecimentos elogiosos para ela, era porque as materializações particulares, sob as quais representamos e perseguimos a glória, são pouco numerosas por culpa do nosso espírito que é incapaz de imaginar, ao mesmo tempo, todas as formas que esperamos em conjunto-que a glória, simultaneamente, não deixará de revestir para nós.
Quanto à Sra. Cottard, meu pai se admirava de que a Sra. Swann achar alguma vantagem em atrair essa burguesa pouco elegante, e dizia da posição social do professor, ''confesso que não entendo". Minha mãe percebia muito bem; sabia que uma boa parte dos prazeres que uma mulher acha em penetrar num ambiente diverso daquele em que vivia antes, lhe faltaria se ela pudesse informar suas antigas relações sobre aquelas, relativamente mais brilhantes, pelas quais as substituíra. Para tanto, era preciso uma testemunha que se deixasse entrar naquele mundo novo e delicioso, como em uma flor um inseto zumbidor e inconstante que, a seguir, ao sabor de suas visitas, haverá de espalhar, ao menos assim se espera, o germe secreto da inveja e da admiração. A Sra. Cottard, perfeitamente adequada para preencher este papel, entrava naquela categoria especial dos convidados que mamãe, que possuía alguns traços da feição de espírito do pai, chamava: "Estrangeiro, vá a Esparta e diga...". Aliás - além de outra razão que só vim a conhecer anos depois -, a Sra. Swann, ao convidar essa amiga benévola, discreta e modesta, não tinha a temer o fato de introduzir em sua casa, nas brilhantes recepções, uma traidora ou concorrente. Sabia do número enorme de cálices burgueses que podia visitar numa só tarde, quando estava armada de plumas e cartões de visita, essa ativa operária. Conhecia-lhe o poder de disseminação e, baseando-se no cálculo das probabilidades, era levada a pensar que, muito provavelmente, certo comensal dos Verdurin ficava sabendo, no máximo dois dias depois, que o governador de Paris deixara cartões na casa dela, ou que o próprio Sr. Verdurin ouvira dizer que o Sr. Le Hault de Pressagny, presidente do Concurso hípico, os levara, a ela e a Swann, ao baile de gala do rei Teodósio; e se supunha que os Verdurin fossem informados apenas desses dois acontecimentos elogiosos para ela, era porque as materializações particulares, sob as quais representamos e perseguimos a glória, são pouco numerosas por culpa do nosso espírito que é incapaz de imaginar, ao mesmo tempo, todas as formas que esperamos em conjunto-que a glória, simultaneamente, não deixará de revestir para nós.
Ademais, a Sra. Swann só obtivera bons resultados naquilo que se denominava "mundo
oficial". As mulheres elegantes não a visitavam. Não era a presença de celebridades republicanas
que as fizera fugir. Na minha primeira infância, tudo o que pertencia à sociedade conservadora era
mundano, e num salão bem situado não seria possível receber um republicano. As pessoas que
viviam num meio assim imaginavam que a impossibilidade de alguma vez convidar um
"oportunista", e com muito maior razão um "radical" medonho, era uma coisa que duraria para
sempre, como as lâmpadas de azeite e os ônibus puxados por cavalos. Mas, da mesma forma
que os caleidoscópios que giram de vez em quando, a sociedade dispõe sucessivamente de
modo diverso os elementos que se julgara imutáveis e dispõe de uma outra figura. Ainda não
fizera a minha primeira comunhão, quando as senhoras bem pensantes tinham o espanto de
encontrar, de visita à nossa casa, uma judia elegante. Essas novas disposições do caleidoscópio
são produzidas pelo que um filósofo chamaria de mudança de critério. O Caso Dreyfus provocou
nova mudança, numa época um tanto posterior àquela em que principiei a frequentar a casa da.
Sra. Swann, e o caleidoscópio iria alterar mais uma vez seus pequenos losangos coloridos. Tudo
o que era judeu passou para baixo, até os elegantes nacionalistas obscuros assumiram o seu
lugar. O salão mais brilhante o de um príncipe austríaco e ultra-católico. Se, em vez do Caso
Dreyfus tivesse ocorrido uma guerra com a Alemanha, o giro do caleidoscópio tomaria outra
figura. Tendo os judeus mostrado, para espanto geral, que eram patriotas e conservado sua
posição e ninguém jamais gostaria de ir, nem mesmo um dia ter ido, à casa do príncipe austríaco.
Isto não impede que cada sociedade está momentaneamente imóvel, algumas pessoas que nela
sem que nunca mais haverá qualquer mudança, de modo que, tenha o começo do telefone, não
queiram acreditar no aeroplano.
Entretanto, do jornalismo caluniam o período precedente, não apenas o gênero dessa
época e que lhes parece a última palavra em matéria de corrupção que mesmo as obras de
artistas e filósofos que, a seus olhos, não têm mais valor, se fossem ligadas indissoluvelmente às
modalidades sucessivas do clã ou mundana. A única coisa que não muda é que, a cada vez,
parece que a coisa foi mudada na França. À época em que eu ia à casa da Sra. Swann o Caso
Dreyfus ainda não havia estourado e certos judeus importantes eram bem quistos. Nenhum o era
mais que sir Rufus Israels, cuja esposa, Lady Israels e Swann. Pessoalmente, ela não tinha as
amizades íntimas tão elegantes como o sobrinho, o qual, por outro lado, por não amá-la, jamais a
cultivara muito devesse ser provavelmente ao seu herdeiro. Mas era o único dos parente, que teve
consciência da posição social deste, tendo os demais permanecido com respeito, na mesma
ignorância que fora a nossa durante muito tempo, numa família um dos membros emigra para a
alta sociedade -o que lhe põe como fenômeno único, mas que, a dez anos de distância, constata
ter sido rejeitado de outra forma, e por motivos diversos, por mais de um rapaz com quem se
descreve a seu redor uma zona de sombra, uma terra incógnita, basta em suas menores nuanças
por todos os que a habitam, mas que não sai e nada para aqueles que nela não penetram, e cuja
existência bordejam conta, bem perto deles. Não tendo nenhuma Agência Havas o informador de
Swann acerca das pessoas que ele frequentava, era (bem entendido todos de seu horrível
casamento) com sorrisos de condescendência que com jantares em família, que tinham
"virtuosamente" empregado o domingo no "primo Charles", pois, julgando-o um pouco invejoso e
parente pobre, chamando-o espirituosamente, fazendo um trocadilho com o título do romance de
''O Primo Besta''; Lady Rufus Israels sabia perfeitamente quem eram [Trocadilho de Proust,
utilizando o título do romance de Balzac em francês, La Cousine bette aproveitando a semelhança
fônica com a palavra bête (animal, ou imbecil). (N. do T)] e o que prodigalizavam a Swann uma
amizade da qual sentia ciúmes. A família de seu marido, mais ou menos equivalente aos
Rothschild, há várias gerações cuidava dos negócios dos príncipes de Orléans. Lady Israels,
excessivamente rica, dispunha de grande influência e não utilizara com o objetivo de que pessoa
alguma de suas relações recebesse Odette. Uma única a desobedecer, às escondidas. Era a
condessa de Marsantes. Ora, quisera o azar que Odette, tendo ido fazer uma visita à Sra. de
Marsantes, chegou quase ao mesmo tempo que Lady Israels. A Sra. de Marsantes estava em
brasas. Com a covardia das pessoas que, no entanto, poderiam permitir-se tudo, não dirigiu uma
só vez a palavra a Odette, que não se sentiu estimulada a desde então levar adiante a incursão
em um mundo que, aliás, não era de modo algum aquele em que gostaria de ser recebida. No
completo desinteresse pelo acesso ao bairro de Saint-Germain. Odette continuava a ser a cocote
ignorante, bem diversa dos burgueses aferrados aos menores aspectos de genealogia e que
iludem na leitura dos antigos memoriais a sede de relações aristocráticas que a vida real não lhes
fornece. Swann, por outro lado, continuava sem dúvida a ser o amante a quem todas essas
particularidades de uma antiga companheira parecem agradáveis, ou inofensivas, pois muitas
vezes ouvi sua mulher proferir verdadeiras heresias mundanas sem que ele (por um resto de
ternura, uma falta de estima ou pela preguiça de aperfeiçoá-la) procurasse corrigi-la. Talvez fosse
também uma forma daquela simplicidade que nos enganara por tanto tempo em Combray, e que
fazia com que, agora, embora continuasse a tratar, ao menos sozinho, com pessoas muito
brilhantes, não se interessava em que, em conversa no salão de sua mulher, lhes atribuíssem
qualquer importância. Aliás, para Swann tinham menos importância do que nunca, já que o centro
de gravidade de sua vida se deslocara. Em todo caso, a ignorância de Odette em matéria
mundana era tal que, se o nome da princesa de Guermantes surgisse na conversa depois do da
duquesa, sua prima dizia:
- Ora, príncipes... Então subiram de posto - dizia ela. Se alguém dizia: "o príncipe", ao falar
do duque de Chartres, ela retificava: - O duque, ele é duque de Chartres e não príncipe. Quanto
ao duque de Orléans, filho do conde de Paris: - É engraçado, o filho é mais que o pai -
acrescentando, visto ser anglômana: - A gente se embrulha com essas provocações a uma
pessoa que lhe perguntava de que província eram os Guermantes, respondeu: do Aisne.
Ademais, Swann era cego no que dizia respeito a Odette, não só diante dessas lacunas de
sua educação, mas também diante da mediocridade de sua inteligência. Ainda mais, cada vez que
Odette contava uma história imbecil, Swann a escutava com uma complacência, uma alegria,
quase com admiração, onde deve entrar um restinho de volúpia; ao passo que, na mesma
conversa, aquilo que ele próprio poderia dizer de fino, e até de profundo, era habitualmente ouvido
por Odette sem interesse, às pressas, com impaciência e às vezes desmentido com vaidade. E
poder-se-á concluir que semelhante sujeição da elite à vulgaridade é de norma em muitos casais,
se, por outro lado, pensamos, inversa as mulheres superiores que se deixam fascinar por um
grosseirão, censor de suas mais delicadas palavras, enquanto elas se extasiam inteligência sem
fim da ternura, diante das graças mais estúpidas. Parece que os motivos que, nessa época,
impediram Odette de penetrar no faubourg sai é preciso dizer que o mais recente giro do
caleidoscópio mundano fora por uma série de escândalos. Senhoras a cuja casa ia-se em toda
semana tinham se revelado como prostitutas, espiãs inglesas. E durante algum tempo exigia das
pessoas, ou pelo menos assim se julgava, serem acima desta posição social, de fortuna sólida...
Odette representava exatamente outra com que se acabava de romper relações, para reatá-las a
seguir; pois não mudando de um dia para o outro, buscam sob um regime novo aquele do antigo,
mas buscando-o sob uma forma diferente que se permita serem enganadas e acreditarem que já
não é a mesma sociedade de antes. Ora, às senhoras "queimadas" dessa sociedade Odette muito
se parecia da alta-roda são muito míopes; no momento em que cortam todas as relações das
damas judias que conheciam, enquanto se indagam como preencher isto, percebem, levada até
ali como graças a uma noite de tempestade, uma que também é judia; porém, devido à sua
novidade, ela não é associada em seu ambiente como as precedentes, ao que julgam dever
detestar. Ela não pede que respeitem seu Deus. Adotam-na. Não se tratava de anti-semitismo na
época em que impediam ir à casa de Odette. Mas a Sra. Swann se assemelhava àquilo de que se
quer se livrar por algum tempo.
Quanto a Swann, ia muitas vezes visitar pessoas de suas relações, como antigamente e,
consequentemente, pertencendo todas à mais alta sociedade. Quando nos falava das pessoas
que acabava de ir visitar, notava que conhecera outrora, ele fazia uma escolha guiada por aquele
mesmo gosto, semi-artístico, semi-histórico, que inspirava nele o colecionador. O que lhe
interessava com frequência tal ou qual grande dama descrita, porque havia sido amante de Liszt,
ou porque teve dedicado um romance de Balzac à sua avó (da mesma forma que compraria um
desenho caso Chateaubriand houvesse descrito), tive a suspeita de que, em Combray, tínhamos o
erro de julgarmos Swann um burguês que não frequentava a sociedade por outro, o de considerá-lo um dos homens mais elegantes de Paris. Ser conde de Paris não significava nada. Quantos
desses "amigos de príncipes" - de ser recebidos num salão um pouco fechado? Os príncipes se
sabem não são esnobes e, aliás, julgam-se de tal modo acima de tudo quanto não tem o sangue
que os grão-senhores e burgueses, abaixo deles, lhes parecem; do mesmo nível.
Além disso, Swann não se contentava em buscar na sociedade que ela existia, ao ligar-se
a nomes que o passado nela inscreveu, e que ainda que fosse um simples prazer de letrado e de
artista, e gozava de um divertimento bastante popular, o de formar como que ramalhetes sociais,
agrupando elementos heterogêneos; reunindo pessoas tomadas aqui e ali. Tais experiências de
sociologia divertida (ou que pelo menos Swann assim considerava) não tinham sobre todas as
amigas de sua mulher pelo menos de maneira constante uma repercussão idêntica. -Tive a
intenção de convidar juntos os Cottard e a duquesa de Vendôme - dizia rindo à Sra. Bontemps,
com o ar guloso de apreciador que pretendeu e quis fazer a experiência de substituir, num molho,
os cravos-da-índia por pimenta-de-caiena. Ora, esse projeto que, no velho sentido da palavra, ia
parecer de fato divertido aos Cottard, tinha o dom de exasperar a Sra. Bontemps. Recentemente,
fora apresentada pelos Swann à duquesa de Vendôme e achara-a tão natural como agradável. E
gabar-se disso diante dos Cottard, contando o fato, não fora a parte menos saborosa de seu
prazer. Mas, como os novos condecorados que, desde que o foram, gostariam de ver fechar-se
em seguida a torneira das cruzes, a Sra. Bontemps desejava que depois dela ninguém da sua
sociedade fosse apresentado à princesa. Mal dizia interiormente o gosto depravado de Swann
que, para realizar uma esquisitice estética miserável, dissipava de um golpe toda a poeira que ela
havia lançado nos olhos dos Cottard ao lhes falar da duquesa de Vendôme. Como ia se atrever
ela própria a anunciar ao marido que o professor Cottard e sua esposa iam por sua vez ter uma
parte desse prazer que ela havia lhe gabado como único? Pelo menos se os Cottard soubessem
que não eram convidados a sério e sim para diversão! É verdade que os Bontemps também o
tinham sido; porém, como Swann adquirira na aristocracia o eterno dom-juanismo de fazer crer, a
duas mulheres que para nada importam, que só a uma delas se ama com seriedade, falara à Sra.
Bontemps da duquesa de Vendôme como de uma pessoa com quem era perfeitamente indicado
que ela jantasse. -Sim, pretendemos convidar a princesa com os Cottard -disse a Sra. Swann
algumas semanas depois meu marido acha que essa conjunção poderá resultar em algo divertido -, pois, se ela conservara do "pequeno núcleo" alguns costumes caros à Sra. Verdurin, como o de
gritar com força para ser ouvida por todos os fiéis, em compensação, empregava certas
expressões, como "conjunção", caras ao ambiente dos Guermantes, cuja influência sofria à
distância e a seu pesar, como o mar sofre a influência da lua sem no entanto se aproximar
sensivelmente desta.-Sim, os Cottard e a duquesa de Vendôme, não acha que será engraçado?
perguntou Swann.
- Acho que será muito ruim e só lhe causará aborrecimento; é bom não brincar com fogo. -respondeu a Sra. Bontemps, furiosa. Ela e o marido, aliás, bem como o príncipe de Agrigento,
foram convidados a esse jantar, junto a Sra. Bontemps e Cottard narraram de duas maneiras
diversas, conforme as respostas a quem se dirigiam. Para uns, a Sra. Bontemps de um lado,
Cottard de sua parte, diziam negligentemente ao lhes perguntarem se havia outras pessoas no
jantar: ''- Só o príncipe de Agrigento, era muito íntimo". Outros, porém, arriscavam-se a ser mais
bem informados (até, certa vez, alguém dissera a Cottard que Bontemps também não se achavam
presentes? - Esqueci-me deles Cottard, ruborizando-se, ao desastrado, a quem classificou daí em
diante como das más-línguas). Quanto a estes, os Bontemps e os Cottard adotaram consultados,
uma versão cuja moldura era idêntica e onde seus respectivos eram reciprocamente mudados.
Cottard dizia:
- Muito bem, estavam os donos da casa, o duque e a duquesa de Vendôme – sorrindo-
com presença do professor e a Sra. Cottard e, para o diabo se eu souber por que, pois como
Pilatos no credo, os Bontemps. - A Sra. Bontemps recitava exatamente a mesma frase, e apenas
os Bontemps eram nomeados com ênfase na casa entre a duquesa de Vendôme e o príncipe de
Agrigento, e os Cottard, a acusava de se terem convidado a si próprios no final, eram os gatos
pingados que destoavam do conjunto.
De suas visitas, Swann voltava muitas vezes pouco antes do jantar. Até as seis horas da
tarde, em que outrora se sentia tão angustiado, indagava a si mesmo o que poderia Odette estar
maquinando e pouco lhe importava que estivesse com visitas ou que tivesse saído. Às vezes
lembrava muitos anos antes, tentara um dia ler através do envelope uma carta escrita por Odette
à Forcheville. Porém, tal recordação não lhe era agradável; e aprofundar a vergonha que sentia,
preferia fazer uma pequena careta - da boca completada com um sacudir de cabeça que
significava: "Que pode me causar?" Certo, calculava agora que a hipótese, a que se entrega
muitas vezes outrora e segundo a qual eram as imaginações do seu ciúme à enegrecerem a vida,
na verdade inocente, de Odette, que essa hipótese (benéfica, visto que, enquanto durou sua
enfermidade amorosa, amenizou seus sofrimentos fazendo-os parecerem imaginários) não era
verdadeira, à quem visse seu ciúme que a considerara certa, e que, se Odette o tivesse amado
mais, acreditara, também o teria traído mais. Antigamente, enquanto sofria havia jurado que, logo
que não amasse mais a Odette e não temesse mais deixá-la, ou fazê-la crer que a amava
bastante, ele se daria ao trabalho de elucidar por mero amor à verdade e como um ponto de
história, se Forcheville estava ou não com ela no dia em que tocara a campainha e batera à porta
sem que abrissem, e em que ela escrevera a Forcheville que era um tio dela que estivera lá. Mas
o problema tão interessante, que ele apenas esperava o fim de seu sofrimento para tirar a limpo,
quando perdera precisamente todo interesse aos olhos de Swann deixara de estar ciumento. Mas
não imediatamente. Já não sentia ciúmes de Odette, como no dia em que batera em vão à porta
do pequeno apartamento de La Pérouse, ciúme que a lembrança daquele dia continuava a
despertar como se o ciúme, um tanto semelhante nisso a essas doenças que fixam sua sede, a
sua fonte de contágio, menos em certas pessoas que em certas casas, não tinham por objeto
propriamente Odette e sim aquele dia, aquela hora do passado perdido em que Swann batera em
todas as entradas do apartamento de Odette. Dir-se-ia que aquele dia e aquela hora tinham,
sozinhos, fixado algumas últimas parcelas da personalidade amorosa que Swann tivera outrora e
que ele só as reencontrava ali. Há muito já não se preocupava que Odette o tivesse enganado e o
enganasse ainda. E, no entanto, continuara durante alguns anos a procurar antigos criados de
Odette, de tanto que nele persistira a dolorosa curiosidade de saber se, naquele dia, de tal modo
antigo, às seis horas, Odette estava deitada com Forcheville. Depois, essa mesma curiosidade
desaparecera, sem que, no entanto, suas investigações terminassem. Continuava a tentar saber o
que já não lhe interessava, porque o seu ego antigo, tendo chegado à extrema decrepitude, ainda
agia de modo maquinal, segundo preocupações abolidas, a tal ponto que Swann já não conseguia
sequer imaginar essa angústia, tão forte noutro tempo que supunha que jamais se livraria dela, e
que somente a morte da mulher a quem amava (a morte que, como o mostrará mais adiante nesta
obra uma cruel contra-prova, não diminui em nada os sofrimentos do ciúme) lhe parecia capaz de
liberar o caminho de sua vida, inteiramente obstruído.
Porém, esclarecer um dia os fatos relativos à vida de Odette, aos quais devera tais
sofrimentos, não fora o único anseio de Swann; reservara-se também o de se vingar deles,
quando, não amando mais a Odette, não a temesse mais; ora, quanto a este segundo desejo, a
ocasião favorável apresentava-se justamente agora, pois Swann amava a outra mulher, uma
mulher que não lhe dava motivos de ciúme porque ele já não era capaz de renovar seu modo de
amar e aquele que usara com Odette é que lhe servia ainda para outra. Para que o ciúme de
Swann renascesse, não era necessário que essa mulher fosse infiel, bastava, por uma razão
qualquer, que ela estivesse longe dele, num sarau, por exemplo, e parecesse divertir-se ali. Era o
bastante para redespertar nele a velha angústia, lamentável e contraditória excrescência de seu
amor, e que afastava Swann do que ela era, como uma necessidade de atingir o sentimento real
que aquela moça lhe dedicava, o desejo escondido de seus dias, o segredo de seu coração, pois,
entre Swann e aquela que o amava, essa angústia interpunha um montão refratário de suspeitas
anteriores, tendo sua causa em Odette, ou em alguma outra que talvez a houvesse precedido;
que só permitiam ao amante envelhecido conhecer sua amada de hoje através do fantasma
antigo e coletivo da "mulher que excitava o seu ciúme", na qual encarnara, arbitrariamente, o seu
novo amor. Entretanto, diversas vezes Swann acusava esse ciúme de fazê-lo crerem traições
imaginárias; mas então lembrava-se que beneficiara Odette com o mesmo raciocínio
erroneamente. Assim, tudo o que a moça fazia; as horas em que ele não se achava presente,
deixava de lhe parecer inocente. Ao passo que, antigamente, jurara que, se alguma vez deixasse
de amar aquela não adivinhava se seria um dia a sua mulher, que lhe patentearia
implacavelmente toda a sua indiferença, enfim sincera, para vingar seu orgulho que fora ferido por
tanto tempo, tais represálias que podia agora exercer sem qualquer risco (que lhe importava ser
chamado às falas e que Odette o privasse daquela intimidade; que outrora lhe eram tão
necessárias?), tais represálias não lhe interessava mais; com o desaparecimento do amor,
desaparecera igualmente o desejo de demonstrar que já não sentia amor. Ele, que, quando sofria
por Odette, tanto a ponto de deixar ver um dia que estava apaixonado por outra, agora, que o
podia, tomava precauções para que a mulher não suspeitasse desse novo amor.
Não só tomava agora parte naqueles lanches, devido aos quais tivesse antigamente a
tristeza de ver Gilberte me deixar e voltar mais cedo para também nas saídas que ela dava com a
mãe, seja para ir passear ou a um matinal, e que, impedindo-a de ir aos Chames-Élysées, me
haviam privado os dias em que eu ficava sozinho ao longo do relvado ou diante dos cavalos de
madeira. O Sr. e a Sra. Swann me admitiam agora nessas saídas, eu tinha lugar no seu landô e
até era a mim que perguntavam se gostava mais de ir ao teatro; à uma aula de dança na casa de
uma colega de Gilberte; à uma reunião mundana na casa de amigos de Swann (o que Odette
denominava um "pequeno méeting) ou visitar os túmulos de Saint-Denis!
continua na página 45...
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Leia também:
Volume 1
Volume 2
À Sombra das Moças em Flor (Ao Redor da Sra. Swann - i)
Volume 3Volume 4
Volume 5
Volume 6
Volume 7
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